A Medida Provisória nº 992/20, publicada em 16 de julho, dispõe, entre outros temas, sobre a possibilidade de compartilhar uma única alienação fiduciária de bem imóvel como garantia para mais de um contrato de abertura de operações financeiras no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

A novidade decorre da inclusão de determinados dispositivos na atual Lei nº 13.476/17, que trata principalmente dos contratos de limite de crédito, e visa a facilitar a contratação de novos empréstimos sem riscos adicionais às instituições financeiras, ao permitir o compartilhamento da garantia sobre o imóvel.

Embora as inclusões tenham sido feitas na legislação relativa aos contratos de limite de crédito, os novos dispositivos não têm redação clara no sentido de restringir sua aplicação a esses contratos. Pelo contrário, a MP indica que o compartilhamento pode ser feito para “novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza”, desde que tais operações estejam compreendidas no Sistema Financeiro Nacional. Em razão disso, o escopo de aplicação das novas disposições pode vir a ser objeto de discussão e, idealmente, deverá ser esclarecido quando da conversão da MP em lei.

Sem prejuízo dessa discussão, poderão ser beneficiadas pela MP as pessoas físicas e jurídicas que tenham operações de crédito contratadas garantidas por alienações fiduciárias de bem imóvel com determinados credores (as operações originais) e que desejem celebrar novas operações de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional com os mesmos credores, utilizando-se do mesmo bem como garantia (as operações derivadas). Se pessoa física, o interessado somente poderá fazê-lo em benefício próprio ou de sua entidade familiar, declarando tal informação em contrato.

Para que seja averbado na matrícula do imóvel como operação derivada nos termos da MP 992/20, o novo contrato deverá, necessariamente, conter determinados elementos, a exemplo do que já acontecia para as operações originais de crédito regidas pela Lei nº 9.514/97. O valor principal da nova operação, a taxa de juros e encargos incidentes, o prazo e as condições de reposição do crédito do credor, a declaração a respeito da utilização em seu próprio benefício ou de sua entidade familiar (caso pessoa física), o prazo de carência para constituição em mora, a declaração no sentido de que o imóvel poderá ser utilizado livremente pelo devedor enquanto adimplente com as obrigações e os requisitos de que trata o art. 27 da Lei nº 9.514/97, todos, são requisitos essenciais do contrato e deverão estar expressamente previstos.

Entre os requisitos, é importante mencionar com destaque que, além das exigências acima apontadas, deverá constar no contrato cláusula com previsão de que a falta de pagamento de quaisquer obrigações das operações de crédito garantidas pela mesma alienação fiduciária de imóvel (tanto para operações originais como para derivadas) permitirá que o credor dê por vencidas antecipadamente todas as obrigações garantidas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária. Isso significa dizer que as alterações introduzidas na Lei nº 13.476/17 pela MP 992/20 permitem a inclusão automática do vencimento cruzado como evento de vencimento antecipado em operações financeiras realizadas anteriormente com o mesmo credor, mesmo sem o manejo de alterações contratuais específicas à operação original.

Outra inclusão relevante é a previsão específica de que, para fins de compartilhamento de garantias, não se aplicam as disposições relativas à quitação automática de dívida quando o produto resultante da excussão não é suficiente para quitar a dívida, exceção feita às operações com natureza de financiamento imobiliário habitacional. Esse ponto é, certamente, um dos que mais geram discussão quando da eleição da alienação fiduciária de imóveis em garantia de operações, especialmente quando comparada à alternativa de constituição de uma hipoteca, que não tem a mesma restrição.

Assim, as importantes alterações introduzidas na legislação certamente ampliam o acesso a crédito, além de diminuir a exposição dos credores a riscos e tornar mais dinâmica a atualização de garantias para novos empréstimos. Antes, a utilização do mesmo bem imóvel como garantia para uma nova operação de crédito dependia do desfazimento e refazimento da garantia original, com consequentes cancelamentos e novos registros imobiliários.

Ainda que o alcance esteja limitado ao Sistema Financeiro Nacional, a inovação trazida pela MP 992/20 poderá incentivar as discussões sobre alterações legislativas para permitir ampliar essas disposições para a constituição de alienação fiduciária imobiliária em garantia de outros tipos de financiamentos. A MP 992/20 ainda deverá ser submetida ao Legislativo para poder ser convertida em lei. Nesse processo, alterações a esse regime jurídico podem ser implementadas.