Pouco mais de dois anos após a crise hídrica no Sudeste brasileiro, seus efeitos ainda repercutem nos instrumentos de concessão ou de programa vigentes no âmbito dos serviços públicos de saneamento básico. Mesmo com a normalização das estiagens, o nível do endividamento das concessionárias é inversamente resiliente ao volume dos reservatórios, o que leva a novas discussões nos processos de revisão tarifária conduzidos pelas agências reguladoras estaduais.

De modo geral, a crise hídrica configurou mudança substancial das circunstâncias materiais em que as concessionárias prestavam os serviços de saneamento, em razão tanto da redução forçada da demanda (menor disponibilidade de água) quanto do aumento do custo de produção da água e da necessidade de novos investimentos em processos mais complexos de captação e adução.

A conformação à conjuntura se deu por meio de projetos emblemáticos. Em Minas Gerais, por exemplo, a Copasa fez obras de captação no principal sistema aquífero de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o Paraopeba, além de novas perfurações de poços artesianos. Em São Paulo, a Sabesp interligou algumas represas do Sistema Cantareira (como a Jaguari com a Atibainha) e imprimiu novo ritmo ao Projeto São Lourenço, uma das parcerias público-privadas mais bem-sucedidas do setor em termos de financiabilidade. A implantação de barragens na bacia do PCJ, com financiamento de agências multilaterais, está em fase final de licenciamento ambiental e prestes a ser contratada.

Esse quadro revela não apenas um incremento das despesas correntes de prestação dos serviços, mas também, e sobretudo, uma alteração importante das premissas da remuneração (pay back/amortização, risco e custo de oportunidade) dos investidores e credores das concessionárias, uma vez que novas inversões (despesas de capital) tiveram de ser antecipadas ou realizadas além dos parâmetros incialmente concebidos e aprovados pelas agências reguladoras estaduais. Tais entidades geralmente definem uma Taxa de Remuneração Regulatória para estabelecer a metodologia de cálculo da recuperação dos custos e da captação de oportunidades do capital empregado na ampliação dos serviços.

No setor de saneamento, a Taxa de Remuneração de Regulatória deve considerar, por força de lei, fatores que, em geral, não são obrigatórios em outros segmentos regulados. Como taxa de desconto financeiro para o cálculo do valor presente líquido do contrato de concessão (ou, conforme o caso, de programa), a Taxa de Remuneração Regulatória é parâmetro necessário para promover a revisão tarifária, não mero reajuste. Ela está vinculada ao art. 46 da Lei nº 11.445/07, segundo o qual “em situação crítica de escassez ou contaminação de recursos hídricos que obrigue à adoção de racionamento, declarada pela autoridade gestora de recursos hídricos, o ente regulador poderá adotar mecanismos tarifários de contingência, com objetivo de cobrir custos adicionais decorrentes, garantindo o equilíbrio financeiro da prestação do serviço e a gestão da demanda”.

O decreto regulamentador (nº 7.217/2010) determina, ainda, que a regulação deverá contemplar um modelo tarifário que assegure não apenas a modicidade tarifária, mas também o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, competindo às agências definir “regime, estrutura e níveis tarifários, bem como procedimentos e prazos de sua fixação, reajuste e revisão”. Cabe às agências também assegurar a oitiva de titulares, usuários e prestadores de serviços, além de criar mecanismos de indução à eficiência, incluindo fatores de produtividade nos novos modelos tarifários.

Nos procedimentos de revisão tarifária, superada a etapa inicial de estabelecimento de critérios e métodos por meio dos quais se calculam os custos correntes da concessionária, passa-se à análise dos elementos que deverão compor a estrutura tarifária e a respectiva matriz de riscos, que parametriza a remuneração e possíveis incidentes atrelados à obtenção de retorno financeiro por parte dos respectivos acionistas e credores.

Como o custo de capital para cada fonte de financiamento é diferenciado, a maioria das revisões tarifárias no setor de saneamento utiliza como cálculo da média dos custos de capital próprio e de terceiros a metodologia WACC (Weighted Average Cost of Capital). Por essa metodologia, ponderam-se os custos de financiamento, conforme a estrutura de capital da empresa, ou seja, de acordo com as fontes de recursos financeiros empregados, não contemplando os efeitos fiscais. Consideram-se, nessa análise, principalmente, os seguintes aspectos: (i) remuneração do investimento realizado pelo prestador de serviço com recursos próprios, advindos tanto da geração de caixa quanto do aporte de novos recursos pelos acionistas (capital próprio), e (ii) recursos obtidos de fontes externas à empresa, por exemplo, empréstimos de instituições financeiras, emissão de debêntures, notas promissórias, entre outros direitos creditórios (capital de terceiros). Admite-se, por conseguinte, mais de uma Taxa de Remuneração Regulatória, específica para cada fonte de financiamento.

