A Lei nº 11.101/2005 – Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LFR) – não prevê tratamento específico, no âmbito da recuperação judicial, ao empresário coobrigado por débitos trabalhistas que satisfaz crédito sujeito à recuperação judicial em nome da recuperanda e que, em consequência, passa a ter um direito de crédito contra ela. Em razão dessa ausência de previsão legal, a jurisprudência tem se dividido a respeito do tratamento a ser dispensado a tal terceiro.

Alguns julgados adotam entendimento de que o crédito trabalhista é pessoal e intransferível, de modo que o terceiro que arca com tal pagamento deve ser considerado um credor quirografário, sob o argumento de que, em caso contrário, estariam sendo violados os princípios da paridade de credores e de equilíbrio no pagamento de créditos. Para essa parcela da jurisprudência, os empresários coobrigados pelos débitos trabalhistas da recuperanda terão tratamento semelhante àqueles com créditos decorrentes de cessão de crédito, aplicando-se, por analogia, o artigo 83, § 4º, da LFR, segundo o qual, na falência, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros têm natureza quirografária.

Recentemente, porém, verifica-se uma nova tendência na jurisprudência. Algumas decisões consignam que a quantia paga por terceiro deverá manter as mesmas características do crédito originário, em decorrência da sub-rogação, e que, portanto, ela deve ser habilitada na classe dos trabalhistas.

Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) no julgamento de agravo de instrumento interposto de decisão proferida em habilitação de crédito apresentada no âmbito da recuperação judicial do Grupo Schahin.[1] No caso, a habilitante – que havia respondido de forma subsidiária por condenação em processo judicial trabalhista – pleiteou a inclusão de seu crédito como trabalhista. O TJ-SP reformou a decisão de primeiro grau, deferindo o pedido.

Segundo a decisão proferida pela Corte paulista, a habilitante, ao promover o pagamento da condenação, teria se sub-rogado nos direitos do credor originário e, portanto, assumido a titularidade do crédito com as mesmas características e condições que o original, inclusive quanto à sua natureza privilegiada, a teor do artigo 349 do Código Civil.

A decisão também consignou expressamente a inaplicabilidade por analogia das regras acerca da cessão de créditos na falência, cujos fundamentos lógicos e jurídicos são diversos do pagamento por sub-rogação, uma vez que seu objetivo principal é evitar que os credores negociem seus créditos – de caráter alimentar – por preços inferiores ao realmente devido.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC)[2] também já adotou entendimento semelhante, ao deferir pedido liminar formulado em impugnação de crédito, para autorizar empresa condenada subsidiariamente em reclamações trabalhistas a participar das assembleias gerais de credores, com direito a voz e voto, na classe trabalhista. Nesse caso, o fundamento adotado também foi o de que o terceiro interessado que arca com condenação trabalhista sub-roga-se nos direitos do credor satisfeito e passa a “ostentar todos os privilégios e garantias de que gozava o anterior credor, na forma do art. 349 [do Código Civil]”.

A despeito da inexistência de voz uníssona na jurisprudência sobre a aplicabilidade do instituto da sub-rogação no âmbito da recuperação judicial, é certo que esses julgados mais recentes poderão ser utilizados por terceiros que sofreram condenações na esfera trabalhista por dívidas de empresa em recuperação. Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) equacionar a questão, pacificando o entendimento jurisprudencial sobre o tema, a fim de garantir maior segurança jurídica aos pagamentos envolvendo verbas trabalhistas. No REsp nº 1.526.092/SP, ao examinar casos de cessão de créditos trabalhistas e concluir pela ausência de manutenção do benefício de ordem, o STJ fez expressa ressalva dando a entender que a solução seria distinta, provavelmente com manutenção do benefício, se a hipótese fosse de sub-rogação. Esperamos que esse seja o entendimento que venha a prevalecer na Corte Superior.


[1] TJSP, AI 2152200-02.2016.8.26.0000, Rel. Des. Caio Marcelo Mendes de Oliveira, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, J. 29/03/2017.

[2] TJSC, AI 0146943-21.2015.8.24.0000, Rel. Des. Newton Varella Júnior, J. 07.11.2017