A edição de uma nova versão da MP do Saneamento marcou a transição entre governos no plano federal na virada deste ano. A primeira versão da norma havia perdido a vigência em razão do decurso do prazo sem a aprovação tempestiva da lei de conversão. Apesar das dificuldades de aprovação no Poder Legislativo, a nova MP replica o texto anterior com algumas alterações relevantes. As novidades sinalizam um reforço no viés promotor da participação privada no setor e na iniciativa do governo federal de prestar apoio financeiro e técnico aos estados e municípios para projetos de saneamento básico.

Passou de três anos para um ano o prazo para entrar em vigor o mecanismo de competividade entre a iniciativa privada e as companhias estaduais. Como consequência, foi reduzido o período para que as últimas se adaptem à realidade. Ainda, a submissão do projeto de delegação dos serviços à manifestação de interesse da iniciativa privada, que deverá preceder eventuais outorgas, sem concorrência, às companhias estaduais, contará, segundo a nova versão da MP, com as contribuições das entidades reguladoras e fiscalizadoras pertinentes, a serem ouvidas pelo titular dos serviços.

A MP detalhou as condições de publicidade do chamamento público para angariar interessados da iniciativa privada e ampliou o prazo para apresentação das propostas. Abriu-se, ainda, a possibilidade de outros municípios da mesma região aderirem ao chamamento e agirem conjuntamente. Nessa hipótese, a MP salienta a possibilidade de esses municípios se beneficiarem de recursos do fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e PPPs (Lei nº 13.529/2017) 

A possibilidade de cobrança de taxa ou tarifa dos serviços divisíveis de manejo de resíduos sólidos na fatura de consumo de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, prevista na MP anterior, foi estendida às faturas de outros serviços públicos na nova versão do texto. De um lado, a ampliação desse aspecto tornará mais viáveis arranjos jurídicos que oneram menos o Poder Público e sua capacidade de endividamento com projetos de PPP; de outro, poderá mitigar os riscos de inadimplemento pelos usuários, reduzindo o custo de prestação dos serviços.

A mensuração das taxas e tarifas do setor de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos poderá adotar como critérios o consumo de água e a frequência da coleta, além de requisitos já previstos, a saber: destinação adequada dos resíduos coletados, nível de renda da população atendida, caraterísticas do lote e área, e peso e volume médio coletado por habitante ou domicílio.

A fim de aprimorar as disposições sobre regulação, a inclusão, no instrumento contratual, das metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, redução de perdas na distribuição de água tratada, qualidade, eficiência e uso racional de água, energia e outros recursos naturais passou a ser condição de validade dos contratos de delegação dos serviços de saneamento para as companhias estaduais e iniciativa privada.

A busca por maior centralização da função regulatória também inspirou regra nova na MP, com a previsão de que a União defina os parâmetros mínimos de potabilidade da água. Por sua vez, permanecerá a cargo da entidade reguladora estabelecida pelo titular dos serviços a definição dos limites máximos de perda na distribuição de água tratada.

Os titulares dos serviços ficarão obrigados a destinar os recursos decorrentes de outorga onerosa aos fundos eventualmente constituídos para custear a universalização, de modo que eles só possam ser utilizados para outra finalidade após o atingimento de certas metas. Na versão anterior, o destino de recursos decorrentes de outorga onerosa a tais fundos era uma mera faculdade.

Entre as mudanças mais importantes, estão as que demonstram que a União oferecerá incentivos, suporte financeiro e apoio na estruturação dos projetos no setor de saneamento básico, reveladas mormente nas alterações introduzidas pela nova MP à Lei nº 13.529/2017. Sobre o primeiro aspecto, a União poderá conceder benefícios ou incentivos orçamentários, fiscais ou creditícios como contrapartida ao alcance de metas de desempenho operacional previamente estabelecidas.

Além disso, o fundo previsto na Lei nº 13.529/2017, que contará com a participação da União, antes tinha autorização legal apenas para apoiar a estruturação e o desenvolvimento de projetos de concessões e PPPs. Agora, passa a ter como objeto também o apoio à execução de obras de infraestrutura e o planejamento e o gerenciamento de ações de desenvolvimento urbano, com prioridade para as ações de saneamento básico.

O protagonismo com que o setor de saneamento básico tem sido tratado fica evidente no trecho da MP que estabelece que os recursos destinados à assistência técnica relativa a esses serviços serão segregados dos demais e não poderão ser destinados a outras finalidades do fundo. Conforme detalha a MP, entre as ações voltadas ao saneamento básico, serão alvo da assistência do referido fundo a elaboração de estudos, planos setoriais e projetos de engenharia, a elaboração e revisão de planos de saneamento básico e a avaliação, acreditação e gerenciamento de projetos e obras de infraestrutura.

Além disso, a participação da União no fundo, antes restrita ao máximo de R$ 180 milhões, passa a ser ilimitada. Ainda, a assistência aos entes pelo fundo não respeitará mais preferências: a destinação obrigatória de até 40% dos recursos do fundo aos projetos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste foi suprimida.

No mais, a MP delegou a previsão de regras para apoio financeiro ao estatuto do fundo e atualizou os recursos que podem compor o patrimônio do fundo, acrescentando (i) doações de qualquer natureza, inclusive de outros entes federativos, outros países, organismos internacionais e organismos multilaterais; (ii) reembolso de valores despendidos pelo agente administrador e pelas bonificações decorrentes da contratação dos serviços financiados; (iii) recursos derivados de alienação de bens e direitos, ou de publicações, material técnico, dados e informações; e (iv) outros recursos definidos em lei.

A nova MP aprimora, assim, o marco regulatório do saneamento básico, fortalecendo a busca de soluções para a implacável necessidade de apoio técnico e financeiro à maioria dos titulares dos serviços, bem como a urgência da participação privada no setor para que se cumpram as metas de universalização dos serviços.