Em julgamento realizado recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a exigência de prestação de caução por pessoa jurídica estrangeira devidamente representada no Brasil e que pretenda ajuizar uma ação no país.[1]

No caso concreto, a ação foi extinta sem resolução do mérito pelo juízo de primeira instância sob o fundamento de que a autora, sociedade empresarial estrangeira, não havia efetuado o depósito da caução prevista no art. 835 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973[2] (atual art. 83, CPC de 2015). O art. 835 dispõe que o autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar no curso da ação, deverá prestar caução suficiente para cobrir as custas e honorários de advogado da parte contra quem maneja a ação, se não tiver no país imóveis que possam servir de garantia.

Em sede recursal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) manteve a extinção do processo, afirmando que a caução era exigível, pois a sociedade estrangeira não estava devidamente representada no país.

Contra a decisão, a sociedade estrangeira recorreu ao STJ alegando ter nomeado pessoa jurídica domiciliada no Brasil – mediante a celebração de contrato de agenciamento – como sua agente geral, com poderes, inclusive, para mover ações judiciais em defesa de seus interesses.

A discussão do precedente decorre do fato de o sistema processual brasileiro, por cautela, exigir a prestação de caução por pessoa jurídica estrangeira que figure como autora em demanda judicial, caso esta não disponha de bens imóveis suficientes para suportar as custas processuais e o eventual ônus – caso não logre êxito na ação – de arcar com os honorários de advogado da parte contrária (honorários sucumbenciais).

Tal modalidade de garantia tem dupla função (i) proteger o réu contra eventual incapacidade financeira do autor para arcar com as custas processuais e honorários de sucumbência; e (ii) impedir que partes não domiciliadas – ou sem quaisquer bens imóveis no Brasil – litiguem perante o Poder Judiciário brasileiro sem oferecer qualquer garantia contra eventual inadimplemento, o que as coloca em posição excessivamente favorável – e, por consequência, até mesmo estimulando o abuso do direito de ação.

Em sessão de julgamento ocorrida em 21 de agosto de 2018, a Terceira Turma do STJ entendeu pela reforma do entendimento do TJSP, seguindo o voto do ministro relator Moura Ribeiro, que considerou não existir “nenhuma razão que justifique o receio no tocante à eventual responsabilização da demandante pelos ônus sucumbenciais, não se justificando a aplicação do disposto no art. 835 do CPC/73”. Concluiu o ministro consignando que a autora é devidamente representada por agência domiciliada no Brasil, que “poderá responder diretamente, caso seja vencida na demanda, por eventuais encargos decorrentes de sucumbência”.

Por fim, o ministro relator destacou que, de acordo com a redação do art. 88, I, parágrafo único, do CPC de 1973 (art. 21, I, parágrafo único, do CPC de 2015), considera-se devidamente domiciliada no território nacional a pessoa jurídica estrangeira que possui agência, filial ou sucursal estabelecida no Brasil.

Ainda sobre o tema, o CPC de 2015 prevê expressamente três hipóteses de dispensa de caução: (i) quando houver tratado ou acordo internacional que a dispense – novidade trazida pelo legislador do novo código; (ii) na execução fundada em título extrajudicial; (iii) no cumprimento de sentença e na reconvenção (art. 83, §1º, I a III).

O entendimento prevalecente, contudo, é que o rol do art. 83 não é taxativo, admitindo-se, por exemplo, ser dispensável a prestação de caução em ação de homologação de sentença estrangeira (STJ, Corte Especial, SEC 507/EX, rel. Min. Gilson Dipp, j. 18.10.2006); em ação de busca e apreensão (STJ, 4ª Turma, REsp 660.437/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 04.11.2004) e nos casos em que a pessoa estrangeira figura como “credora da ré em ação conexa” à proposta (STJ, 3ª Turma, REsp 6.171/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 18.12.1990).


[1] STJ, 3ª Turma, REsp 1.584.441/SP, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 21.08.2018.

[2] O recurso especial foi interposto sob a égide do CPC de 1973.