O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu no mês passado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.296/DF, na qual se discutia a (in)constitucionalidade de dispositivos[1] da Lei nº 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança).

Entre os dispositivos submetidos à análise da Corte na ADI proposta em 2009 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB),[2] merece atenção, em matéria processual, o artigo 22, §2º, segundo o qual a tutela de urgência, em mandado de segurança coletivo, somente pode ser concedida após a oitiva do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá pronunciar-se no prazo de 72 horas.

O artigo 22, §2º, foi declarado inconstitucional pela maioria do STF. A Corte considerou que, entre outros fundamentos, o dispositivo em questão restringe o poder geral de cautela do magistrado e o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 (CF).

A discussão submetida ao STF é antiga e objeto de divergência. De um lado, há quem defenda, na doutrina[3] e na jurisprudência,[4] a não relativização do quanto previsto no artigo 22, §2º. Considerando que o mandado de segurança coletivo visa a tutelar direito transindividual líquido e certo violado ou ameaçado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou de quem exerça função pública, prevalece o entendimento de que a intenção do legislador foi garantir ao poder público ciência da dimensão da pretensão contida na ação coletiva e dos reflexos que podem ser causados à organização administrativa caso concedida a tutela de urgência. Assim, a exigência da oitiva prévia da autoridade coatora tem como pano de fundo a preservação do interesse público.

Do ponto de vista de direito processual, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 22, § 2º, pelo STF deve ser considerada um avanço, uma vez que se prestigiou o instituto da tutela provisória de urgência.

Muito embora se trate de mandado de segurança coletivo, não há como ignorar a sistemática prevista, sobretudo no Código de Processo Civil de 2015, que prestigia o paradigma de processo constitucional democrático, privilegiando os já mencionados princípios constitucionais da efetividade da jurisdição e da duração razoável do processo.

O exercício do contraditório – o direito de a parte ter ciência de todos os atos e termos do processo, influenciar no conteúdo da decisão judicial e viabilizar a cooperação entre as partes e o juiz – pode e deve ser postergado em hipóteses excepcionais, sempre que preenchidos os requisitos previstos no artigo 300 do CPC: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (por exemplo, casos que visam ao fornecimento de medicamentos pelo Estado e de leitos em hospitais).

Ainda é relevante dizer que a decisão do STF prestigia o poder geral de cautela do magistrado, previstos nos artigos 297 e 301 do CPC,[7] assim como o próprio princípio constitucional da separação de poderes (artigo 2º da CF), já que afasta a obrigatoriedade de oitiva do representante do poder público antes da análise e concessão de tutela de urgência em favor do impetrante.

O resultado do julgamento do STF é mais uma demonstração de que é preciso cuidado na aplicação indistinta e sem reflexão de conceitos jurídicos vinculados ao regime jurídico administrativo, especialmente quanto à primazia do interesse público sobre o privado.[8] Até porque, como muito bem destacou o ministro Alexandre de Moraes no julgamento da ADI nº 4.296/DF, litigar contra a Fazenda Pública é uma batalha semelhante àquela travada entre Davi e Golias – na prática, ainda que concedida a tutela de urgência sem a oitiva do representante da pessoa jurídica de direito público, o poder público tem à sua disposição instrumentos próprios para buscar a suspensão do provimento jurisdicional (por exemplo, a suspensão de liminar).

Na linha do entendimento majoritário do STF, espera-se que os tribunais estaduais revejam o posicionamento atual e admitam a concessão de tutela de urgência em caráter liminar nos mandados de segurança coletivos quando a urgência do caso concreto assim determinar.

O reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 22, §2º, da Lei de Mandado de Segurança deverá significar a superação do entendimento anterior, de modo que a intimação do representante do poder público para se pronunciar sobre o pedido de tutela de urgência seja entendida como exceção, quando não comprometer a salvaguarda do direito coletivo do impetrante, em homenagem inclusive à independência do Poder Judiciário.

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