Ainda sem regulamentação no Brasil, o instituto da multipropriedade, também conhecido como time sharing ou propriedade fracionada, desafia as limitações do direito de propriedade tradicional. Ao possibilitar que diversos sujeitos compartilhem economicamente a propriedade de um mesmo imóvel, exercendo o seu direito em um período específico durante o ano, de forma exclusiva, cíclica e perpétua, a multipropriedade confere dinamismo aos empreendimentos imobiliários, viabiliza a manutenção dos investimentos no setor e evidencia a força da sharing economy (economia do compartilhamento) como tendência global.

Quatro projetos de lei em tramitação no Senado e na Câmara dos Deputados pretendem regrar a multipropriedade. O mais completo é o PL nº 54/2017, que contou com a colaboração do Secovi-SP e se propõe a estabelecer um regime jurídico específico para esse instituto. Ressalta-se que o projeto não altera o artigo 1.225 do Código Civil para elencar expressamente a multipropriedade no rol dos direitos reais existentes no Direito brasileiro. O texto assume como premissa que a natureza real é intrínseca ao instituto, tendo em vista que se trata de uma modalidade do direito de propriedade. Este também é o entendimento do STJ, que, em decisão recente, reconheceu a natureza real do direito dos multiproprietários.

Diferentemente da copropriedade tradicional, a multipropriedade consiste no compartilhamento da propriedade de um bem no tempo. Cada multiproprietário exerce o seu direito de forma plena e exclusiva, mas limitado a um período predeterminado e recorrente. A fração do imóvel de cada multiproprietário está conectada ao seu tempo exclusivo e não somente ao espaço físico do bem. 

Nesse sentido, o PL nº 54/2017 propõe estabelecer três modalidades de organização das frações de tempo: (i) fixa, em que a quantidade de dias detida por cada multiproprietário é determinada e sempre no mesmo período de cada ano; (ii) flutuante, em que a determinação exata do período de utilização será periódica, porém conforme disponibilidade e procedimentos de reserva; e (iii) mista, em que parte do tempo será fixa e parte flutuante, sendo que, em qualquer caso, o período correspondente a cada fração de tempo será de, no mínimo, sete dias.

Considerando que, de acordo com o projeto de lei, a multipropriedade exigiria a instituição formal de um condomínio entre os multiproprietários, a convenção de condomínio seria o documento hábil a regrar a relação entre eles, especialmente os critérios para definir as datas do ano-calendário a que corresponderão os períodos objeto de cada fração do imóvel – seja qual for a modalidade de organização (fixa, flutuante ou mista) – e as condições de utilização, manutenção e responsabilidade relativas aos equipamentos e mobiliários que guarnecem o imóvel compartilhado.

O PL nº 54/2017 evidencia ainda outras diferenças entre a copropriedade tradicional e a multipropriedade, pois afasta, como regra geral, o direito de preferência entre os multiproprietários de um mesmo imóvel. Tal direito só existirá, na aquisição da fração de tempo dos demais, se tiver sido previsto no título constitutivo da multipropriedade ou na convenção de condomínio. Outra distinção feita no PL é a limitação da faculdade de uso e gozo do imóvel pelos multiproprietários, uma vez que eles não têm permissão de realizar modificações nos equipamentos, mobiliários e instalações.

Além da criação do regime aplicável à multipropriedade, o PL prevê a alteração da Lei de Registros Públicos para que passe a prever a criação de uma ficha auxiliar à matrícula dos imóveis objeto de multipropriedade, na qual seriam incluídas todas as informações relativas aos titulares de cada fração e as regras estabelecidas na convenção de condomínio para o revezamento da propriedade. 

A multipropriedade já é uma realidade no Brasil, especialmente em empreendimentos imobiliários de hotelaria e lazer. Porém, ante a ausência de regulamentação específica, os empreendedores utilizam estruturas jurídicas diversas, as quais, a priori, não garantem às partes direitos e obrigações compatíveis com o tipo de investimento realizado, o que gera insegurança jurídica. Formalmente, o que os investidores e consumidores desse tipo de produto adquirem é um direito meramente obrigacional, que não é oponível a terceiros.

Se o fim a que se destina a multipropriedade imobiliária é a aquisição da fração de um imóvel, ainda que relacionada ao tempo, é imprescindível que o multiproprietário possa usar, gozar, fruir e dispor de sua fração, e reavê-la de quem injustamente a detenha, valendo-se, portanto, de todos os atributos de efetivo proprietário. A clareza a respeito da natureza das relações criadas com base na multipropriedade desoneraria o empreendedor, pois tornaria as obrigações assumidas pelos multiproprietários oponíveis perante terceiros. A exemplo de tais obrigações destaca-se a responsabilidade pelo pagamento do IPTU e despesas condominiais de forma proporcional à fração do imóvel. 

É inegável que o regime proposto pelo PL 54/2017 ensejará desafios práticos, especialmente quanto à adequação do sistema registral e à administração dos empreendimentos com propriedade fracionada. Essa proposta de regulamentação surge em um momento extremamente oportuno, em que a economia do compartilhamento dá novo sentido às relações de propriedade e de utilização de bens e serviços em geral. Nesse contexto, a segurança jurídica decorrente da regulamentação pode ser fator decisivo para firmar esse instituto como alternativa de investimento no mercado imobiliário.