A citação de pessoa jurídica em endereço antigo não é válida quando a mudança de endereço já tiver sido comunicada à Junta Comercial, ainda que a alteração não tenha sido informada no próprio site da empresa. A decisão foi proferida recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 1.976.741/RJ.

No caso em questão, a ré alegou a nulidade de sua citação, porque a carta havia sido entregue em seu antigo endereço, que, apesar de desatualizado, ainda constava no site da empresa como local de sua sede.

Ocorre que, na época da citação, a mudança de endereço já havia sido informada à Junta Comercial por meio de arquivamento do ato societário correspondente. Consta ainda no acórdão proferido pelo STJ que a carta de citação teria sido recebida por pessoa estranha à pessoa jurídica e não por um funcionário dela.

Com base nessas duas razões, a ré pleiteou a nulidade do ato citatório já na fase de cumprimento de sentença, uma vez que havia sido considerada revel em ação de obrigação de fazer.

Em resposta, a autora da ação alegou que:

  • a citação havia sido efetivada no endereço declarado publicamente pela pessoa jurídica;
  • a pessoa jurídica não poderia se beneficiar da própria torpeza ao não alterar o endereço em seu site, fato agravado pela ré ter comparecido aos autos apenas na fase de liquidação; e
  • não houve provas de que a pessoa que recebeu a carta de citação não seria um funcionário da ré.

A Justiça estadual do Rio de Janeiro entendeu pela validade da citação da pessoa jurídica ocorrida no endereço informado em seu site, ainda que antigo, sob o fundamento de que existiria uma obrigação da pessoa jurídica de garantir a atualização do site, mediante o fornecimento do endereço correto para clientes e parceiros comerciais.

Ao deixar de fazer a atualização, a pessoa jurídica deveria arcar com o ônus dessa suposta negligência, e não pretender anular todo um processo que já se encontrava na fase de cumprimento de sentença.

O entendimento do Tribunal do Rio de Janeiro, entretanto, foi reformado pelo STJ. O acórdão proferido pela corte destacou a importância e as formalidades exigidas por lei para a efetivação da citação. Nessa linha, chamou a atenção para o princípio do contraditório, lembrando que é essencial garantir que a parte tenha efetiva ciência sobre o processo para que exerça seu direito à ampla defesa.

No caso julgado, a citação deveria seguir o disposto no Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), que determinava, entre outras regras, que a citação seria válida quando a carta fosse entregue a pessoa com poderes de gerência geral, de administração ou a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências.

Em razão da dificuldade de a pessoa jurídica ser citada por meio da entrega de carta diretamente a um de seus funcionários ou, ainda, de pessoa com poderes para representá-la, a jurisprudência já caminhava para a chamada teoria da aparência.[1]

Em resumo, de acordo com esse entendimento, seria considerada válida a citação realizada em estabelecimento comercial ou na sede da pessoa jurídica, quando recebida por pessoa que aparentasse ter poderes para tanto e/ou que levasse a crer que, mediante o recebimento, a pessoa jurídica tomaria efetivo conhecimento da demanda.

Para a aplicação da teoria da aparência, no entanto, dois elementos seriam essenciais: a entrega da carta de citação no endereço da pessoa jurídica e o recebimento por funcionário da pessoa jurídica.

No caso narrado, o STJ afastou a aplicação da teoria da aparência, uma vez que a carta de citação foi entregue no endereço antigo da pessoa jurídica e não foi comprovado qualquer vínculo da pessoa jurídica com a pessoa que recebeu a carta, podendo, por exemplo, ter sido um porteiro do prédio comercial. Assim, não teria sido cumprido nenhum dos requisitos: a carta não foi entregue no endereço da sede da pessoa jurídica e não foi recebida por um funcionário, dado que o vínculo não foi demonstrado.

Além disso, o acórdão do STJ apontou que, uma vez registrada a alteração do endereço da pessoa jurídica na Junta Comercial, o novo endereço já seria de domínio público, de modo que poderia ter sido consultado pela parte autora. Esse procedimento, vale dizer, é exatamente o que deveria ter sido feito pela parte autora, uma vez que, nos termos do artigo 319, inciso II, do CPC, o ônus de informar o endereço correto do réu para viabilizar a sua citação e demais comunicações processuais é do autor.

A decisão do STJ também refutou o argumento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro de que a pessoa jurídica teria obrigação de fornecer seu endereço correto em seu site para atender “clientes e parceiros comerciais”. Para tanto, foi ressaltado pelo STJ que o caso não se trata de uma questão contratual, que demandaria notificações extrajudiciais, mas de citação em ação judicial.

A decisão do STJ também fez um paralelo com a Lei 11.419/06, alterada pela recente Lei 14.195/21, conhecida como Lei do Ambiente de Negócios, que impõe a citação, em regra, por meio eletrônico.

Ainda que a nova legislação permita a citação por e-mail – sendo esta modalidade obrigatória para todas as pessoas jurídicas, com exceção de microempresas e empresas de pequeno porte –, a lei é clara ao determinar que a própria pessoa jurídica indique um endereço eletrônico em um sistema de “banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”.

Não se trata, assim, de qualquer endereço eletrônico, mas daquele informado pela pessoa jurídica para esse fim, com o objetivo de resguardar as formalidades do ato de citação.

Com base nos argumentos acima, o STJ concluiu que não se pode presumir como válido um endereço para citação, ainda que apontado no site pela pessoa jurídica, até porque não há qualquer legislação que obrigue a pessoa jurídica a manter o endereço atualizado em seu site. A corte também destacou que o endereço da pessoa jurídica estava atualizado na Junta Comercial.

Essa decisão é relevante por reforçar o entendimento de que cabe ao autor indicar o endereço de citação do réu da forma mais precisa possível. No caso de citação de pessoas jurídicas, ele deve consultar as bases de dados disponíveis, caso dos documentos dos órgãos registrais, como a Junta Comercial e a Receita Federal, para garantir a validade da citação da pessoa jurídica, sem a qual o processo será nulo de pleno direito.

 


[1] Por exemplo, AgInt no AREsp 476.491/RJ, rel. ministro Marco Buzz, Quarta Turma, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019.