Embora a adoção do lucro presumido pelas empresas que atuam na aquisição e alienação de participações societárias gere algumas controvérsias, esse é um caminho ainda pouco explorado do ponto de vista jurídico-tributário pelas sociedades que atuam na captação, gestão, desenvolvimento e estruturação de startups, incluindo as que gerenciam e negociam investimentos no modelo equity crowdfunding.

Em linhas gerais, assim como ocorre no modelo de private equity, diversas empresas atuam hoje como gestoras e desenvolvedoras de startups ou empresas de capital fechado voltadas a projetos de tecnologia e inovação, com o objetivo de agregar valor ao negócio antes da sua alienação a potenciais investidores.

Sob as perspectivas contábil e tributária, a opção pelo lucro presumido e a forma de contabilização das participações societárias pelas empresas que atuam nessas atividades devem ser cuidadosamente avaliadas em razão das controvérsias sobre os conceitos de receita bruta e ganho de capital e na classificação contábil desses ativos para fins de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Em síntese, no regime de lucro presumido, a base de cálculo do IRPJ e CSLL será apurada pela soma de duas parcelas:

  • Receita bruta, entendida como aquela obtida pela pessoa jurídica em decorrência das transações relacionadas ao seu objeto social e sujeitas à aplicação dos percentuais de presunção estabelecidos na Lei nº 9.249/95 e específicos para atividades determinadas;[1] e
  • Ganhos de capital, rendimentos, ganhos líquidos e outras receitas decorrentes da alienação, baixa ou liquidação de bens do ativo não circulante, os quais serão adicionados integralmente à base de cálculo do IRPJ e CSLL, sem a aplicação dos percentuais de presunção.

Na prática, a relevância da discussão sobre a natureza de um rendimento para a pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido, como receita bruta ou ganho de capital, consiste justamente na carga tributária final. A título de exemplo, em uma operação de venda de mercadorias, a receita obtida (entendida como receita operacional) estará sujeita à alíquota efetiva agregada de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins de 6,73% (pela aplicação dos percentuais de presunção). Já a venda de ativo não circulante (atividade não operacional) estará sujeita à apuração de ganho de capital pela alíquota agregada de IRPJ e CSLL de 34% (portanto, sem aplicação dos percentuais presumidos).

Pela definição de receita bruta prevista no Decreto-Lei nº 1.598/77 para pessoas jurídicas que tenham por objeto a aquisição e venda de participações societárias, o produto decorrente dessa atividade será considerado receita bruta se a pessoa jurídica alienante for dedicada a essa atividade. Nesse caso, ela estará sujeita à aplicação da alíquota de presunção prevista na legislação do lucro presumido. Quanto ao percentual de presunção, a legislação tributária não é clara com relação ao percentual do lucro presumido que deve ser aplicado no caso de alienação de participações societárias por sociedade que tenha tal atividade descrita em seu objeto social.

Entre as atividades previstas na Lei nº 9.249/95, vale destacar os percentuais de presunção de:

  • 8% para IRPJ e 12% para CSLL, aplicáveis à alienação de mercadorias e outras atividades não relacionadas à prestação de serviços; e
  • 32% para IRPJ e para CSLL, aplicável nas atividades de administração, locação ou cessão de bens imóveis, móveis e direitos de qualquer natureza.

A legislação, contudo, não define o conceito de “cessão de direitos” para fins de aplicação da alíquota de 32%, tampouco diferencia o tratamento aplicável para cessão de bens tangíveis e bens intangíveis.

A esse respeito, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Solução de Consulta Cosit nº 347/17, vinculante no âmbito da RFB. Segundo o entendimento adotado pela RFB, a receita obtida na alienação de participação societária de caráter não permanente (ou seja, como ativo circulante) deve ser computada como receita bruta, afastando, de início, o risco da classificação de tais valores como ganho de capital sujeito à tributação em sua integralidade. A tributação como ganho de capital se aplicaria somente nos casos de alienação de participação societária de caráter permanente. No entanto, ainda que o resultado configure receita bruta da pessoa jurídica e deva se submeter à aplicação dos percentuais de presunção próprios do regime de lucro presumido, entenderam as autoridades fiscais que o percentual aplicável seria de 32%.

No entendimento da RFB, a alienação de participação societária de caráter não permanente corresponderia ao desempenho de atividade de administração e cessão de direitos de qualquer natureza.

Com base no posicionamento da RFB, é possível concluir que a classificação do ativo pela pessoa jurídica, embora eminentemente contábil, impacta o tratamento fiscal aplicável às receitas decorrentes da alienação de participações societárias.