As grandes polêmicas concentram-se, como regra, na aferição do custo de capital próprio. Isso se deve ao fato de o capital de terceiros ainda advir sobretudo do mercado interno, no qual as taxas de juros (Selic, TJLP, TR e taxa preferencial) são direta ou indiretamente reguladas pelas autoridades monetárias, em especial o Banco Central. Desse modo, a quantificação do custo de capital é passível de metrificações ainda mais objetivas. No que se refere ao capital próprio, por outro lado, a Taxa de Remuneração Regulatória, conforme alguns precedentes no setor de saneamento, no âmbito das agências reguladoras estaduais, vem acompanhando o chamado Capital Asset Pricing Model (CAPM), pelo qual se procura estabelecer uma relação de equilíbrio entre o retorno esperado e o fator de risco, assumindo-se como parâmetros deste último a rentabilidade de um ativo livre, a rentabilidade da carteira de mercado e a sensibilidade dos ativos da empresa frente aos retornos do mercado.

O ativo livre de risco é desprovido da volatilidade dos retornos, ou seja, das incertezas quanto ao ganho futuro. Já a rentabilidade da carteira de mercado refere-se ao retorno esperado capaz de incentivar os investidores a aplicar no mercado de ações. Por fim, a sensibilidade dos ativos da empresa frente aos retornos de mercado é medida pelo coeficiente beta. Essa unidade de medida simboliza um risco sistemático de um ativo (risco de mercado), o qual reflete as possíveis e futuras oscilações do comportamento de variáveis macroeconômicas (inflação, crescimento da economia, crises externas, câmbio etc.) que afetam a concessionária.

O CAPM não introduz automaticamente, entretanto, o prêmio de risco setorial ou microeconômico, em atenção às especificidades do setor de saneamento em um determinado país ou região. A par das variáveis dos agregados, capturadas pelo coeficiente beta, o risco regulatório e agora, sobretudo, o risco de indisponibilidade hídrica, no Brasil e especialmente na Região Sudeste, deixam de ser adequadamente considerados no cálculo da Taxa de Remuneração Regulatória.

A desatenção de alguns reguladores quanto a esses últimos pontos levou, ainda que por período determinado, a uma indesejável perda de valor de mercado das companhias estaduais de saneamento básico que têm capital aberto e ações cotadas em bolsa de valores. Essas “punições” de mercado têm o agravante de aumentar o custo de capital próprio das concessionárias, na medida em que a percepção do risco regulatório aumenta de modo diretamente proporcional à insensibilidade de considerar e precificar, para o futuro, novas chances de indisponibilidade hídrica. O contingenciamento do caixa das concessionárias acaba sendo, nesse sentido, o único mecanismo de mitigação das consequências financeiras da materialização desses riscos, trazendo, ainda, um custo de carregamento implícito na estratégia empresarial.

Não se vê outra maneira de lidar com esse resultado, senão retroceder e admitir que os procedimentos de revisão tarifária devem compensar efetivamente a variação dos custos da execução do contrato, inclusive os custos de capital, tendo lugar no caso de evento imprevisível ou, como agora a indisponibilidade hídrica, para o Sudeste, evento previsível, mas de consequências incalculáveis.

Se a escolha pública é pela preservação da modicidade tarifária, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e de programa vigentes não terá solução senão por meio da instituição de subsídios estatais, os quais podem ser aportados mediante inúmeras alternativas de estruturação ou recontratação dos arranjos existentes, como a concessão comum subsidiada com arrimo no art. 17 da Lei nº 8.987/95 ou as parcerias público-privadas, disciplinadas pela Lei nº 11.079/04.

O procedimento revisional simboliza o comprometimento mútuo no campo das responsabilidades compartilhadas entre os atores públicos e privados no esforço por maior transparência e realismo a respeito dos desafios e das perspectivas na definição da tarifa. Nesse procedimento, o compromisso precípuo e recíproco deverá ser sempre com a diminuição do custo do capital das concessionárias e, por consequência, no mínimo, a preservação de seu valor de mercado, em atenção às exigências de financiabilidade e bancabilidade dos projetos novos ou em andamento.