A Lei Estadual nº 7.988/18 – RJ, publicada em 15 de junho, revogou o artigo 75-A da Lei nº 2.657/96 (Lei do ICMS) para estabelecer nova disciplina a respeito dos procedimentos que o auditor fiscal da receita estadual do Rio de Janeiro deverá observar para desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Buscou-se implementar novos elementos para permitir a aplicação do artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional – dispositivo polêmico conhecido como “cláusula antielisiva”. Ele daria poder ao fisco para lavrar autos de infração, lançando tributos e aplicando penalidades ao contribuinte, mesmo em situações em que não se verifica claramente a prática de um fato gerador tributável, sob o argumento de que, por meio de subterfúgios, teria sido dissimulada a sua ocorrência.

A doutrina critica severamente a validade desses dispositivos no ordenamento jurídico tributário brasileiro, justamente por entender haver conflito entre esse artigo com princípios e garantias do contribuinte, como o princípio da legalidade, da vedação à tributação por analogia e da segurança jurídica.

Há também um certo consenso de que se trata de norma de eficácia limitada, por depender de regulamentação por lei. Como não foi editada lei federal regulamentando a aplicação da cláusula antielisiva, o fisco federal evita utilizá-la como embasamento legal nas autuações, muito embora por vezes se valha da fundamentação de falta de propósito negocial, abuso de forma, falta de substância.

Com a edição da Lei Estadual nº 7.988/18, o estado do Rio de Janeiro busca suprir a falta de regulamentação para possibilitar a aplicação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional.

A lei prevê que o ato de desconsideração será feito mediante lavratura de auto de infração, que deverá estar fundamentado, discriminando os elementos ou fatos caracterizadores de que houve a dissimulação, bem como os atos ou negócios a serem tributados, indicadas as respectivas normas de incidência. Para tanto, antes da lavratura do auto, o auditor fiscal deverá:

i) Intimar o contribuinte para prestar esclarecimentos e informações em 30 dias sobre os fatos, causas, motivos e circunstâncias que levaram à prática do ato ou negócio jurídico com “indício” de dissimulação (o não atendimento da intimação ou a apresentação de informações ou esclarecimentos incompletos ensejará a desconsideração);

ii) Caso os esclarecimentos não sejam suficientes, ou não convençam a autoridade fiscal, será lavrado o auto de infração e seguirá o contencioso administrativo do auto de infração, com direito ao contraditório e à ampla defesa. 

Note-se que não há na norma qualquer definição do que se entende por “ato ou negócio praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador”. Com isso, abre-se uma ampla margem de discricionariedade para que o fisco estadual atribua a determinadas situações uma configuração de dissimulação, mesmo aquelas em que não se verifica um fato gerador tributável.

Já houve tentativa de criar uma lei federal para regulamentar a aplicação de cláusula antielisiva por meio da Medida Provisória nº 66/02. No caso, a MP trazia ainda mais elementos a respeito dos conceitos a serem utilizados para a desconsideração do ato ou negócio jurídico, mencionando-se expressamente a falta de propósito negocial e o abuso de forma, e atribuindo-lhes os respectivos significados no próprio texto legal. A norma trazia ainda a obrigatoriedade de que a representação fiscal fosse instruída com elementos de prova colhidos pelo auditor. Mesmo assim, esses dispositivos foram amplamente rechaçados e acabaram não integrando o texto da lei que resultou da conversão da MP.

Outra tentativa foi feita em âmbito federal com a edição da Medida Provisória nº 685/15. Ela previa que o contribuinte seria obrigado a fazer uma declaração prévia anual à Receita Federal de atos ou negócios jurídicos (i) que não tivessem razão extratributária relevante; e (ii) cuja forma adotada não fosse usual, negócio jurídico indireto ou cláusula que desnaturasse contratos típicos. Essas declarações seriam submetidas como consultas à Receita Federal, que iria se manifestar a respeito da validade dos atos e da possível desconsideração. Novamente, esses dispositivos não foram convertidos em lei.

Portanto, o contribuinte do estado do Rio de Janeiro deverá ficar atento, pois a edição da Lei nº 7.988/18 se insere em um contexto de diversas controvérsias jurídicas, o que traz insegurança quanto a sua aplicação pela fiscalização e incerteza quanto ao posicionamento que será adotado em eventual discussão nas cortes administrativas e judiciais.

A edição da lei transmite a mensagem de que o fisco estadual pretende passar a utilizar com maior frequência esse tipo de argumento de índole antielisiva para lavrar novos autos de infração, o que certamente exigirá ainda maior atenção do contribuinte que pretenda demonstrar a improcedência da pretensão fiscal.