Por Juliana Miranda, Gabriela Paredes e Eduardo Pedroni

Apresentado no último dia 24 de abril pela senadora Augusta Brito (PT/CE), o Projeto de Lei 2.091/23 (PL 2.091/23) introduz cinco novos tipos penais na Lei 6.385/76 (Lei de Mercado de Capitais) com o objetivo de combater fraudes no mercado de capitais.

De acordo com a justificação constante no texto do projeto de lei, a tentativa de criar tipos penais é motivada pela falta de “consunção típica” e de “enforcement” (aplicação/cumprimento) das previsões normativas existentes.

Ainda de acordo com a justificação, a situação que envolveu recentemente uma empresa varejista de grande porte teria ocorrido por dois motivos principais:

  • ocultação de informações para analistas, investidores, empresas de auditoria e Comissão de Valores Imobiliários (CVM); e
  • repetidas falhas de diretores, gerentes, administradores, executivos, conselheiros e auditores independentes em cumprir seus deveres.

O objetivo do PL 2.091/23, portanto, seria o de inserir no ordenamento penal brasileiro mecanismos adequados para punir ações e omissões e introduzir deveres para agentes que atuam na administração no mercado de capitais.

A proposta é incluir oito novos artigos (artigos 27-F ao 27-M) na Lei de Mercado de Capitais, com a introdução dos seguintes tipos penais:

  • Indução a erro no mercado de capitais

“Art. 27-F: Induzir ou manter em erro investidor, acionista ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, contábil ou patrimonial da companhia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A conduta punida será de fraudar e agir para dar ao investidor ou aos órgãos da Administração Pública uma visão equivocada em relação à situação operacional ou financeira da companhia. A ideia do legislador é que a criminalização contribuiria tanto para fins de fiscalização, quanto para garantir a proteção do investidor, considerando o princípio da publicidade de companhias abertas.

  • Fraude contábil

Art. 27-G Fraudar a contabilidade ou a auditoria, inserindo operações inexistentes, dados inexatos ou não incluindo operações efetivamente realizadas:
Pena – reclusão, 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.”

De maneira semelhante ao tipo anterior, criminalizam-se condutas que falseiem a verdadeira situação da companhia, com a inclusão de informações falsas ou imprecisas sobre operações contábeis e financeiras. Para a configuração desse crime não bastaria apresentar dados equivocados, seria também necessário o dolo específico de fraudar a contabilidade ou a auditoria da companhia.

  • Influência imprópria

Art. 27-H. Exercer influência imprópria em auditorias, por meio de coerção, manipulação, fraude ou por qualquer outro meio:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Segundo esse tipo penal, a conduta de coerção, fraude ou manipulação que possa causar desvio em auditorias realizadas para verificar a veracidade das demonstrações contábeis e financeiras seria criminalizada. Novamente, não apenas os gestores de companhias podem ser responsabilizados por essa previsão, mas há também a possibilidade de punir auditores.

  • Falsidade ideológica em manifestação

Art. 27-I. Omitir informação ou prestá-la falsamente ou diversamente da que deveria ser prestada a fim de alterar a verdade sobre fato jurídica ou economicamente relevante para os fins desta Lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.”

De acordo com esse tipo penal, seria criminalizada a falsificação ou omissão de informações que devem ser prestadas pela companhia, desde que tratem de um fato econômico ou juridicamente relevante. Assim, seria proibida a omissão ou falsificação de informações que devam ser divulgadas em comunicados ao mercado, por exemplo. Trata-se de figura específica do crime de falsidade ideológica em que, além de omissão ou falsidade penalmente relevante, é também necessário haver o dolo específico de alterar a verdade de fatos abrangidos pela Lei de Mercado de Capitais.

  • Administração infiel

Art. 27-J. Prejudicar os interesses de acionistas ou investidores ao não empregar com diligência os deveres impostos por lei:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.”

Com esse tipo penal, administradores e gestores de companhias que não cumprirem seus deveres de cuidado, diligência, informação, idoneidade, habilitação técnica, capacidade financeira, entre outros, causando prejuízo aos acionistas e investidores, poderão ser criminalmente responsabilizados. O não cumprimento desses diversos deveres pode ocorrer tanto de maneira dolosa, com o objetivo de prejudicar acionistas e investidores, quanto de maneira culposa, por meio de negligência, imperícia e imprudência.

Além dos tipos penais, o PL 2.091/23 lista expressamente, no artigo 27-K, os sujeitos que têm o dever legal de agir, no limite de sua responsabilidade, caso identifiquem as condutas tipificadas nos artigos anteriores, são eles:

  • diretores;
  • gerentes;
  • administradores;
  • executivos;
  • conselheiros (de fato ou de direito);
  • auditores independentes; e
  • consultores e analistas de valores mobiliários

Já o artigo 27-L prevê as causas de aumento de pena (de metade até o dobro) para as condutas tipificadas no PL, como:

  • abalo da confiança no sistema financeiro nacional;
  • número de vítimas; e
  • valor da vantagem indevida ou do prejuízo sofrido pelas vítimas.

Em casos de reincidência, a pena poderá ser aplicada até o triplo.

Por fim, o artigo 27-M determina os efeitos da condenação por qualquer um dos crimes tipificados anteriormente:

  • a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
  • o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, conselho fiscal, diretoria ou gerência; e
  • a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.

Esses efeitos deverão ser apresentados na sentença condenatória e serão comunicados ao Registro Público de Empresas Mercantis.

Como é o princípio norteador do direito penal, que consta expressamente no PL 2.091/23, não apenas os responsáveis pela gestão das companhias poderão ser penalmente responsabilizados como também qualquer terceiro que concorra para a prática da conduta descrita nos tipos penais mencionados, como auditores independentes, consultores e analistas de valores mobiliários.

Observa-se ainda que os tipos penais propostos são amplos e demandam complementação por conceitos previstos em outras normas, como é comum nos chamados crimes “do colarinho branco”. Os tipos penais descritos nos artigos 27-I, 27-J e 27-M, por exemplo, fazem menção a deveres ou parâmetros regulados não só pela Lei de Mercado de Capitais, mas também por normas e resoluções de outros órgãos, como a CVM.

São também muitas as punições aplicáveis, considerando que já existe a possibilidade de responsabilização cível e administrativa. Os tipos penais preveem sanções que apresentam uma variação muito extensa. Em caso de condenação pelas condutas tipificas no PL 2.091/23, haverá não apenas a imposição de multa criminal como também penas de restrição que podem ser aumentadas até seu triplo, além de inabilitação ou impedimento do exercício de cargo ou função em conselho de administração por tempo indeterminado.