O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu favoravelmente à arrematação de imóvel rural hipotecado em favor de uma instituição financeira brasileira equiparada a estrangeiros, apesar das restrições vigentes à aquisição e ao arrendamento rural por sociedades brasileiras equiparadas a estrangeiros, por terem maioria do seu capital social e/ou controle detido por estrangeiros. O acórdão foi publicado em 17 de julho, pela 23ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, em sede do agravo de instrumento nº 2024029-90.2017.8.26.0000, da Comarca de São Paulo.

Desde agosto de 2010, com a publicação do Parecer AGU/LA 01/2010, a aquisição de imóveis rurais por sociedades brasileiras equiparadas a estrangeiros está sujeita a uma série de restrições previstas na Lei nº 5.709/1971, no Decreto nº 74.965/1974 e na Lei nº 8.629/1993. Essas restrições dizem respeito, por exemplo, à extensão da área que pode ser adquirida, à limitação do percentual de áreas por nacionalidade, à obrigatoriedade de obtenção de aprovação prévia do Incra, do Congresso Nacional e/ou do Conselho de Defesa Nacional, à necessidade de prévia aprovação dos projetos que serão desenvolvidos nas áreas a serem adquiridas, entre outras questões.

A constituição de garantias imobiliárias, a exemplo da hipoteca, não é vedada por lei, mas considerando-se que a aquisição é restrita, a execução da garantia hipotecária em caso de não pagamento da dívida acaba sujeita a tais restrições, pois o credor hipotecário não poderia arrematar o imóvel rural em leilão caso não houvesse outros adquirentes interessados e, assim, tornar-se seu proprietário sem que todas as restrições decorrentes do Parecer da AGU fossem observadas.

No caso das instituições financeiras, a obrigatoriedade de vender os imóveis recebidos em liquidação de empréstimos concedidos tem sido utilizada como fundamento na argumentação de que as restrições decorrentes do Parecer da AGU não seriam aplicáveis às arrematações de imóveis rurais em execução de hipotecas por instituições financeiras brasileiras equiparadas a estrangeiros. As justificativas são o fato de que (i) a instituição financeira não está adquirindo o bem para uso próprio e tem a obrigação legal de vender o imóvel e (ii) a restrição à arrematação do bem poderia terminar por esvaziar a própria garantia imobiliária, o que impactaria sensivelmente na concessão de novas linhas de crédito por esses bancos, principalmente as destinadas ao setor do agronegócio. No entanto, o tema não é pacífico e ainda necessita de uma resposta final.

A decisão recente da 23ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP é apenas mais um capítulo dessa história e traz luz e direcionamento às discussões sobre a execução das garantias imobiliárias de imóveis rurais, embora ainda não resolva a questão de forma completa. Os desembargadores que decidiram favoravelmente à expedição da carta de arrematação em favor do banco (não foi uma decisão unânime) argumentaram que, como a expedição da carta de arrematação por si só não seria suficiente para transferir a propriedade do imóvel rural –apenas o seu registro no cartório de registro de imóveis competente seria capaz de concretizar a transferência da titularidade do bem – não haveria vedação legal à expedição da carta de arrematação apesar das restrições decorrentes da Lei nº 5.709/1971. Ademais, defendeu-se que a arrematação do imóvel rural pelo banco equiparado à sociedade estrangeira não seria um risco à segurança nacional, justamente porque a instituição financeira tem a obrigação de vender o bem arrematado e porque o objetivo da arrematação é garantir o seu direito de crédito. Por fim, apesar de constar recomendação à concretização da arrematação, destacou-se que caberá ao oficial do registro de imóveis avaliar a nulidade ou não da respectiva carta de arrematação, diante das particularidades do caso concreto e da viabilidade de seu registro em favor de tal instituição financeira.

Essa decisão, ainda que não seja unânime, foi positiva no sentido de indicar que as instituições financeiras equiparadas a estrangeiros conseguirão executar as garantias imobiliárias constituídas sob imóveis rurais. No entanto, é uma decisão tímida e que não enfrentou o tema de forma completa. Deixou-se de decidir sobre se haveria nulidade ou não do registro da arrematação, delegando para os registros de imóveis a decisão sobre como proceder, pautados pelas normas das suas respectivas corregedorias e sujeitos à ulterior responsabilização civil e criminal por seus atos.

Além disso, ainda que tais cartas de arrematação venham a ser efetivamente registradas, transferindo-se a propriedade de tais imóveis rurais em favor das instituições financeiras equiparadas a estrangeiros, a dúvida sobre a efetiva legalidade dessa aquisição (a qual poderá afetar toda a cadeia dominial do imóvel dali em diante) continuará a existir e a gerar insegurança jurídica. Infelizmente, ainda teremos de aguardar os novos capítulos e o desenrolar da discussão para efetivamente pôr fim à insegurança jurídica que ainda enfrenta a execução dessas garantias imobiliárias.