A Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 4.661/18 completará um ano e meio de publicação e início da vigência no próximo dia 29 de novembro. Mesmo com o tempo decorrido, algumas regras estabelecidas para investimento no anteriormente denominado “Segmento de Imóveis” ainda são alvo de discussão. Falta regulamentação adequada sobre o tema para garantir segurança jurídica às operações imobiliárias realizadas pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC).

A Resolução nº 4.661/18 estabeleceu restrições ao investimento em imóveis pelas EFPCs, vedando a aquisição direta de imóveis e obrigando essas entidades a alienar os imóveis de sua propriedade direta no prazo de até 12 anos (até 28 de maio de 2030). Muito tem se discutido, no entanto, sobre qual seria a interpretação correta para vedação à “aquisição direta de imóveis”.

Por aquisição de imóveis entende-se a aquisição da propriedade de um bem imóvel que, no direito brasileiro, se dá de três maneiras: por usucapião, registro do título ou acessão. Para a análise feita neste artigo, interessa apenas a aquisição direta de propriedade por registro do título, ou seja, por meio do registro de um título translativo da propriedade (escritura de venda e compra, doação, permuta, dação em pagamento, auto de arrematação, entre outros) no Ofício de Registro de Imóveis competente em favor de uma EFPC.

Ao se proibir a aquisição direta de imóveis por EFPCs em qualquer circunstância, levanta-se a discussão sobre se também estaria vedada a constituição de garantias imobiliárias em favor das EFPCs, a exemplo da alienação fiduciária em garantia (AFG). Na AFG, a propriedade fiduciária e a posse indireta do imóvel são transferidas ao credor fiduciário em garantia da dívida e , para início do processo de execução em caso de não pagamento da dívida garantida, exige-se a prévia consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor, inclusive mediante o pagamento de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e registro no Ofício de Registro de Imóveis.

Essa discussão se desdobra ainda em duas vertentes: para novas operações celebradas após o início da vigência da Resolução nº 4.661/18 em que se pode entender que não será possível constituir AFG; e para a execução de garantias imobiliárias (AFG e hipotecas) de operações celebradas antes de 29 de maio de 2018, mas executadas depois da vigência da Resolução nº 4.661/18. No último caso, seria possível a adjudicação ou dação em pagamento dos imóveis oferecidos em garantia em favor das EFPCs?

No caso da hipoteca de imóveis, não há o enfrentamento da discussão sobre a possibilidade de constituição da garantia imobiliária – pois, diferentemente da AFG, a constituição da hipoteca não transfere a propriedade (ainda que fiduciária) ao credor – nem sobre o início da execução da garantia, pois não há consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor para posterior alienação em leilão. No entanto, ainda se discute a possibilidade de adjudicação do imóvel quando não há um terceiro interessado no leilão e de esvaziamento do valor patrimonial da garantia imobiliária em decorrência dessa restrição, o que prejudica os interesses das EFPCs e de seus participantes.

Essa celeuma sobre a correta interpretação e alcance da vedação à aquisição direta de imóveis por EFPCs dá margem a muitos questionamentos:

  • Como operacionalizar, na prática, a execução de uma AFG constituída em favor de uma EFPC que depende da prévia consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor para posterior alienação em leilão extrajudicial que poderá resultar até mesmo na adjudicação do imóvel pelo próprio credor?
  • A EFPC poderá consolidar a propriedade do imóvel em seu nome, na vigência da Resolução nº 4.661/18, ainda que a AFG tenha sido constituída antes de 29 de maio de 2018 para fins de execução?
  • A EFPC poderá adjudicar o imóvel dado em garantia e se tornar proprietária dele, ainda que temporariamente considerando a obrigação de alienar todos os imóveis ou integralizá-los em FII em até 12 anos?
  • Caso se entenda que é possível fazer a consolidação e a adjudicação do imóvel em razão de a garantia imobiliária ter sido constituída antes de 29 de maio de 2018, esse imóvel, quando adquirido pela EFPC, poderá ser incluído no conceito de “estoque” para afastamento do limite de concentração por emissor de até 25% do patrimônio líquido no caso de posterior integralização do imóvel pela EFPC em um FII?

Apesar de a Resolução nº 4.661/18 estar vigente há um ano e meio, todos esses questionamentos continuam sem resposta, o que dificulta, de forma relevante, as atividades e os novos investimentos das EFPCs no segmento imobiliário.

Pela interpretação literal da resolução (que não prevê nenhum tipo de exceção), parece óbvio que as EFPCs não podem mais adquirir diretamente nenhum imóvel desde 29 de maio de 2018, ainda que em consequência da execução de garantias imobiliárias (hipoteca ou AFG) ou de dações em pagamento de imóveis decorrentes de dívidas acordadas ou constituídas antes da vigência da Resolução nº 4.661/18. No entanto, essa não parece ter sido a intenção do CMN ao formular a resolução, e as EFPCs têm buscado soluções alternativas para viabilizar a excussão de garantias imobiliárias a fim de equilibrar tanto seus objetivos atuariais quanto suas obrigações de garantia de rentabilidade e os deveres impostos pela norma em questão.

A interpretação literal da letra da lei não parece, de fato, ser a melhor saída, considerando que, entre os objetivos das EFPCs, está justamente garantir a rentabilidade dos seus investimentos e a solvência do seu patrimônio para assegurar a seus participantes um retorno adequado e, consequentemente, um benefício satisfatório. Visando preservar o mínimo de segurança jurídica, a execução de garantias imobiliárias, inclusive por meio da adjudicação direta dos imóveis dados em garantia, e a própria dação em pagamento desses imóveis em operações celebradas até 28 de maio de 2018 (ainda que executadas depois da entrada em vigor da Resolução nº 4.661/18) devem continuar a ter respaldo legal, em nome da preservação dos interesses das próprias EFPCs e de seus participantes e assistidos.

No presente momento, porém, a falta de clareza sobre como o tema será efetivamente tratado pela Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), órgão responsável pela interpretação e fiscalização da Resolução nº 4.661/18, e pelo Judiciário cria um cenário de muita insegurança jurídica. Considerando a indefinição que ronda a própria Previc, com a possibilidade de sua fusão com a Susep (Superintendência de Seguros Privados), não há um panorama claro sobre quando teremos uma solução definitiva sobre a questão. Caso a caso, a recomendação que se tem dado às EFPCs é que formalizem consultas prévias à Previc para validar as operações decorrentes de execução de garantias imobiliárias.