Maria Fernanda Soares e Victor Hugo Machado

No apagar das luzes de 2020, em 28 de dezembro, a Agência Reguladora dos Serviços Públicos do estado de São Paulo (Arsesp) publicou a Deliberação nº 1.105/20, que estabelece as condições e os critérios para a troca de gás natural e biometano (swap) entre as redes de distribuição de gás canalizado no estado.

Conforme a Agenda Regulatória da Arsesp, a regulação do swap entre as distribuidoras tinha previsão de conclusão no segundo semestre de 2019. Após diversas manifestações de entes privados e públicos na Consulta Pública Arsesp nº 17/19 (CP 17/19), o texto da deliberação foi considerado concluído e publicado.

A Nota Técnica Arsesp G 11/19 (NT 11/19), da CP 17/19, divide a troca de gás em dois tipos principais: comercial e operacional. A NT 11/19 explica que: “O swap comercial é um serviço puramente comercial, definido em acordos contratuais nos quais existem transações financeiras geradas por ativos de infraestrutura (redes) diferentes e sem interconexão física. [...] Já o swap do tipo operacional se diferencia do swap comercial por haver ativos de infraestrutura comuns ou interconectados fisicamente entre as partes envolvidas. Este tipo de swap permite, por exemplo, que a entrega de gás seja feita de forma virtual em contrafluxo (backhaul), onde um usuário contrata a molécula de um fornecedor que se encontra a jusante do fluxo da rede que os interconecta.”

Segundo o artigo 2°, XXVIII, da Deliberação Arsesp nº 1.105/20, a troca operacional de gás ou swap é definida como “uso do sistema de distribuição, no qual os fluxos físicos e contratuais diferem, no todo ou em parte, contribuindo para a operação eficiente do sistema de distribuição”, conceito bastante similar ao adotado pela ANP para a troca operacional de gás no sistema de transporte, previsto na Resolução ANP nº 11/16.

A deliberação vem na esteira da expansão do Mercado Livre do Gás Natural no estado de São Paulo e decorre de particularidades do mercado de gás local. Após a reestruturação dos anos 1990, com a desestatização dos serviços de distribuição de gás canalizado, a infraestrutura dessa atividade começou a ser administrada pelas três novas concessionárias – GBD, Comgás e GNSPS – cada uma com capacidade de movimentação de molécula e tamanho de infraestrutura diferentes. Assim, a regulação do swap foi considerada útil pela Arsesp para viabilizar a expansão da utilização de capacidade da infraestrutura de distribuição.

A estrutura da deliberação se reveste de aspectos majoritariamente práticos. A única disposição principiológica do procedimento é apresentada no artigo 3°, sobre o “princípio do acesso não discriminatório de terceiros aos sistemas de distribuição das concessionárias”.

A partir desse ponto, a deliberação pode ser assim resumida: (i) explanação do procedimento; (ii) possibilidade de interconexão operacional de gasodutos de distribuição entre as áreas de concessão distintas; (iii) solicitação pública coordenada para troca de gás; e (iv) possibilidade de cessão de capacidade contratada nos gasodutos de transporte.

Procedimento

Nos artigos 4°ao 6°, é apresentado o procedimento regulado para a troca de gás. Ele tem início com a apresentação da “Carta de intenção do uso do sistema de distribuição para swap” às concessionárias. No prazo máximo de 30 dias, as concessionárias devem apresentar sua resposta em um documento chamado “Proposta de swap” ou recusar-se a atender a troca de gás, com base em parâmetros técnicos e econômicos, além de apresentar possíveis alternativas para viabilizar a atividade.

A resposta apresentada deve ser enviada à Arsesp, no máximo, 15 dias após o envio aos interessados. A agência calculará, caso a caso, a tarifa de swap aplicável aos interessados, desencadeando as negociações oriundas da proposta de swap.

Após as negociações, as concessionárias devem apresentar o “Contrato de uso da rede de distribuição para troca de gás”, em conformidade com o artigo 5° da deliberação. A seguir, será publicada a tarifa de swap aplicada, acompanhada das características da troca de gás, por meio de deliberação específica da Arsesp.

 

Interconexão

Nos artigos 7° e 8°, a deliberação dispõe sobre a interconexão dos gasodutos de distribuição entre as áreas de concessão para viabilizar a troca de gás, visando eliminar as barreiras de contratação e impulsionar o uso das capacidades de distribuição.

Para tanto, as concessionárias devem apresentar um “Acordo de interconexão” à Arsesp contendo as tarifas de distribuição aplicáveis e outros termos e condições relacionadas ao acesso de terceiros ao sistema de distribuição. Tal acordo depende de uma análise da Arsesp sobre a viabilidade da interconexão, com base na fundamentação econômico-financeira apresentada pelos interessados. Quaisquer conflitos concernentes a essas interconexões seriam mediados pela agência reguladora.

Solicitação pública coordenada

No artigo 9°, é apresentada a possibilidade de a Arsesp requisitar às concessionárias a realização de um processo de “Solicitação pública coordenada de propostas para troca de gás”, com a condição de que diversos usuários livres e/ou parcialmente livres demonstrem a intenção de realizar swap.

Esse é um procedimento feito pelas concessionárias, com garantia de acesso a todos os usuários livres, usuários parcialmente livres, produtores, autoprodutores, autoimportadores, comercializadores, ou potenciais Interessados. Seu intuito é verificar possibilidades de troca de gás por meio da contratação da capacidade de distribuição.

A solicitação parece seguir os moldes de uma chamada pública, em que um edital divulgado pela imprensa apresentaria os requisitos para manifestação de interesse. Ele também conteria a capacidade disponível dos sistemas de distribuição, acompanhada dos fluxos físicos e características técnicas e operacionais do sistema e das principais condições comerciais do futuro “Contrato de uso da rede de distribuição para troca de gás”.

Essa solicitação visaria detectar não só possibilidades de troca de gás no estado, mas também a possibilidade de interconexão de gasodutos de distribuição em áreas de concessão distintas. O processo de solicitação deve ser realizado de modo coordenado pelas três concessionárias. Após a conclusão, as concessionárias deverão gerar um banco de dados de usuários interessados na troca de gás e, a partir das informações extraídas desse banco, apresentar a proposta de swap a quem manifestar interesse.

Cessão de capacidade

No artigo 10, é regulada a transferência da capacidade contratada de transporte das concessionárias nos gasodutos de transporte, mantendo-se os direitos contratuais com o transportador com o qual elas tenham contrato de serviço de transporte firme vigente. Esse dispositivo visaria viabilizar a troca de gás entre áreas distintas, por meio de gasoduto de transporte, respeitadas as regras da ANP.

Possíveis impactos

Tendo em vista o ineditismo e o caráter recente da deliberação, resta aguardar a conclusão de seus efeitos práticos para o mercado. Na consulta pública que originou a deliberação, diversos entes do setor do gás haviam se manifestado contra a regulamentação. Aspectos de sobreposição entre a regulação estadual e federal, no que diz respeito aos sistemas de transporte, por exemplo, chegaram a ser suscitados como pontos relevantes de preocupação por importantes agentes do setor.