O inteiro teor do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o Recurso Especial nº 1.634.851-RJ apresenta definições importantes quanto ao dever de cooperação entre comerciante e fabricante no saneamento de defeitos de bens de consumo. O caso específico questionava a política de empresa varejista de realizar a troca de produtos adquiridos pelo consumidor somente em até três dias úteis após a venda direta. A empresa alegava que, depois desse prazo, caberia exclusivamente ao fabricante sanar eventual vício do produto e, assim, ela buscava se isentar de responsabilidade.

O STJ analisou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que estabelecera a existência de um dever do varejista de receber os produtos dentro do prazo legal para tentar regularizar o vício apontado pelo consumidor, encaminhando ele próprio o produto para assistência técnica. Nesse sentido, o TJ-RJ fez menção ao prazo de 30 dias estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) para o saneamento do vício do produto. De acordo com o TJ-RJ, a responsabilidade solidária entre todos os membros da cadeia de consumo implicaria também o dever do comerciante de auxiliar o consumidor para obter o reparo do produto. Em outras palavras, o comerciante que faz a venda direta ao consumidor deveria arcar com o ônus de encaminhar o produto ao fabricante para a prestação da devida assistência.

O STJ debruçou-se sobre a interpretação do art. 18 do CDC em vista da limitação constante do art. 26 do CDC, para apurar se o comerciante tem esse dever. Em conclusão, para o STJ, sim, há o dever de cooperação do comerciante, pois o ônus de reparação do produto não deve recair sobre o consumidor. Mesmo em situações de assistência técnica na própria cidade, isso não isentaria o comerciante do dever de encaminhar o produto para assistência técnica.

Foi mencionada também no acórdão a responsabilidade civil pela perda injusta intolerável do tempo útil por parte do consumidor, teoria adotada por alguns doutrinadores, que consideram o deslocamento até a assistência técnica e o tempo sem o bem de consumo como danos passíveis de responsabilidade civil. Por mais que o STJ não acolha essa teoria no acórdão, a mera menção leva a uma reflexão dos varejistas para que atentem a esse tema.

Em resumo, o STJ entende que o comerciante deve intermediar a relação entre consumidor e fabricante, pois tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo. Nesse sentido, o consumidor deve escolher a alternativa para exercício do seu direito: se diretamente perante o fabricante ou se com a intermediação do comerciante. Em todo caso, apesar da decisão desfavorável à empresa varejista, o STJ manteve a decisão do TJ-RJ quanto ao pedido de dano moral coletivo, o qual foi considerado inexistente.

A decisão deve ser entendida como uma necessidade de os comerciantes preverem essas hipóteses quando contratarem com fabricantes. Sempre que possível, os contratos de fornecimento devem prever: (i) a compensação ou reembolso de custos decorrentes de manejo com produtos encaminhados pelo comerciante ao fabricante; (ii) a própria substituição do bem pelo comerciante, quando incidir o prazo de 30 dias para saneamento do vício previsto no CDC; ou (iii) cláusula de manter indene o comerciante, em hipóteses de ações movidas pelo consumidor em razão de vício do produto que deveria ser sanado pelo fabricante.

Artigos do Código de Defesa do Consumidor relevantes:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; (...)