A Resolução Normativa n° 846/2019 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), publicada em junho, traz mudanças relevantes para o regime de penalidades do setor elétrico que indicam uma preocupação concreta do governo brasileiro em viabilizar o ingresso do país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Ao aprovar os procedimentos, parâmetros e critérios para a imposição de penalidades aos agentes do setor de energia elétrica, a REN 846/2019 altera as disposições existentes na REN 063/2004, que dispunha sobre o mesmo tema. Conforme o artigo 49 da nova resolução, os dispositivos nela presentes entrarão em vigor seis meses após a data de sua publicação (18 de dezembro deste ano) – com exceção das regras referentes a parcelamento de débitos, que passaram a valer imediatamente.

A nova resolução é resultado de oito anos de discussão sobre possíveis revisões nos procedimentos e critérios de aplicação de penalidades aos agentes do setor elétrico e segue os princípios da OCDE contidos no documento “Recomendação do Conselho sobre Política Regulatória e Governança”, publicado nesse período.

Uma das inovações do texto são as diretrizes gerais contidas no art. 2°, que prevê a fiscalização para a educação e a orientação dos agentes do setor de energia elétrica. Tal mudança está de acordo com os conceitos da OCDE de regulação responsiva, a fim de que os benefícios econômicos, sociais e ambientais justifiquem os custos imputados aos agentes do sistema.

Da mesma forma, em linha com a terceira recomendação da OCDE, o art. 3° da REN 846/2019 confere um papel de destaque às superintendências de fiscalização no que se refere às competências de monitoramento, controle, prevenção de práticas ilegais e análise de desempenho e de riscos relacionadas à atuação dos agentes setoriais. Além disso, em seu art. 4°, a REN 846/2019 estipula planos de resultados aos agentes para melhoria de desempenho, o que demonstra o novo papel orientador que a Aneel pretende assumir.

Uma Aneel mais orientadora também pode ser identificada nas mudanças previstas no art. 5º da REN 846/19, que adiciona dois novos tipos de penalidades à lista existente na REN 063/2004: (i) a obrigação de fazer e (ii) a obrigação de não fazer, as quais buscam compensar ou corrigir atos que afetem consumidores e usuários, a fim de melhorar os serviços oferecidos pelos empreendimentos e orientar os agentes do setor elétrico a adotar as melhores condutas.

A esse respeito, conforme prescreve o art. 15 da REN 846/2019, a penalidade para as obrigações de fazer ou de não fazer deve: (i) ser compatível com as obrigações relacionadas às competências regulatória e fiscalizatória da Aneel; (ii) estar relacionada com a infração cometida, sendo vedada a determinação de prática ou abstenção de ato que não tenha qualquer relação com a conduta irregular apenada; e (iii) consistir em compensação direta aos consumidores ou usuários ou na adoção de medidas para melhoria do serviço atingido.

Outra inovação relacionada às penalidades está no art. 8º, que divide as infrações sujeitas a multa em cinco grupos – não mais em quatro, como faz a REN 063/2004 – de acordo com o tipo de infração cometida. Conforme o art. 21 da mesma resolução, os percentuais de cálculo variam de 0,125% a 2% da Receita Operacional Líquida (ROL), não mais da receita total da companhia, como prevê a REN 063/2004. Caso o agente infrator atue em mais de um dos segmentos de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica – e a infração possa ser associada a apenas um dos segmentos – a base de cálculo será a daquele no qual foi identificada a infração.

Em recente decisão da diretoria colegiada da Aneel (de relatoria do diretor Rodrigo Limp Nascimento),[1] nota-se que a REN 846/2019 sofrerá alteração em seu art. 21º – especificamente nos parágrafos 8º e 9º e com a inclusão de um 10º parágrafo – por meio da REN 852/2019, a ser publicada.

Essas alterações decorrem de um pleito formulado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que foi acolhido para determinar que a base de cálculo das multas relacionadas à gestão de fundos setoriais sejam os respectivos Custos Administrativos, Financeiros e Tributários (CAFT), e não todo o orçamento anual mais recente da entidade, como está previsto atualmente na REN 846/2019. Assim, uma vez publicada a REN 852/2019, a REN 846/2019 passará a incorporar essas alterações.

Além das mudanças destacadas acima, o art. 38 da REN 846/2019 corrobora os preceitos da OCDE de uma regulação menos punitiva e mais educadora, pois prevê redução de 25% no valor da multa aplicada, caso não seja apresentado recurso pelo infrator e o pagamento seja feito no prazo previsto.

Publicada no momento em que o Brasil pleiteia sua associação à OCDE, a REN 846/2019 é passo importante para a adequação do sistema regulatório brasileiro às recomendações da organização e sinal evidente de que o país está em busca de implantar os níveis mais elevados de regulação no setor elétrico brasileiro. Além de tornar esse segmento ainda mais atraente para investidores nacionais e internacionais, as novas regras também tendem a trazer benefícios sociais, por incentivarem o aprimoramento dos serviços de acordo com as demandas da sociedade, e representam impulso importante para o desenvolvimento contínuo do setor.


[1] Processo: 48500.003095/2009-55, 48500.006118/2009-83, 48500.007207/2009-47, 48500.000857/2008-81 e 48500.004650/2009-66.
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