A Instrução Normativa nº 1.765/17, publicada em 4 de dezembro do ano passado, condicionou a recepção de declarações de compensação relativas a créditos de IPI, contribuição ao PIS, Cofins e saldo negativo de IRPJ ou CSLL à confirmação prévia de transmissão dos documentos fiscais em que se demonstra o direito creditório.

Em virtude do cruzamento eletrônico de dados, é comum que algumas compensações deixem de ser homologadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) em razão de informações equivocadas transmitidas pelo próprio contribuinte por meio de DCTF, EFD e ECF, que não refletem o pagamento a maior. Não raro, somente ao tomar ciência do ocorrido, o contribuinte identifica o erro que cometeu e apresenta manifestação de inconformidade instruída com a comprovação de seu direito creditório com lastro nos princípios da verdade material e da boa-fé.

Com a edição do Parecer Normativo Cosit nº 2, de 28 de agosto de 2015 (PN Cosit nº 2/15), ficou estabelecido que, caso se identifique erro na demonstração do crédito objeto de compensação, a SRF admitirá que o contribuinte transmita DCTF retificadora para comprovar seu direito creditório em momento posterior à entrega da declaração de compensação ou mesmo após o despacho decisório de não homologação da compensação. Nessa situação, o processo deve ser baixado à Delegacia da Receita Federal (DRF) para revisão do despacho decisório de não homologação da compensação, retornando para julgamento da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ) apenas caso a revisão seja parcial ou caso haja questão de direito a ser decidida.

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também reconhece o dever de a Administração Tributária apreciar a qualquer tempo documentos fiscais que importem na redução ou extinção de créditos tributários decorrentes de erro de fato cometidos pelo contribuinte, conforme Parecer PGFN/CAT nº 591/14 e Parecer PGFN/CDA nº 1.194/04, uma vez que afronta o interesse público a cobrança de débitos que podem ser corrigidos mediante análise administrativa.

De fato, o direito creditório do contribuinte nasce com o pagamento de tributo indevido ou a maior, a teor do art. 165 do CTN, independentemente das informações constantes nos documentos fiscais transmitidos à RFB. É o mesmo que se extrai do art. 168, I, do CTN, segundo o qual o direito creditório do contribuinte expira no prazo de cinco anos contados da extinção do crédito tributário, e não da transmissão de documentos comprobatórios.

Nesse contexto, recente alteração da IN nº 1.765/17 passou a impor que as declarações de compensação não sejam recepcionadas sem a respectiva comprovação do valor do crédito. Com isso, foi estabelecida verdadeira restrição ao direito de os contribuintes reaverem, mediante compensação, os valores indevidamente recolhidos, na medida em que a “recepção” das declarações de compensação pela RFB é condicionada à prévia transmissão dos documentos fiscais que demonstrem o direito creditório (EFD-ICMS/IPI, EFD-Contribuições e ECF).

A norma instituída pela RFB trará impactos significativos para a compensação de créditos decorrentes de saldo negativo de IRPJ e CSLL, pois as empresas que apuram o lucro real em 31 de dezembro de cada ano serão obrigadas a postergar a compensação de saldo negativo dos referidos tributos até a entrega da ECF, que ocorre “até o último dia útil do mês de julho do ano seguinte ao ano-calendário a que se refira” (art. 3º, da IN nº 1.422/13). Isso obrigará o contribuinte a buscar outros recursos para a quitação de tributos federais mesmo estando ciente da existência de saldo negativo, o que impactará seu fluxo de caixa.

Para os contribuintes que apuram IRPJ e CSLL em períodos trimestrais, a restrição será aplicável somente depois do encerramento do ano-calendário.

Caso o contribuinte insista em compensar o saldo negativo de IRPJ e CSLL com outros tributos administrados pela RFB antes da transmissão da ECF, há o risco de que a declaração de compensação não seja “recepcionada”, o que pode acarretar a cobrança imediata dos tributos compensados, inclusive com a inscrição dos valores em dívida ativa.

Com isso, embora pareça que a RFB busca aperfeiçoar o controle e a análise sobre os créditos compensados pelos contribuintes, a IN nº 1.765/17 acabou por impor restrição ao direito de compensação a que os contribuintes fazem jus, sem qualquer embasamento nos arts. 165, 168 e 170 do CTN e no art. 74 da Lei nº 9.430/96. A medida viola, por consequência, o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da CF).

Além disso, ao condicionar o “recebimento” da declaração de compensação à transmissão do documento fiscal comprobatório do direito de crédito, a IN nº 1.765/17 assume que o direito creditório do contribuinte nasce com o documento fiscal, o que desloca o início da contagem do prazo decadencial para o contribuinte reaver os valores indevidamente recolhidos para o momento da efetiva entrega dos documentos fiscais, o que constitui reserva de Lei Complementar (146, III, b, da CF).

Considerando os vícios acima referidos, os contribuintes têm discutido judicialmente essa alteração. Medida liminar concedida pela Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro assegura o direito do contribuinte ao regular o processamento das declarações de compensação embasadas em saldo negativo de IRPJ e CSLL, independentemente da prévia transmissão da ECF, justamente por reconhecer que a IN nº 1.765/17 restringiu ilegitimamente o direito à compensação sem qualquer respaldo legal.

Embora a alteração promovida pela IN nº 1.765/17 também seja aplicável aos créditos de IPI (art. 161-B) e de contribuição ao PIS e da Cofins (art. 161-C), os impactos econômicos e/ou financeiros para as empresas não são tão marcantes, tendo em vista que a EFD-ICMS-IPI e a EFD-Contribuições são entregues mensalmente.

Diante desse cenário, as empresas devem permanecer atentas ao momento da entrega e correção das informações transmitidas à RFB por meio de DCTF, EFD-Contribuições, EFD-ICMS/IPI e ECF, a fim de assegurar a recepção e o processamento de suas declarações de compensação, permanecendo assegurado o direito de retificação de erros de fato. Além disso, caso o contribuinte tenha apurado saldo negativo de IRPJ e CSLL relativo ao ano de 2017 e pretenda compensá-lo com outros tributos administrados pela RFB antes da transmissão da ECF, há embasamento para a propositura de medida judicial questionando as inconstitucionalidades e ilegalidades da restrição imposta pela IN nº 1.765/17.