No que se refere à classificação contábil de ativos, o ponto de partida é a Lei nº 6.406/76 (Lei das S.A.), que dispõe em seu artigo 179 que os investimentos correspondem às participações permanentes em outras sociedades e aos direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante e não destinados à manutenção da atividade da companhia ou da empresa. Já o ativo circulante corresponde às disponibilidades e aos direitos realizáveis no curso do exercício social subsequente.

De acordo com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 26,[2] o ativo deve ser classificado como circulante quando:

  • a entidade espera que ele seja realizado ou ela pretende que seja vendido ou consumido no decurso normal do ciclo operacional da entidade;
  • a entidade o mantém com o propósito de ser negociado;
  • a entidade espera que ele seja realizado em até 12 meses após a data do balanço; ou
  • ele corresponde a caixa ou equivalente de caixa, a menos que sua troca ou uso para liquidação de passivo se encontre vedada durante pelo menos 12 meses após a data do balanço.

A classificação contábil de ativos foi analisada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que reconhecem a necessidade de observar a intenção do detentor do ativo/investimento no momento da aquisição para fins de classificação como circulante ou não circulante. O intervalo de tempo entre a aquisição e a venda de um ativo não deve ser o elemento principal para fins da sua classificação como circulante ou não circulante.

Com base na legislação societária e contábil, as participações societárias atendem, em princípio, ao conceito de ativo circulante na contabilidade das pessoas jurídicas que têm como atividade a alienação de participações societárias uma vez que se refiram a bens destinados à venda e compreendam direitos que serão transformados em dinheiro dentro do exercício social subsequente (ou subsequentes).

Uma das grandes controvérsias que surge dessa discussão, além da alíquota aplicável, consiste na determinação da natureza do ativo, especialmente nos casos de reclassificação, dado o intenso debate sobre esse tema entre a RFB e os contribuintes.

A RFB, com base no artigo 215, §14, da Instrução Normativa nº 1.700/17, aplica como regra o entendimento de que a natureza de ativo originariamente contabilizado como não circulante e reclassificado para ativo circulante com intenção de venda deve ser preservada para fins fiscais. Cabe tributá-lo como ganho de capital. Em outras palavras, a RFB usualmente desconsidera os efeitos tributários decorrentes da reclassificação contábil de um ativo para determinação do tratamento tributário aplicável por pessoas jurídicas no lucro presumido.

Mais recentemente, a RFB publicou a Solução de Consulta Cosit nº 7/2021, que analisa a questão sob o viés de uma sociedade que tem como atividades a locação de imóveis próprios e a venda de imóveis. A RFB entendeu que, se a operação de venda de ativo imobilizado é realizada com normalidade e habitualidade, o valor da venda poderia ser computado como receita bruta da entidade, independentemente de ter ocorrido ou não a reclassificação contábil dos imóveis sob sua titularidade, tendo em vista que essa operação faz parte do ciclo operacional de seu negócio.

No entanto, com base nos precedentes administrativos sobre a matéria, a alteração do objeto social da pessoa jurídica em momento imediatamente anterior à venda do ativo poderia representar um risco adicional. A RFB poderia argumentar que a alteração de objeto ocorreu com o único objetivo de usufruir de tratamento tributário mais vantajoso e que as receitas auferidas não poderiam ser consideradas operacionais para a pessoa jurídica.

Além da questão da classificação contábil, o tema do percentual de presunção aplicável também tem gerado controvérsia devido à ausência de previsão legal expressa sobre a alíquota a ser aplicada a essa atividade e, diante do posicionamento da RFB, ao fato de o conceito de “cessão de direitos” também não estar previsto na legislação.

Para definir o alcance do termo “cessão de direitos”, é importante ressaltar que inexiste controvérsia quanto à inaplicabilidade desse dispositivo às operações de venda de mercadorias (bens tangíveis), para as quais se aplica a regra do caput do artigo 15 da Lei nº 9.249/95 (8% para o IRPJ e de 12% para CSLL). A venda de mercadorias, portanto, não se enquadraria no conceito de “cessão de direitos de qualquer natureza”. Ocorre que, em essência e do ponto de vista estritamente jurídico, a venda de mercadorias também é uma operação de cessão de direitos, já que dela decorre a cessão do direito de propriedade ao adquirente do produto.

De fato, a compra e venda é o negócio jurídico “pelo qual a uma das partes se obriga a transferir a propriedade de uma coisa à outra, recebendo, em contraprestação, determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente”. A propriedade, por sua vez, é inegavelmente um direito, consolidada no “direito de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha”. Assim, é possível sustentar que a compra e venda de mercadorias (ativos tangíveis) é também uma forma de cessão de direito, o direito de propriedade.

