O ano de 2020 ficará marcado não só pela pandemia, mas pela rapidez com a qual os órgãos da administração pública se adaptaram à nova realidade de distanciamento social. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão responsável pelo julgamento de processos administrativos tributários federais, também teve que se adaptar ao novo formato não presencial.

Para o conselho, o ano de 2020 teve início com a perspectiva de um novo regimento interno, inclusive com a possibilidade de a sociedade opinar na minuta seguindo a transparência repassada pelo Carf, por intermédio de uma consulta pública.

Entretanto, a veiculação de um novo regimento ficou para segundo plano, já que a pandemia obrigou o órgão a concentrar seus esforços em manter a atividade de julgamento no período de distanciamento social.

Em março, com a paralisação das sessões presenciais, o Ministério da Economia publicou a Portaria Carf nº 10.786/20, instituindo as sessões não presenciais de julgamento para processos administrativos que envolvam: (i) valores históricos de até R$ 1 milhão; ou (ii) matéria objeto de súmula ou resolução do Carf ou, ainda, decisões transitadas em julgado do STF ou do STJ proferidas na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos. Até então, a possibilidade de sessões virtuais existia apenas para julgamento de processos abaixo de 60 salários mínimos, e, nesses casos, sem a possibilidade de sustentação oral ou de participação dos interessados.

Para esse novo modelo de julgamento, o Carf implementou novos sistemas para as sessões virtuais, possibilitando a realização de sustentação oral ou o acompanhamento do julgamento em tempo real. E a fim de conferir a publicidade dos julgamentos, as sessões são posteriormente disponibilizadas ao público no YouTube.

Há quem diga que as sessões virtuais cerceiam o direito de defesa do contribuinte, alegando que prerrogativas atinentes aos julgamentos em sessões presenciais foram mitigadas. Entretanto, nos parece que o Carf está tentando, ao máximo, minimizar qualquer prejuízo que o julgamento virtual possa trazer aos contribuintes.

Com a implementação das sessões não presenciais, foram flexibilizados os deferimentos de pedidos de retirada de pauta, para posterior reinclusão quando da retomada da sessão presencial, sendo mais uma tentativa do órgão de reduzir qualquer prejuízo que as sessões virtuais possam trazer às partes. O Carf também possibilitou a realização de audiências virtuais, para o despacho dos interessados com o relator do processo administrativo, o que confirma o compromisso do órgão com a manutenção da prestação jurisdicional satisfatória.

Em 14 de agosto de 2020, com a redução do número de processos de menor valor, o Carf publicou a Portaria nº 19.366/20, aumentando o valor de alçada para R$ 8 milhões e possibilitando que diversos outros processos fossem levados a julgamento.

Alguns meses após a instauração das sessões não presenciais, os resultados já começaram a aparecer. A presidente do órgão, conselheira Adriana Gomes Rêgo, mencionou no VI Seminário Carf de Direito Tributário e Aduaneiro que, surpreendentemente, comparado a 2019, o ano foi marcado por um expressivo crescimento no número de julgamentos – 55% a mais nos meses de junho a outubro.

O período também se distinguiu pela extinção do voto de qualidade, com a publicação da Lei nº 13.988/20, que em seu art. 28 determina, em caso de empate no julgamento de exigência de crédito tributário, a solução da questão de modo favorável ao contribuinte.

Após polêmicas discussões acerca de sua aplicabilidade e extensão, o Ministério da Economia editou a Portaria nº 260/20 para regular o novo dispositivo, esclarecendo que a extinção do voto de qualidade somente se aplicaria aos processos que discutem a exigência de crédito tributário por meio de auto de infração ou notificação de lançamento. Nos termos da portaria, a nova previsão não se aplicará a discussões processuais, julgamento de embargos de declaração ou demais espécies de processos de competência do Carf.

Apesar da regulação pelo Ministério da Economia, a discussão sobre a extinção do voto de qualidade se estendeu ao STF. Tramitam no tribunal superior ações diretas de inconstitucionalidade questionando o processo legislativo que resultou na publicação da Lei nº 13.988/20. Até o fechamento deste artigo, o STF ainda não havia se pronunciado sobre o mérito da questão.

Enquanto o ano de 2020 foi de adaptações no órgão, a expectativa é que 2021 seja de consolidação, mantendo ritmo e modelos de julgamento, ao menos até se alcançar uma fase mais segura da pandemia. As sessões virtuais de julgamento, pelo menos até a conclusão do plano nacional de vacinação, devem seguir.

E diante dos números de desempenho aqui mencionados, a promessa do órgão de continuar implementando medidas para otimizar o julgamento virtual já está sendo cumprida neste início de ano.

Em janeiro foi publicada a Portaria Carf/ME nº 690/21, que elevou o valor de alçada para julgamento virtual de processos administrativos para R$ 12 milhões, além de prever a possibilidade de julgamento de representações de nulidade também de forma virtual.

Esse crescente aumento dos valores de alçada – de R$ 1 milhão para R$ 8 milhões e, em 2021, para R$ 12 milhões – indica a redução do número de processos de menor valor e o interesse do órgão em aumentar os percentuais de julgamento de processos.

Ainda não se sabe quais serão os próximos passos do Carf ao longo do ano. A retomada da renovação do regimento interno, após consulta pública, é de grande interesse dos contribuintes, que também anseiam por uma modernização das plataformas de transmissão das sessões e do próprio sistema de monitoramento dos processos administrativos.

Diante do expressivo aumento do número de julgamentos nas sessões virtuais, espera-se que o Carf estabeleça, de maneira definitiva, um regime misto de julgamento de processos administrativos, concedendo aos contribuintes a oportunidade de escolher a modalidade de julgamento de seus processos.