Nas ações judiciais que têm como objeto imóveis rurais, a Lei de Registros Públicos (art. 225, §3º) determina que os juízes exijam a identificação precisa das características, da confrontação e da localização do imóvel pelas partes, o que é conhecido como georreferenciamento. Essa técnica moderna de agrimensura considera as coordenadas dos vértices, medidos com o auxílio de GPS e as coordenadas magnéticas, via satélite (UTM), para precisar a área, o formato e a localização de um imóvel rural.

Do ponto de vista jurídico, para que um imóvel rural seja considerado georreferenciado, não basta o mero cumprimento dos requisitos técnicos de levantamento de pontos e medidas, quais sejam: (i) o levantamento técnico em campo feito por profissional habilitado com o auxílio de GPS; (ii) a elaboração do memorial descritivo; e (iii) o pagamento da respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

O imóvel rural apenas será considerado georreferenciado quando seu memorial descritivo estiver certificado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e averbado na matrícula do imóvel no Ofício de Registro de Imóveis competente. O que garante a segurança do sistema é justamente a certificação do Incra, pois compete ao órgão verificar se existe sobreposição de áreas entre o imóvel que se busca certificar e outros imóveis rurais já certificados ou em processo de certificação. O objetivo é evitar a emissão de títulos distintos para uma mesma superfície territorial (matrículas em duplicidade).

A exigência do georreferenciamento foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei Federal nº 10.267/2001. O objetivo foi tentar garantir maior segurança jurídica à propriedade rural, padronizando os parâmetros técnicos e objetivos para identificar, caracterizar e localizar os imóveis rurais. Esses parâmetros estão de acordo com o princípio registral da especialidade objetiva. Eles evitam descrições e caracterizações precárias, que impediam a correta verificação da localização do imóvel, e isso ajuda a reduzir os problemas fundiários brasileiros. De acordo com a legislação atualmente em vigor, todos os imóveis rurais com área igual ou superior a 100 ha, obrigatoriamente, precisam ter sido georreferenciados.

Para forçar o cumprimento dessa obrigação, a lei prevê o georreferenciamento como requisito essencial em dois momentos: (i) perante o Ofício de Registro de Imóveis nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação que implique a transferência voluntária de imóveis rurais, respeitados os prazos legais de exigibilidade (carência); e (ii) perante o Poder Judiciário, nos casos de ações judiciais que tenham imóveis rurais como objeto principal.

A observância obrigatória desse dispositivo legal pelo Judiciário é essencial para evitar decisões judiciais que, embora transitadas em julgado, não produzam efeitos práticos do ponto de vista registral imobiliário. Isso ocorre porque a descrição georreferenciada do imóvel rural é pressuposto objetivo para o processo decisório. Pode-se dizer que a decisão judicial que deixa de observar a área georreferenciada não se refere, necessariamente, ao mesmo imóvel rural e, por isso, deve ser revista.

Um exemplo: se houver sentença judicial favorável a uma usucapião de imóvel rural, mas o memorial descritivo georreferenciado e a certificação do Incra deixarem de ser exigidos e apresentados nos autos da ação, a sentença não poderá ser registrada na matrícula do imóvel. Com respaldo legal, caberá ao Oficial do Registro de Imóveis exigir que seja feito o georreferenciamento daquele imóvel antes do registro da sentença ou, até mesmo, que uma nova decisão seja proferida para, então, ser objeto de registro.

Isso, infelizmente, nem sempre é algo simples. Na tentativa de certificar o memorial descritivo de um imóvel rural no Incra, não raro se descobre que parte daquela mesma superfície territorial já é objeto de outra certificação em andamento e que há sobreposição de áreas entre as poligonais. Quando ocorre essa situação, é essencial abrir um processo administrativo no Incra para apurar a sobreposição. Isso pode levar à conclusão de que a certificação pretendida não é legítima. Se isso tivesse ocorrido no exemplo citado, o autor da usucapião não se tornaria proprietário do imóvel usucapido, mesmo sendo titular de uma decisão judicial transitada em julgado.

Por todo o exposto, é recomendável fazer o georreferenciamento de imóveis rurais, ainda que o prazo legal de sua exigibilidade, de acordo a área territorial, não tenha expirado, para evitar discussões muito comuns de sobreposição de áreas durante processos de georreferenciamento. Deve-se destacar que os prazos de carência para realizar o georreferenciamento com base na área do imóvel não se aplicam às ações judiciais propostas a partir de 31 de outubro de 2005.

É importante destacar que nem toda ação judicial que verse sobre imóvel rural tem como requisito processual a comprovação do georreferenciamento do imóvel para validar a decisão. Essa exigência será aplicável apenas às ações judiciais em que o imóvel rural seja o cerne da ação e que resultem na criação ou modificação de direitos reais relativos ao imóvel ou em alterações da sua situação registral. Ações judiciais que versem, por exemplo, sobre a posse de imóveis rurais (como reintegração de posse) não estão incluídas nesse rol. Por outro lado, ações de usucapião, retificação judicial de registro, desapropriação, constituição de servidão administrativa, divisão e demarcação precisarão necessariamente observar essa regra para garantir a segurança jurídica.

É pacífico o entendimento de que o georreferenciamento de imóveis rurais é essencial à resolução de boa parte dos problemas fundiários brasileiros. Para se alcançar esse objetivo tão almejado, porém, é necessário que todos os agentes envolvidos, inclusive o Poder Judiciário, observem o regramento aplicável, evitando decisões judiciais que desrespeitem as regras registrais.

A não exigência da comprovação do georreferenciamento de imóveis rurais abre espaço para a legitimação jurídica da grilagem de terras, com a prolação de sentenças que determinam a mudança da situação registral de um imóvel sem se ter segurança sobre qual é a superfície de terra efetivamente afetada por tal decisão.