As provas desempenham papel fundamental em litígios de diversas naturezas, podendo ser determinantes para o sucesso – ou não – da demanda. O atual Código de Processo Civil (CPC) inovou ao tornar a produção antecipada de provas em ação autônoma, desvinculando a antecipação da prova do procedimento cautelar, como era previsto no código de 1973. Ocorre que, além da nova natureza, a mudança acabou por ampliar – e muito – as possibilidades de utilização dessa ação.

O que antes exigia a demonstração de urgência agora pode ser ajuizado com a segurança de que não haverá valoração da prova ou a condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, salvo em casos de resistência pelo requerido. Além disso, em princípio, não se admite, pelo artigo 382, § 4º, do CPC, a apresentação de defesa ou a interposição de recursos, exceto em caso de improcedência do pedido.

Para o ajuizamento da ação, nos termos do artigo 381 do CPC, basta demonstrar que a prova produzida servirá para:

  • evitar que se torne impossível ou muito difícil a verificação de determinados fatos;
  • viabilizar a autocomposição/meio adequado de solução de conflito; ou
  • evitar ou fundamentar o ajuizamento de futuras demandas.

Salvo pela primeira hipótese, que ainda guarda relação com o requisito de urgência, as demais independem desse requisito e podem ser alegadas, portanto, com maior flexibilidade.

Além de facilitar o ajuizamento da demanda, sob a justificativa de que a prova produzida antecipadamente poderá evitar demandas ou fomentar negociações extrajudiciais, o legislador do CPC de 2015 foi ainda mais generoso ao tentar afastar qualquer tipo de apresentação de defesa ou recurso. Fez isso visando diminuir o número de litígios e, como em outros artigos do novo CPC, privilegiar a autocomposição e a autonomia das partes.

Como resultado, em tese, a parte pode evitar a fase de conhecimento e saneamento do processo e ir direto para a produção da prova – ou provas, pois é permitida a cumulação. Tudo isso com uma ampla possibilidade de justificativa de cabimento da ação, combinado com a restrição de eventuais defesas e sem a onerosidade de uma ação de conhecimento. Ressalte-se que, além do custo com a manutenção de advogados, há uma diferença concreta no valor da causa indicado, o que reduz o valor pago a título de custas judiciais.

Como mostrado mais adiante, apesar das disposições legais citadas acima, a jurisprudência já reduziu alguns atrativos da demanda, até mesmo para coibir abusos e assegurar a devida observância ao contraditório e à ampla defesa, princípios do direito processual civil.

Efeitos no contexto societário

 

No direito societário, a nova previsão legal tem beneficiado, sobretudo, os sócios minoritários e servido como instrumento de acesso a informações e exercício do direito de fiscalização. Isso, porque, em tese, basta ajuizar a demanda com indicações básicas do contexto envolvido, fundamentado em um dos incisos do artigo 381 do CPC, para que os minoritários tenham um meio judicial de requerer a exibição de documentos sem ter muitos gastos. Não seria necessário litigar efetivamente com a sociedade da qual se é sócio, com os demais sócios ou com a administração.

Além disso, considerando que o poder para determinar a entrega de um documento específico é exclusivo do Poder Judiciário, a produção antecipada de provas pode vir a ser usada para o sócio minoritário se desvencilhar de cláusula compromissória que preveja a resolução de litígios relacionados à sociedade por meio de arbitragem. Essa hipótese, porém, não é pacífica e tem sido muito discutida.

Na jurisprudência já é possível identificar ações de produção antecipada de provas movidas por minoritários para obtenção de:

  • informações contábeis e financeiras da sociedade, até mesmo para apurar o cálculo de eventuais haveres;
  • documentos relacionados a operações societárias; e
  • contratos em geral, incluindo aqueles relacionados a questões estratégicas ou com partes relacionadas, por exemplo.

Percebe-se, portanto, a utilização da produção antecipada de provas por sócios minoritários para obterem acesso às informações sensíveis sobre a sociedade, operações societárias, inclusive em relação a valuation, e investigação de concorrência desleal.

Devido ao aumento do uso da ação de produção antecipada de provas, a doutrina sobre o tema e a jurisprudência passaram a flexibilizar a previsão do artigo 382, § 4º, do CPC, que impedia, por completo, a apresentação de defesa ou de recurso, salvo quando a produção antecipada de provas é totalmente indeferida.

Dessa forma, já se permite, por exemplo, a discussão judicial sobre questões processuais e a interposição de recursos, incluindo a argumentação sobre:

  • interesse de agir;
  • possibilidade de acesso aos documentos sigilosos; ou
  • legitimidade para que determinada parte possa, ou não, exigir a apresentação de certo documento ou a produção de qualquer prova.

A flexibilização da previsão legal garante a aplicação dos princípios constitucionais de ampla defesa e contraditório – princípios que foram, inclusive, enaltecidos no atual CPC, com a previsão para oitiva das partes sobre todo e qualquer novo documento juntado aos autos ou com a oportunidade de manifestação sempre que o julgador puder proferir decisão sobre tema ainda não abordado pelas partes, mesmo nos casos em que possa ser apreciado de ofício (vedação de decisão surpresa).

Para além das defesas processuais, no contexto societário, é preciso ainda delimitar a amplitude e escopo do direito de fiscalização e acesso a informações por parte dos sócios minoritários.

Embora o direito de fiscalização seja direito essencial do acionista, nos termos do artigo 109, inciso III, da Lei 6.404/76, ele não é ilimitado nem irrestrito, devendo ser exercido na forma da lei. O mesmo raciocínio se aplica a outros tipos societários, sobretudo à sociedade limitada.

É inegável que o dever de fiscalizar – assim como qualquer outro direito – não pode ser exercido de forma abusiva ou com o fim de prejudicar o andamento dos negócios sociais e a administração da sociedade.

Além do escopo do acesso à informação, deve-se reconhecer que muitos documentos e dados que os minoritários pretendem acessar podem ser estratégicos para a sociedade, sujeitos a obrigações de confidencialidade ou mesmo relacionados a segredos de negócio ou a informações concorrencialmente sensíveis.

Em casos como esses, espera-se que o julgador tenha sensibilidade para avaliar de forma equilibrada o direito de fiscalização dos acionistas minoritários, o cabimento do pedido e os impactos para a sociedade, inclusive com o deferimento da juntada de documentos em sigilo ou mesmo a adoção do segredo de justiça.

Outra preocupação é com o tratamento isonômico dos sócios. Nos casos em que nem todos os sócios são partes da demanda, poderia a administração divulgar ou informar mais aos sócios que tenham ajuizado uma medida como essa ou deveria franquear o mesmo acesso aos demais?

A jurisprudência tem aperfeiçoado a produção antecipada de provas com a exigência de demonstrações, pelo interessado, do cabimento da medida, seu interesse na produção da prova e, por fim, sua legitimidade para tal pleito, o que só será analisado após a apreciação do julgador sobre questões processuais atinentes.

Se, por um lado, é inegável a relevância da demanda para o ordenamento jurídico, de outro, é igualmente inegável que a flexibilização dos requisitos não deve ser utilizada como brecha para abusos. No contexto societário, isso tem ainda mais relevância, para não afetar negativamente a condução dos negócios sociais. Espera-se que a medida possa ser uma ferramenta adicional para os minoritários, mas sem que isso se reverta em um abuso de direito.