Com entrada em vigor prevista para 2 de março de 2022, a Resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM) 90/21 regulamenta os artigos 43 e 44 do Regulamento do Código de Mineração, estabelecendo os casos em que concessões de lavra e manifestos de minas podem ser oferecidos como garantia em operações destinadas a captar recursos para financiar as atividades de mineração.

A nova resolução, que é fruto de contribuições feitas por especialistas do setor, companhias e outros interessados à consulta pública ocorrida no segundo semestre de 2020, também estabelece os requisitos e condições para que ocorra a transferência da titularidade desses direitos.

Há tempos o assunto vinha sendo objeto de debates. A possibilidade de outorga de direitos minerários como garantia para operações financeiras é um pleito antigo do setor. Até a publicação da nova resolução, a oneração de títulos minerários era regulamentada pelo Parecer JT-05, vinculante a toda a Administração Federal por força de sua aprovação presidencial.

Em linhas gerais, o parecer aborda exclusivamente a constituição de penhor e conclui que a oneração seria aplicada somente às concessões de lavra. Estabelece, ainda, que o Conselho de Defesa Nacional teria competência para dar autorização prévia para averbação na ANM, no caso de concessões de lavra situadas em faixas de fronteira. Dada a natureza precária do parecer vinculante, único instrumento que regulava o assunto, a ausência de uma regulação setorial gerava insegurança jurídica para financiadores, companhias e para a própria ANM.

O assunto passou a ser novamente alvo de destaque com a tentativa de reforma do Código de Mineração, empreendida pelo governo do ex-presidente Michel Temer em 2017, por meio da Medida Provisória 790/17, que perdeu sua vigência após o transcurso de 120 dias sem aprovação pelo Congresso Nacional. O tema foi posteriormente incluído na reforma do Regulamento do Código de Mineração, concluída em 2018 com a publicação do Decreto 9.406/18, que estabeleceu a possibilidade da oferta da concessão de lavra para fins de financiamento e dispôs que as hipóteses para esse caso seriam estabelecidas por meio de resoluções da ANM.

Principais novidades

A Resolução ANM 90/21 apresentou importantes avanços e esclarecimentos, tais como:

  • A possibilidade de onerar manifestos de mina como garantia minerária, desde que constituída por meio de instrumento público;
  • A definição das operações de financiamento que poderão ser garantidas pela oneração de direitos minerários como operações de captação de recursos, sob qualquer modalidade jurídica, para o financiamento de empreendimentos minerários, sua instalação, expansão ou regularização, inclusive operações de crédito no âmbito do sistema financeiro nacional, assim como demais operações estruturadas de financiamento de projetos;
  • A definição de que a constituição de garantias de direitos minerários se dá por meio da averbação, na ANM, dos respectivos instrumentos público ou privado, conforme o caso, celebrados entre a concessionária e a instituição financeira. Esses instrumentos contratuais são considerados sigilosos e não devem ter seu acesso liberado ao público no Sistema Eletrônico de Informações (SEI). Qualquer terceiro, entretanto, poderá requerer certidão do gravame, que deverá informar o valor do crédito, o prazo para pagamento, a taxa de juros, a finalidade da operação, os nomes da instituição financiadora, do devedor e do titular da garantia, além da data de averbação e da respectiva baixa;
  • A obrigação de a ANM manter plataforma de consulta pública por meio da qual os interessados poderão consultar a existência de garantias minerárias constituídas;
  • O esclarecimento de que, durante o período de vigência da garantia de direitos minerários:
  • os titulares de direitos minerários não poderão renunciar ao título minerário ou arrendá-lo total ou parcialmente sem a expressa anuência do credor;
  • os titulares dos títulos minerários continuarão responsáveis pelo cumprimento das obrigações inerentes ao título minerário e pela prática de todos os atos necessários à sua regularidade e manutenção, incluindo a possibilidade de caducidade do direito de lavra;
  • não se admitirá a prática de qualquer ato ou medida, previsto ou não em contrato, que venha a comprometer ou embaraçar a operacionalização e a continuidade das atividades de aproveitamento de recursos minerais autorizadas pelo poder concedente no título minerário. A instituição financeira, entretanto, poderá praticar atos processuais em caráter excepcional para evitar o perecimento do direito minerário dado em garantia, inclusive no período entre a alienação judicial ou amigável do direito dado em garantia e a averbação, na ANM, da transferência de sua titularidade.
  • A efetiva transferência de titularidade do direito minerário dado em garantia e alvo de execução judicial ou venda amigável somente se aperfeiçoará com a anuência prévia e a averbação da alienação na ANM. A aquisição poderá ser realizada apenas por quem estiver apto a ser titular de direitos minerários, preenchendo os requisitos estabelecidos na Constituição Federal e no Código de Mineração.

A nova norma prevê, além dos itens acima, que os requerimentos para constituir garantia sobre direitos minerários deverão apresentar o valor da dívida, seu prazo de pagamento, a taxa de juros, as informações do direito minerário onerado e a finalidade da operação de financiamento, recepcionando os critérios para a eficácia do penhor previstos no artigo 1.424 da Lei 10.406/02 (o Código Civil).

A Resolução ANM 90/21 estabeleceu o direito de a instituição financiadora acessar, no âmbito do direito minerário onerado e durante todo o período de vigência da garantia, mediante prévia solicitação da instituição financeira à ANM, as informações entregues à ANM pelo concessionário sobre:

  • sua segurança e integridade;
  • seu recolhimento de receitas públicas;
  • sua pesquisa mineral; e
  • seu aproveitamento e produção mineral.

Ao impedir a prática de qualquer ato ou medida que comprometa ou embarace a operacionalização e a continuidade das atividades de mineração autorizadas pelo poder concedente no título minerário, a nova norma se aproximou das regras praticadas no mercado de óleo e gás que, por meio da Resolução ANP 785/19, vedam a influência do credor sobre a gestão ou execução do objeto alvo da concessão.

Embora a Resolução ANM 90/21 tenha definido que os recursos sejam destinados a empreendimentos minerários, não há restrição no sentido de que recursos advindos dos financiamentos sejam revertidos ao próprio título minerário onerado pela garantia. Com isso, abre-se caminho para que, apoiados pela maior segurança jurídica trazida pela resolução, novos fluxos de capitais sejam direcionados ao setor.

Expectativas do mercado

A Resolução ANM 90/21 não abordou a possibilidade da constituição de garantias de natureza fiduciária sobre direitos minerários. Ainda que garantias dessa natureza façam parte do conjunto de garantias estruturadas para operações de financiamento de projetos, sua aplicação na garantia sobre direitos minerários continua a ser motivo de divergência entre especialistas e atores do setor.

Também não foi abordada pela Resolução ANM 90/21 a possibilidade de constituição de garantias sobre alvarás de pesquisa mineral. A medida seria especialmente relevante para o fomento de empresas menores, envolvidas em projetos ainda em estágios iniciais (as chamadas “junior companies”) e que normalmente enfrentam maiores restrições para acessar modalidades tradicionais de crédito.