A Lei Federal nº 13.476/17, publicada em 29 de agosto, poderá ter grande impacto na relação entre os credores e devedores inadimplentes quando houver excussão do bem garantido por alienação fiduciária. Resultado da conversão da Medida Provisória nº 775/15, a nova lei alterou regras da Lei Federal nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e instituiu a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis no Brasil (AFG).

Em seu artigo 9º, a Lei 13.476 é taxativa em excluir a aplicabilidade dos parágrafos 5º e 6º do art. 27 da Lei nº 9.514 nos casos de imóveis dados em garantia em operações decorrentes de contratos de abertura de limite de crédito. Com isso, na excussão da AFG em operações decorrentes de tais contratos, caso o valor levantado após o segundo leilão do imóvel não seja suficiente para quitar a dívida garantida, o devedor continuará obrigado ao pagamento do saldo devedor remanescente.

O contrato de abertura de limite de crédito é um negócio em que não há somente um desembolso vinculado a determinado empréstimo/financiamento, como ocorre em um financiamento imobiliário habitacional convencional. Os desembolsos se dão por meio de liberações (referidas na Lei 13.476 como “operações derivadas”) que são feitas pelo credor quando, e caso, solicitadas pelo devedor. O devedor tem um determinado valor de crédito pré-aprovado e decide se irá utilizá-lo em sua totalidade ou não. Ademais, devem ser respeitadas as condições estipuladas em contrato, mediante, por exemplo, a emissão de instrumentos (como cédulas de crédito bancário – CCBs) representativos de cada liberação de crédito sob a linha aberta, após a devida constituição de garantias, inclusive uma AFG.

Já o contrato de financiamento imobiliário comum pressupõe a liberação de um empréstimo por meio de um único desembolso ao devedor para que ele possa adquirir determinado imóvel. O valor liberado pela instituição financeira é usado como meio para quitar uma operação previamente acordada com um terceiro (uma compra e venda, por exemplo). Por outro lado, no contrato de limite de crédito, a AFG é dada como forma de garantir novas liberações, sem que elas sejam necessariamente atreladas à aquisição de um imóvel ou a um projeto específico previamente definido.

A AFG foi introduzida no país com foco no financiamento habitacional. Porém, a Lei Federal nº 10.931/04 ampliou o alcance da Lei nº 9.514 para as obrigações em geral, que passaram a poder ser garantidas também por meio de AFG. Por sua origem, portanto, a Lei nº 9.514 visava uma proteção aos adquirentes de imóveis para habitação, razão pela qual se sustentou a existência dos parágrafos 5º e 6º do art. 27, que protegem o devedor, em razão da garantia de quitação da totalidade de sua dívida, ainda que o valor levantado após o segundo leilão do imóvel não seja suficiente para quitá-la.

O debate sobre o alcance de aplicabilidade dos parágrafos 5º e 6º da Lei nº 9.514 não é recente. A questão foi rediscutida de forma mais direta e ampliada com a mudança introduzida ao Código Civil pela Lei nº 13.043/14, a qual definiu que a propriedade fiduciária em garantia de bens imóveis sujeita-se às regras gerais do penhor, da hipoteca e da anticrese. Incluem-se entre tais regras a responsabilidade do devedor pelo pagamento do saldo remanescente da dívida no caso de valor “insuficiente” levantado em leilão. Porém, a Lei nº 13.043 ressalvou que a legislação especial (por exemplo, a Lei nº 9.514) continuaria aplicável no que fosse específico, como na situação aqui discutida. Essa ressalva final de tratamento diferenciado no que for específico gerou conflito com a Lei nº 9.514, tendo em vista a possibilidade de manutenção da aplicação da referida lei devido a sua especificidade.

Assim, em razão da recente novidade trazida pela Lei nº 13.476 e sua expressa afirmação de aplicabilidade aos contratos de abertura de limite de crédito, somada ao conflito existente entre a Lei nº 9.514 e a Lei nº 13.043, ainda não é possível determinar se haverá eventual aplicação extensiva em casos cujo contrato de crédito e a respectiva alienação fiduciária decorram de instrumento distinto da abertura de limite de crédito.

Em nosso entendimento, as alterações da Lei nº 9.514 trazidas pela Lei nº 13.476 aplicam-se tão somente aos contratos de abertura de limite de crédito, não a outros tipos de contratos de financiamento. De todo modo, é importante avaliar o comportamento e a interpretação da nova norma pelos tribunais a fim de identificar o alcance prático da nova lei.