A Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês), instituição criada em 2015 por solicitação do G20 para promover recomendações para divulgações (disclosures) relacionadas a mudanças climáticas, emitiu em 2017 recomendações para empresas financeiras e não financeiras buscando tornar consistentes, comparáveis, claras e eficientes algumas informações de divulgação voluntária.

O trabalho da TCFD tem por objetivo dar mais transparência aos riscos e oportunidades relacionados às mudanças climáticas para permitir melhores decisões de investimento, crédito e contratação de seguros, além de melhorar o entendimento sobre a concentração de ativos relacionados ao carbono no setor financeiro.

Após tornar-se instituição apoiadora da TCFD em setembro de 2020, o Banco Central do Brasil (Bacen) lançou sua agenda de sustentabilidade, com abrangência ainda maior que as recomendações da força-tarefa, pois, além de contemplar o gerenciamento dos riscos climáticos, aborda o gerenciamento de riscos socioambientais, a promoção de finanças sustentáveis e a integração de variáveis sustentáveis no processo de tomada de decisão do Bacen.

A iniciativa da autarquia é muito bem-vinda, por integrar em sua estratégia regras de gerenciamento de riscos e de responsabilidade socioambiental. Nesse sentido, a política do Bacen também parece abraçar a sigla de ordem no momento: ESG (Environmental, Social and Governance), que reflete a necessidade de uma análise capaz de integrar, além do retorno financeiro, questões de caráter ambiental, social e de governança.

A título de exemplo, o Bacen colocou em audiência pública este ano propostas relacionadas a:

  • critérios de sustentabilidade aplicáveis na concessão de crédito rural e vedação de acesso ao crédito rural por questões socioambientais (Consulta Crédito Rural);
  • definições de risco social, risco ambiental e risco climático e requisitos para seu gerenciamento (Consulta Gerenciamento de Risco); e
  • divulgação de relatório de riscos e oportunidades sociais, ambientais e climáticas pelas instituições financeiras (Consulta Relatório de Riscos e Oportunidades).

No que concerne à Consulta Crédito Rural, as normas propostas dividem as operações em três segmentos:

  • as que podem ser consideradas sustentáveis conforme lista taxativa (apontada como muito abrangente por poder incluir práticas distantes da sustentabilidade);
  • as que não podem receber crédito rural (o que inclui apenas áreas embargadas no bioma Amazônia, entre outras); e
  • as intermediárias, que podem receber crédito rural, mas com alerta para as instituições financeiras de que a operação representa risco ambiental (flexibilizando restrições passadas e gerando insegurança jurídica para o financiador).

Uma novidade já esperada pelo mercado na proposta da Consulta Crédito Rural é a integração das bases de dados do governo e a criação do Bureau do Crédito Rural Sustentável, cujas informações poderão ser fornecidas mediante autorização do mutuário, dentro dos princípios de open banking.

Já a Consulta Gerenciamento de Riscos prevê que os riscos social, ambiental e climático devem ser considerados na estrutura de gerenciamento de riscos das instituições financeiras e atualiza a Política de Responsabilidade Socioambiental.

O risco social contempla a possibilidade de perdas geradas, direta ou indiretamente, por eventos associados a práticas de violações de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos a interesses coletivos, como atos de assédio, preconceito, discriminação, trabalho infantil, trabalho em condições análogas à escravidão, entre outros.

O risco ambiental inclui a possibilidade de perdas para as instituições ocasionadas, direta ou indiretamente, por eventos associados a atos ou atividades de degradação do meio ambiente, incluindo o uso excessivo de recursos naturais, ou a desastres ambientais resultantes de intervenção humana – entre eles, poluição do ar, dos recursos hídricos ou do solo, destruição ambiental em larga escala, desmatamento, incêndio em mata ou floresta.

Por sua vez, o risco climático é dividido em:

  • de transição, decorrente da possibilidade de perdas para a instituição ocasionadas, direta ou indiretamente, por eventos ligados ao processo de transição para uma economia de baixo carbono, em que a emissão de gases do efeito estufa é reduzida ou compensada (alterações na legislação, inovações tecnológicas, percepções negativas de qualquer stakeholder sobre a contribuição da instituição para uma economia de baixo carbono); e
  • físico, possibilidade de perdas por eventos associados a condições ambientais extremas causadas por mudanças em padrões climáticos (intempéries, alterações ambientais de longo prazo, migração humana por tais eventos).

A Consulta Relatório de Riscos e Oportunidades propõe a divulgação obrigatória de relatório pelas instituições financeiras abordando aspectos qualitativos das recomendações da TCFD com foco na governança, nas estratégias das instituições e no gerenciamento de riscos sociais, ambientais e climáticos. Em um segundo momento, o Bacen pretende exigir aspectos quantitativos com foco em metas e métricas.

Mesmo que algumas das propostas contidas nas consultas públicas possam ser aprimoradas, é certo que as normas que vierem a ser implementadas deverão contribuir para que o mercado financeiro em geral adote práticas mais responsáveis do ponto de vista ambiental, social e de governança. Isso vale tanto para a concessão de crédito como para a canalização de investimentos e constitui mais um passo importante no enfrentamento dos grandes desafios socioambientais e climáticos dos próximos anos.