Vigente desde dezembro do ano passado, a Medida Provisória nº 910 prevê alterações nos procedimentos de regularização fundiária de ocupações em áreas da União, com o objetivo de desburocratizar o processo de concessão de títulos definitivos a assentados, principalmente a pequenos produtores rurais.

A medida pode ser vista como uma forma de incluir o pequeno produtor rural no sistema produtivo, facilitando o acesso a crédito mediante a regularização fundiária. Os críticos, no entanto, entendem que a flexibilização dos procedimentos poderá ser utilizada para regularizar a ocupação de áreas decorrentes de grilagem.

Dentre as principais alterações trazidas pela MP, destacam-se:

  • Marco possessório. A data a partir da qual o interessado precisará comprovar a ocupação e a exploração direta, mansa e pacífica do imóvel para fins de regularização foi alterada de 22/7/2008 para 5/5/2014. Especificamente para os imóveis com menos de 15 módulos fiscais (unidade de medida que varia entre 5 e 110 hectares conforme o município no qual o imóvel está localizado), essa comprovação foi simplificada e poderá ser feita por meio de sensoriamento remoto (por exemplo, imagens obtidas por drones ou satélite).

  • Regularização por autodeclaração da parte interessada. A MP ampliou as hipóteses em que a regularização de imóveis rurais poderá ser fundamentada em declaração do próprio interessado (sujeita às responsabilidades penal, civil e administrativa, caso não seja verdadeira) sem vistoria prévia do imóvel pelo poder público: esse mecanismo agora está disponível para imóveis com até 15 módulos fiscais – antes o limite era quatro. Para esses casos, a verificação presencial apenas ocorrerá quando (i) o interessado for representado por meio de procuração; (ii) o imóvel for objeto de termo de embargo ambiental ou de infração ambiental; (iii) houver indícios de fracionamento fraudulento da unidade econômica de exploração; (iv) houver conflito declarado ou registrado na Ouvidoria Agrária Nacional; ou (v) na ausência de indícios de ocupação ou de exploração anterior à data necessária.

Esse foi o ponto que gerou maior discussão em relação à MP antes mesmo de sua publicação. Críticos à medida temem que a ampliação leve ao aumento de casos de grilagem, sob o argumento de que a autodeclaração, até então restrita a pequenos imóveis rurais e especialmente a ocupações por pessoas de baixa renda, passa a abranger áreas maiores. Esse temor é agravado pelo fato de que a MP foi publicada logo após a divulgação de índices alarmantes de queimadas na região da Amazônia, prática comumente associada a grileiros que, após a falsificação de documentos, revendem as áreas abertas com a queimada para a prática de outras atividades, principalmente a pecuária.

  • Dispensa de anuência dos confrontantes para retificação de área. A MP também alterou a Lei de Registros Públicos, ao prever a dispensa de assinatura dos confrontantes do imóvel rural cuja descrição se pretende retificar perante o Cartório de Registro de Imóveis. Tal formalidade não será mais exigida nos casos em que o requerente tiver concluído o georreferenciamento do imóvel (forma de agrimensura utilizada para medir e descrever imóveis rurais com base nas coordenadas dos vértices, apuradas com o auxílio de GPS e coordenadas magnéticas, via satélite).

Graças a outra alteração feita pela Lei Federal nº 13.838/19 na Lei de Registros Públicos, a realização do georreferenciamento de imóveis rurais – necessária para processos de desmembramento, parcelamento, remembramento e transferência de imóveis rurais – já podia ser realizada com dispensa da anuência dos confrontantes, suprida por declaração do próprio requerente de que respeitou os limites e confrontações. Sobre esse tema, já explorado em artigo publicado neste Portal, reitera-se a preocupação com a segurança jurídica do procedimento que agora é flexibilizado, pois há margem para questionamentos futuros de vizinhos que se sintam prejudicados.

Principais impactos

Essa flexibilização deve acelerar os processos administrativos relacionados ao tema, mas isso pode vir ao custo do questionamento da segurança jurídica dos procedimentos registrais para abertura e atualização de matrículas imobiliárias nos Cartórios de Registro de Imóveis, pois eles agora devem ocorrer sem a documentação completa e verificação exaustiva.

É cedo para afirmar que as alterações da MP serão necessariamente negativas ou positivas, mas é evidente a tentativa de desburocratização. Para avaliar os resultados efetivos da medida, será preciso acompanhar como ela será aplicada pelos órgãos da Administração Pública, se a MP será convertida em lei e, especialmente, se haverá aumento de ações de desconstituição e retificação de registros públicos.

Enquanto isso, recomenda-se que a aquisição de direitos sobre imóveis rurais seja precedida de cuidadosa diligência jurídica e técnica, para minimizar riscos de procedimentos de autodeclaração ou retificação de divisas que possam afetar o exercício dos direitos pretendidos.

Para que seja convertida em lei e passe a ter efeitos definitivos, a MP deverá ser apreciada e aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias de sua publicação, ou seja, até 8 de abril deste ano.