Para evitar que os tribunais brasileiros produzam decisões diferentes sobre um único tema e visando acelerar a solução de demandas múltiplas dependentes da análise de uma mesma questão de direito, o Código de Processo Civil de 2015 inaugurou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), procedimento disposto entre os artigos 976 e 987 do referido diploma.

Em síntese, havendo uma questão comum de direito repetida em diversos processos – individuais ou coletivos – o incidente pode ser instaurado para que, a partir de um ou mais processos, se defina uma tese que deverá ser adotada necessariamente pelos órgãos vinculados nos demais casos singulares. Assim, quando identificada a controvérsia que trata de um direito repetitivo com potencial de gerar decisões contraditórias sobre o mesmo tema, admite-se o IRDR para evitar risco à isonomia e à segurança jurídica.

Por ocasião do julgamento do caso escolhido como paradigma, o tribunal deverá ouvir amplamente todos os interessados antes de proferir decisão completa que servirá como padrão decisório para casos repetitivos. Outro aspecto importante ligado ao IRDR é a suspensão dos processos que versem sobre o mesmo tema do que será julgado na causa modelo.

De acordo com o artigo 982, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez admitido o incidente, o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no estado ou na região, conforme o caso. O parágrafo 3º do mesmo artigo prevê que essa suspensão poderá ser ampliada a todo o território nacional, caso seja provido requerimento dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse requerimento é feito pela própria parte titular da ação objeto do IRDR, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública.

No entanto, embora a suspensão esteja prevista na legislação como efeito da instauração do IRDR, depois que os procedimentos relacionados ao tema foram colocados em prática, verificou-se que os tribunais passaram a relativizar a regra de suspensão da tramitação de todos os processos relacionados ao tema que será julgado na causa modelo. Isso porque, em determinados casos, a suspensão poderia acarretar graves consequências para os processos individuais ou coletivos já em trâmite, o que iria de encontro a importantes princípios do Novo Código de Processo Civil, como celeridade, economia processual e uniformização das decisões.

Como exemplo, analisamos o acórdão proferido nos autos da proposta de afetação do Recurso Especial nº 1.729.593-SP. Ao julgar repetidas vezes demandas que tratam de aspectos ligados à compra e venda de imóveis na planta e as controvérsias envolvendo os efeitos na entrega do bem, o Tribunal de Justiça de São Paulo elegeu um caso modelo para a instauração do IRDR e encaminhou a proposta de afetação ao STJ. Como regra estabelecida pelo próprio Regimento Interno do STJ, amparada nos artigos 256-I e 257, existe uma fase de admissibilidade do processo em que o órgão colegiado deve se manifestar a respeito da afetação do processo. Essa etapa é subsequente ao reconhecimento da admissão do recurso como representativo da controvérsia.

No caso em tela, o STJ verificou que as questões jurídicas suscitadas são de grande relevância por envolverem efeitos do atraso na entrega de unidades autônomas em construção, o que evidenciaria o caráter abrangente das controvérsias tratadas no processo. Portanto, a decisão proferida nesse julgamento seria aplicável aos casos que tratam do mesmo tema.

Apesar de reconhecer que a suspensão de todos os processos que versem sobre o mesmo tema possa ser um dos efeitos da decisão de afetação do recurso como repetitivo, a Corte entendeu como inconveniente a adoção dessa medida no caso em questão e, de maneira ponderada, explicitou as argumentações que embasaram tal decisão no sentido de que: (i) a paralisação de todos os processos no país que versem sobre o tema poderia acarretar efeito diferente da celeridade e da segurança jurídica que o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos anseia; (ii) a suspensão impediria que as partes envolvidas nas demandas que tratam de questões de moradia pudessem tentar obter acordo, o que seria uma “iniciativa salutar, que visa colocar fim aos litígios”; e (iii) deveria ser considerado o risco potencial do encerramento das atividades de parte das empresas demandadas, devido ao desaquecimento do setor imobiliário, que só se agravaria com a suspensão em massa de um elevado número de demandas tratando desse tema.

Na esteira da argumentação desenvolvida no acórdão, é possível observar a performance eficiente do Judiciário ao enfrentar questões que podem afetar negativamente o resultado útil que se pretende com o IRDR. É, portanto, necessário que o procedimento obedeça aos princípios da celeridade e da razoável duração do processo. Nesse sentido, inclusive, a doutrina entende que a suspensão completa dos processos pode acarretar a indevida demora na resolução de questões que nada se referem à matéria jurídica debatida no procedimento incidental, o que poderia resultar em negação ao direito à razoável duração do processo.

Além disso, a suspensão dos processos conexos seria essencial quando se analisa determinado tema cujas decisões proferidas até o momento sejam conflitantes entre si, o que não ocorreu na discussão tratada pelo acórdão proferido nos autos da proposta de afetação do recurso especial nº 1.729.593-SP. Isso porque vários pontos que seriam objeto de apreciação do STJ já apresentam entendimentos que vêm sendo aplicados pelos tribunais de justiça do país, o que corrobora a falta de necessidade da suspensão em massa, uma vez que seria baixo o risco de serem proferidas decisões conflitantes enquanto se aguarda o julgamento do caso modelo.

Situação diversa, porém, pode ser observada nos autos da proposta de afetação do Recurso Especial nº 1.763.462-MG, situação na qual o STJ decidiu pela suspensão de todos os processos que versem sobre o cabimento ou não de multa quando a parte é intimada a apresentar documento relativo a direito disponível em razão das controvérsias geradas a respeito da aplicação do Tema 705 do STJ e do que dispõe o artigo 400 do CPC.

Isso porque, de acordo com a regra estabelecida no Tema 705 do STJ, não deveria ser aplicada multa cominatória na exibição de documento relativo a direito disponível. Entretanto, conforme disposto no parágrafo único do artigo 400 do CPC, em caso de recusa injustificada de exibição de documento, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.

Sob a justificativa de restabelecer a segurança jurídica com relação ao tema ante o cenário de incertezas que paira nos tribunais do país, foi determinada a suspensão dos processos conexos para decidir sobre eventual superação do Tema 705 do STJ, estabelecido à luz das disposições do Código de Processo Civil de 1973, para que a controvérsia seja enfrentada segundo o art. 400 do Código de Processo Civil de 2015.

Portanto, a postura do STJ de analisar casuisticamente, à luz do próprio escopo do instituto do IRDR, pode ser vista como salutar. Isso porque o incidente foi pensado como ferramenta para conferir maior celeridade ao julgamento de casos semelhantes a fim de garantir aos jurisdicionados uma solução mais eficiente dos seus conflitos e, também, um meio eficaz de eliminar as decisões controversas proferidas pelos tribunais de justiça brasileiros, para que o processo judicial ofereça a segurança jurídica necessária.