A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022 foi marcada por uma série de julgamentos importantes e com repercussão na esfera penal econômica.

Com a chegada de um novo ano, o STF retoma a pauta de discussão de casos penais de grande impacto na rotina de pessoas físicas e jurídicas no Brasil.

Alguns dos processos criminais a seguir estão entre mais aguardados para análise da Corte em 2023:

  1. Cooperação jurídica internacional em matéria penal para acesso a dados de internautas armazenados em provedores no exterior

A Ação Declaratória de Constitucionalidade 51 (ADC 51), proposta pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação, aborda o acesso a dados de internautas armazenados em provedores no exterior, assim como o procedimento determinado pelo Acordo de Assistência Jurídica em Matéria Penal firmado entre o Brasil e os EUA (MLAT – Decreto 3.810/01)

A importância do tema se deve à possibilidade proporcionada pelo acordo de solicitação de informações e dados considerados relevantes pelas autoridades brasileiras diretamente a provedores de conteúdo localizados no exterior.

O caso, que tem amplas repercussões práticas para a investigação de crimes cibernéticos no Brasil e conta com a participação de gigantes da tecnologia como Facebook e Yahoo como amici curiae, está em voto-vista com o ministro Alexandre de Moraes do STF desde outubro de 2022, mas deve retornar à pauta do plenário do STF em breve, segundo o ministro.

  1. Limites do sigilo telefônico em investigações policiais

Outro julgamento bastante esperado, inicialmente marcado para meados de 2022, é o do Agravo em Recurso Extraordinário 1.042.075 (ARE 1.042.075), que trata da possibilidade de acesso a material contido em aparelho eletrônico encontrado fortuitamente pela autoridade policial no local do crime.

Mais que isso, o julgamento também determina a licitude da prova coletada a partir desse aparelho, determinando se a realização de perícia nesse caso constituiria violação do sigilo das comunicações e do sigilo telefônico.

No meio corporativo, o caso tem repercussões expressivas e que extrapolam a esfera penal, partindo para aspectos relacionados à proteção de dados na coleta de evidências a partir de aparelhos eletrônicos de executivos de grandes empresas envolvidas em escândalos de corrupção, por exemplo.

Por esse motivo, a expectativa é de que o STF delimite critérios de proporcionalidade na coleta desses meios de prova, estabelecendo limites e diretrizes para a ação policial nesses casos.

  1. Constitucionalidade de criminalização dos jogos de azar no Brasil

Com julgamento há muito aguardado e pendente desde 2016, quando o STF reconheceu a repercussão geral da matéria, o Recurso Extraordinário 966.177, que tem como relator o ministro Luiz Fux, trata da constitucionalidade da tipificação dos jogos de azar no país.

O tema, que já foi objeto de artigo em nosso site, tem grande relevância para o reconhecimento da legalidade do funcionamento de operadoras de jogos e apostas no país. Atualmente, a prática de exploração ou estabelecimento de jogos de azar constitui ilícito punível com detenção de três meses a um ano e multa, conforme determina o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41).

A partir de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, entretanto, o STF foi instado a se manifestar sobre a recepção do dispositivo pela Constituição de 1988, que privilegia a liberdade econômica e a livre-iniciativa. O julgamento do caso, inicialmente marcado para 7 de abril de 2022, foi adiado pelo STF e aguarda para ser colocado novamente em pauta.

  1. Retroatividade do ANPP

Há também pendente a discussão sobre a retroatividade da aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) para crimes cometidos antes da vigência do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19). Ou seja, o STF deverá decidir se, para crimes cometidos antes de janeiro de 2020, é possível aplicar o ANPP.

Introduzido na legislação brasileira pela Lei 13.964/19 (que adicionou o artigo 28-A ao Código de Processo Penal), o ANPP representa um importante mecanismo despenalizador para a extinção de punibilidade de pessoas físicas e/ou jurídicas envolvidas em ações penais, mediante o cumprimento de exigências propostas pelo Ministério Público.

Trata-se de um acordo inovador para o ordenamento jurídico nacional, aplicável para crimes cujas penas mínimas sejam inferiores a quatro anos de detenção.

Dessa forma, a partir da vigência do Pacote Anticrime, é possível aplicar o ANPP para crimes como estelionato, corrupção, peculato, uso de moeda falsa, além de delitos contra o meio ambiente e a ordem tributária, para os quais, antes da vigência da lei, não seriam aplicáveis outros institutos despenalizadores, como a suspensão condicional do processo e a transação penal.

Nesse sentido, o Habeas Corpus 185.913, impetrado em maio de 2020, trata da possibilidade de proposta do acordo para reverter a condenação de um réu com base no princípio da retroatividade da norma mais positiva para o imputado.

Com a retroatividade da lei, seria possibilitada ao réu a oferta de ANPP e, havendo a celebração do acordo, a condenação seria revertida. Isso abriria margem para a revisão de outras condenações, anteriores a 2020, pendentes de trânsito em julgado, caso os réus cumpram os requisitos para celebração do ANPP.

  1. Impactos da colaboração premiada em ações de improbidade administrativa

Outro tema importante em análise no STF – e que teve seu julgamento suspenso em 2022 – refere-se ao Agravo em Recurso Extraordinário 1.175.650 (ARE 1.175.650), que trata da possibilidade do uso de acordo de colaboração premiada para evitar sanções impostas em ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa.

Em meados de dezembro de 2022, a Corte havia retomado o julgamento do processo, cuja controvérsia se refere a alterações recentes no artigo 17, § 1º, da Lei de Improbidade Administrativa. Essa norma vedava acordos e transações para atos de improbidade administrativa, mas, a partir de 2021, passou a prever expressamente a possibilidade da celebração de acordos, desde que ressarcido integralmente o dano causado.

O tema afeta empresas e indivíduos envolvidos em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público, representando um importante leading case para o estabelecimento de limites da aplicabilidade de acordos de colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro.