Conhecida como marco regulatório dos fundos de investimento, entrou em vigor em 2 de outubro a Resolução CVM 175/22, que traz uma série de alterações importantes para a indústria de fundos.

Foram atualizadas as regras sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, assim como as regras relativas à prestação de serviços para os fundos, aplicáveis, de forma geral, a todos os tipos de fundos. As regras específicas para cada modalidade foram previstas em anexos normativos.

Ganharam destaque especial as reformas relacionadas aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e à criação da nova categoria de fundos de investimento financeiro – que substitui os fundos de investimento em ações, cambiais, multimercado e em renda fixa.

Entre as principais mudanças da resolução relativas às regras gerais de funcionamento dos fundos destacam-se:

  • a criação de regime de limitação de responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas, desde que expressamente previsto no regulamento do fundo;
  • a aplicação das regras de insolvência previstas nos artigos 955 a 965 do Código Civil, caso o fundo com limitação de responsabilidade não tenha patrimônio suficiente para responder por suas dívidas, desde que observados determinados procedimentos;
  • a criação de regime de limitação de responsabilidade dos prestadores de serviços, diante do fundo e entre si;
  • a possibilidade de criação de classes diferentes de cotas com direitos e obrigações distintos, incluindo classe de cotas com patrimônio segregado, que responderá por obrigações a ela vinculadas, nos termos do regulamento do respectivo fundo.[1]

Em 27 de setembro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução CVM 187/23 com o objetivo de alterar pontualmente o marco regulatório dos fundos de investimento para atender a solicitações de participantes do mercado. Na parte geral da norma, foram feitas alterações nos seguintes dispositivos:

  • Inclusão de nova exceção para permitir a cessão e transferência de titularidade de cotas de classe aberta na hipótese de transferência de administração ou portabilidade de planos de previdência. A mudança tem como objetivo contemplar situação que pode ocorrer nos fundos previdenciários (art. 16, VI);
  • Previsão do prazo de até 60 dias após a disponibilização das demonstrações financeiras aos cotistas para apreciação das demonstrações financeiras – aplicável para todas as categorias de fundo (art. 71); e
  • Inclusão da possibilidade de o custodiante também solicitar ao administrador a convocação de assembleia de cotistas (art. 73, § 1º).

Em relação aos anexos normativos, as principais alterações por tipo de fundo são:

  • FUNDOS DE INVESTIMENTO FINANCEIRO (FIF)
  • Ajuste pontual para menção de “Longo Prazo” na divulgação de operações omitidas de FIF (Anexo I, art. 22, § 4º, I);
  • Previsão de nova exceção para a aquisição de ações emitidas por partes relacionadas ao gestor em percentual superior a 20% do patrimônio líquido. Não entram nesse limite ações que integrem índice geral representativo das ações de maior negociabilidade no mercado brasileiro (Anexo I, art. 44, § 3º);
  • Alterações na regra geral relativa aos limites de exposição de FIF por modalidade de ativo, para restringir a exposição do patrimônio líquido do fundo a valores mobiliários representativos de dívida emitidos por companhia emissora não registrada na CVM (Anexo I, art. 45, I e III);
  • Ajuste de redação para esclarecer que nas classes restritas não existe limite de exposição a cotas de outros FIF (Anexo I, art. 75, § 2º); e
  • Alteração no conteúdo da lâmina de FIF (Suplemento B).

FUNDOS DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS (FIDC)

  • Alterações nas regras relacionadas à existência de subclasses de cotas subordinadas no FIDC (Anexo II, art. 8º), como:
  • permissão para que cotas seniores e subordinadas mezanino de classe fechada sejam emitidas em séries com índices referenciais diferentes e prazos diferenciados para amortização, permanecendo inalterados os demais direitos e obrigações;
  • proibição da subordinação entre diferentes subclasses de cotas subordinadas, sem impedir, contudo, a possibilidade de outras diferenciações entre direitos econômicos e políticos; e
  • obrigatoriedade de que o regulamento do fundo estabeleça a forma como as obrigações das cotas subordinadas serão cumpridas pelas diferentes subclasses de cotas subordinadas, se houver;
  • Flexibilização de regras para aquisição de créditos devidos por empresas em recuperação (Anexo II, art. 15, exclusão do inciso I do parágrafo único);
  • Ampliação da possibilidade de resgate de cotas seniores e mezanino em direitos creditórios e ativos financeiros líquidos para abarcar também a hipótese de liquidação antecipada destinada exclusivamente a investidores qualificados, desde que a possibilidade esteja prevista no regulamento. Nesse caso, o resgate poderá ocorrer independentemente de assembleia geral de cotistas (Anexo II, art. 17);
  • Previsão para que o regulamento possa permitir o voto dos prestadores de serviços da classe de cotas de que sejam titulares de cotas subordinadas, para contemplar a situação do Servicer (Anexo II, art. 28, § 2º);
  • Admissão da verificação de lastro por parte relacionada ao gestor do FIDC, subcontratado pelo próprio gestor, hipótese que antes estava proibida (Anexo II, art. 36, § 4º).

FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO (FII)

  • Possibilidade de que os FII possam dividir suas cotas em subclasses (isto é, cota de subclasse sênior, cota de subclasse subordinada mezanino e cota de subclasse subordinada), o que antes não era possível para esse tipo de fundo, que deveria ser constituído com classe única (Anexo III, art. 11, IV).

FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES (FIP)

  • Possibilidade de inclusão da contratação de terceiros para prestar serviços legais, fiscais, contábeis e de consultoria especializada como encargos específicos de FIP (Anexo IV, art. 28).

FUNDOS PREVIDENCIÁRIOS

  • Possibilidade de inclusão da taxa de estruturação e manutenção de planos de previdência e de seguros de pessoas como encargos específicos de Fundos Previdenciários (Anexo XI, novo art. 7º-A).

Ainda no dia 27 de setembro, a Superintendência de Supervisão de Investidores Institucionais (SIN) e a Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) divulgaram o Ofício Circular Conjunto CVM/SIN/SSE 2/23 com orientações adicionais direcionadas aos administradores e gestores de fundos de investimento.

O documento apresenta 20 respostas às dúvidas recebidas do mercado, divididas nos temas “Remuneração” e “Distribuição por conta e ordem”, que conta com os seguintes subtópicos:

  • Ausência de previsão da taxa máxima de distribuição para fundos sem esforço de venda;
  • Classes exclusivas;
  • Responsabilidade limitada;
  • Contratação do custodiante/escriturador no exterior;
  • Cobrança da taxa de performance na classe/subclasse;
  • Ferramentas de gestão de liquidez;
  • Processo operacional de adaptação dos fundos à Resolução CVM 175/22;
  • Marco regulatório dos fundos de investimento.

Além disso, na mesma data, foram divulgados esclarecimentos adicionais de cada uma dessas áreas técnicas, com a publicação de mais dois ofícios circulares, conforme detalhado a seguir.

A SSE publicou o Ofício Circular CVM/SSE 08/23 com orientações direcionadas aos administradores, gestores e custodiantes de FIDC, relacionadas aos temas abaixo:

  • obrigatoriedade de registro dos direitos creditórios que são passíveis de registro em entidades registradoras autorizadas pelo Banco Central do Brasil para o registro de ativos financeiros de que trata a Resolução do Conselho Monetário Nacional 4.593/17, com dispensa de contratação de custódia para tais direitos creditórios, bem como atribuições e responsabilidades do administrador relacionadas à contratação da registradora;
  • responsabilidade do gestor pela verificação do lastro dos direitos e títulos representativos de crédito para se certificar sobre a existência, integridade e titularidade do mesmo;
  • assunção das responsabilidades do custodiante pelo próprio administrador relacionadas à verificação da existência, integridade e titularidade do lastro dos direitos creditórios que ingressaram na carteira trimestralmente a título de substituição, assim como o lastro dos direitos creditórios vencidos e não pagos no mesmo período, caso os direitos creditórios sejam passíveis de registro em entidade registradora, já que, nesse caso, haverá dispensa de contratação de custódia para esses direitos creditórios.

A SIN publicou o Ofício Circular CVM/SIN 6/23 com orientações sobre diversos fundos – como FIF, FIP, Fundos de Índice e Fundos Previdenciários – direcionadas aos respectivos administradores, gestores e custodiantes. O documento traz dez respostas a perguntas específicas feitas por participantes do mercado sobre a interpretação do regulador sobre determinados dispositivos dos anexos normativos.

O regulador, portanto, aparou as arestas antes da entrada em vigor da nova regulamentação, fazendo certos ajustes pontuais necessários e esclarecendo dúvidas interpretativas. Essas orientações contribuem para trazer segurança jurídica e mitigar os riscos regulatórios envolvidos no processo de adaptação do setor.

Reforçamos que os fundos constituídos a partir da entrada em vigor da Resolução CVM 175/22 (2 de outubro) – devem necessariamente observar o novo marco regulatório dos fundos de investimento. Quanto aos fundos em estoque, o prazo para adaptação está previsto para 31 de dezembro de 2024, exceto em relação ao FIDC, cujo prazo se encerra em 1º de abril de 2024.

Recentemente, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) atualizou o Código de Administração e Gestão de Recursos (“Código”), bem como as Regras e Procedimentos relativas a tal Código, com o objetivo de adaptar a autorregulação à nova regulamentação de fundos editada pela CVM.

O documento tem natureza principiológica. Temas específicos poderão ser autorregulados pelo Fóruns de Representação de Mercados da ANBIMA por meio de regras e procedimentos.

Entre as novidades, a nova versão do Código inclui normas para fundos que investem no exterior, expansão das regras de sustentabilidade para FII e FIP e uma revisão na classificação dos FII. O Código também entrou em vigor em 2 de outubro.

Para saber mais sobre o tema, acesse nosso e-book:
Os detalhes da nova regulamentação da CVM sobre Fundos de Investimento.

Conheça outras orientações da CVM sobre o marco regulatório dos fundos de investimento nos artigos:

Marco regulatório dos fundos de investimento: novas orientações da CVM
CVM divulga anexos normativos de fundos de investimento
Marco regulatório dos fundos: novas orientações da CVM

 


[1] Atualmente não é permitida a constituição de classes de cotas que alterem o tratamento tributário aplicável em relação ao fundo ou às demais classes existentes. Isso acaba inviabilizando o uso dessa estrutura nas hipóteses em que as classes têm tratamento tributário diferente. O Projeto de Lei 2.130/23 busca alterar essa situação, para que cada classe (e não o fundo) seja considerada para fins tributários e de insolvência.