A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, no dia 14 de maio, seu entendimento de que a presença das mesmas partes não é necessária para configurar litispendência nas ações coletivas em que há substituição processual por legitimado extraordinário.

A manifestação foi feita no julgamento do Recurso Especial nº 1.726.147/SP, que teve origem na ação civil pública ajuizada pelo Instituto de Defesa da Cidadania (Prodec) contra o Banco Nossa Caixa S/A (atualmente, Banco do Brasil), tendo por objeto os expurgos inflacionários referentes aos planos Bresser e Verão.

O Prodec interpôs apelação em face da sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de que não teria legitimidade ativa para litigar no processo, “uma vez que a defesa dos interesses de grupos determinados de pessoas só se pode fazer por associações de defesa do consumidor quando isso for de interesse da coletividade como um todo”. Em síntese, o Prodec sustentou que a ação civil pública também se presta a defender direitos individuais e homogêneos, destacando que “milhões de pessoas consumidoras da ré foram lesadas, sendo que centenas de habilitações serão realizadas oportunamente na fase de execução”.

Em sede de contrarrazões, a instituição financeira apontou a existência de duas outras ações idênticas em curso, tutelando os mesmos interesses (os direitos dos consumidores afetados pelos planos econômicos à época), em afronta aos artigos 485, V, e 337, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil.[1] A alegação não foi acolhida. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) afastou a litispendência por entender que as ações foram interpostas por pessoas jurídicas diversas e que, portanto, não haveria risco de execução dúplice.

O leading case sobre o tema no STJ foi o recurso ordinário em mandado de segurança (RMS) nº 24.196/ES[2], de relatoria do ministro Felix Fischer e julgado pela Quinta Turma do STJ em 18/02/2008. Naquela oportunidade, entendeu-se que “o aspecto subjetivo da litispendência nas ações coletivas deve ser visto sob a ótica dos beneficiários atingidos pelos efeitos da decisão, e não pelo simples exame das partes que figuram no polo ativo das demandas”. O entendimento foi reiterado pela ministra Eliana Calmon, relatora do REsp 1.168.391/SC e outros julgados que lhe sucederam.[3]

Para os ministros da Quarta Turma, nas ações coletivas que tratam de substituição processual por legitimado extraordinário, no caso, o Prodec, não é necessária a presença das mesmas partes para configurar a litispendência. Em linha com o entendimento do STJ em outros julgados, o julgador deve observar eminentemente a identidade dos possíveis beneficiários do resultado das decisões.

Assim, a questão relativa à configuração de litispendência, mesmo quando não há identidade de partes, está pacificada no STJ. O entendimento consolidado pela Corte nos parece acertado, uma vez que a legitimidade ativa nas ações coletivas deve ser analisada sob a ótica dos beneficiários da decisão, e não pelo simples exame da forma de identificação das partes (típico do instituto nas ações de natureza privada). Isso é especialmente relevante tendo em vista a natureza das ações coletivas – a proteção dos direitos difusos e coletivos, de natureza indivisível – e individuais homogêneos, com vistas a resguardar o interesse de toda uma coletividade.

A decisão do STJ se aplica tanto às ações ajuizadas pelas associações civis quanto às intentadas pelo Ministério Público, por entidades e órgãos da Administração Pública e pelos demais legitimados previstos no artigo 5º da Lei Federal nº 7.347/1985 (Lei das Ações Civis Públicas). É um avanço que contribui em muito para promover a discussão no âmbito processual e para evitar, em nome da economia e da celeridade processual, o ajuizamento descoordenado de ações coletivas com vistas a tutelar o mesmo bem jurídico e a movimentação desnecessária da máquina judiciária – já tão obstruída – de forma ineficiente e ineficaz.

[1] “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;”

“Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: (...) § 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. § 2º Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”.

[2] RMS 24.196/ES, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 46

[3] REsp 1168391/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 31/05/2010 . No mesmo sentido: REsp 427.140/RO, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 20/05/2003, DJ 25/08/2003, p. 263; REsp 1168391/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 31/05/2010; REsp 925.278/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 19/06/2008, DJe 08/09/2008