Na mesma linha, tanto a venda de intangíveis quanto a transferência temporária de direitos (como o aluguel, o licenciamento etc.) são espécies do gênero cessão de direitos. Enquanto na venda de mercadorias transfere-se o direito de propriedade da coisa, na venda de direitos intangíveis há transferência da propriedade dos direitos (como direito de autor, de propriedade intelectual etc.) e na cessão de direitos temporária há a transferência, ainda que em caráter não definitivo, do direito de uso. Assim, inexistindo qualquer diferenciação feita pelo legislador entre a cessão de direitos vinculados a bens tangíveis ou intangíveis para fins de aplicação dos percentuais de presunção, há quem defenda que não caberia ao intérprete da norma, ou mesmo às autoridades fiscais, fazer tal distinção.

Em outras palavras, se as autoridades fiscais reconhecem que a venda de mercadorias (cessão do direito de propriedade) não se enquadra no conceito de “cessão de direitos de qualquer natureza”, não haveria fundamentos válidos para excluir a venda de ativos intangíveis (também uma cessão de direito) da regra geral que impõe os percentuais de 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL.

Há elementos jurídicos capazes de sustentar que a cessão de direitos sujeita ao percentual de 32% mencionada no artigo 15, parágrafo 1º, inciso III, alínea c da Lei nº 9.249/95 é aquela cessão temporária relacionada a direitos de uso, como licenciamento e aluguel, atividades que, no entender do legislador, teriam menores custos e, consequentemente, maiores margens de lucro.

Interpretação diversa levaria necessariamente à conclusão de que o produto de toda e qualquer cessão de direito deve ser submetido ao percentual de 32%, o que parece contrariar a lógica do ordenamento jurídico, haja vista ser incontestável a aplicação dos percentuais de 8% e 12% para venda de mercadorias, aplicável à cessão do direito de propriedade, que tem natureza de cessão definitiva.

Esse entendimento foi adotado pelo CSRF no acórdão nº 9101­001.329, que reconheceu a aplicação do percentual de 32% somente em casos de cessão provisória de direito, sem a transferência da propriedade, como acontece, por exemplo, na cessão de direito de uso.[3]

Entretanto, dada a ausência de definição do conceito de “cessão de direitos” na legislação e de decisões que versem satisfatoriamente sobre o tema, há espaço para que as autoridades fiscais construam argumentos no sentido de que o produto da alienação deve se sujeitar ao percentual de presunção de 32%, sobretudo considerando-se a redação do artigo 215, §14, da Instrução Normativa nº 1.700/17. Essa interpretação extrapola a redação da Lei nº 9.249/95, na medida em que estabelece a aplicação do percentual de presunção de 32% a atividade não prevista expressamente na legislação, que, conforme mencionado anteriormente, não definiu o conceito de “cessão de direitos” de modo a contemplar todo e qualquer tipo de cessão, temporárias e permanentes.

Além disso, essa interpretação restritiva e não prevista na legislação aplicável ao lucro presumido viola o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que, no âmbito do direito tributário, assume contornos mais rígidos e passa a ser denominado de princípio da estrita legalidade. Esse princípio está consolidado no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, além de estar previsto também no artigo 97, inciso I, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66). Assim, a instituição de tributos e modificação de alíquotas ou bases de cálculo só poderão ser feitas mediante expressa previsão em lei, único mecanismo capaz de estabelecer regra tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Somente a lei pode definir o fato gerador do tributo, sendo vedado ao aplicador da norma pretender exigir tributo com base em situações que não estejam legalmente previstas.

Por fim, além do IRPJ e da CSLL, as pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido estão sujeitas à contribuição ao PIS e à Cofins conforme a sistemática cumulativa. Em geral, a alienação de ativos não circulantes não está sujeita à incidência do PIS e da Cofins. A legislação tributária, porém, confere tratamento específico à alienação de participações societárias contabilizadas como ativo circulante, nos termos da Lei nº 12.973/14 e a Lei nº 9.718/98, segundo as quais o ganho é tributado à alíquota de 4,65%.

Portanto, as pessoas jurídicas que tenham como atividade a aquisição de outras sociedades com a intenção de promover seu desenvolvimento, estruturação e gestão para depois aliená-las podem avaliar a adoção da sistemática do lucro presumido, desde que ele não seja vedado pela legislação.

Na mesma legislação, há fundamentos para sustentar que a receita obtida na alienação de participações societárias estará sujeita à aplicação da alíquota de presunção de 8% de IRPJ, 12% de CSLL e à alíquota conjunta de 4,65% de PIS e Cofins, segundo a regra específica da Lei nº 12.973/14 e da Lei nº  9.718/98.

 


[1] Não somente o produto da venda de bens e o preço da prestação de serviços compreendem a receita bruta auferida pela pessoa jurídica, mas também outras receitas desde que relacionadas à atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.

[2] Apresentação das demonstrações contábeis de 15 de dezembro de 2011.

[3] CSRF: acórdão nº 9101­001.329, sessão de 25.04.2012.