O regime da não cumulatividade do PIS e da Cofins, instituído pelas leis 10.833/03 e 10.637/02, com base no art. 153, §3º, II, da Constituição Federal de 1988,[1] permite a tomada de créditos de certas despesas ou custos incorridos pelos contribuintes para a geração de receitas.

No rol previsto no art. 3º dessas duas leis estão os bens e serviços, adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no país, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda.[2]

Em 2018, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tentou solucionar uma divergência histórica sobre o conceito de insumo, quando julgou o Recurso Especial 1.221.170/PR,[3] no qual se definiu que o conceito de insumo deve ser aferido pelos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, é preciso considerar a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

A controvérsia parecia ter sido solucionada, mas manteve-se presente, dada a dificuldade de estabelecer o que seria essencial ou relevante para determinada empresa, ou, ainda, devido à possibilidade de empresas comerciais apropriarem créditos a título de insumos.

É nesse cenário que examinamos a jurisprudência atual do Carf sobre a caracterização de despesas com comissões como insumos, e o consequente creditamento de PIS e Cofins, nos termos do art. 3º, II, das leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

As comissões aqui tratadas são os valores pagos por uma pessoa jurídica a um terceiro que trabalhe na intermediação para concretizar seu negócio jurídico. O Código Civil de 2002 define, em seu art. 693, que “o contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”. A título de exemplo, podemos trazer as comissões pagas a vendedores ou terceiros independentes que auxiliam na venda final de produtos.

Atualmente, diversos contribuintes têm gastos substanciais com o pagamento de comissões para o desenvolvimento de suas atividades, sendo esse valor reconhecido como despesa operacional e um encargo essencial para a execução da atividade-fim. No contexto da pandemia, diante das restrições impostas pelo poder público para o funcionamento do comércio em geral, esses gastos se tornaram ainda mais relevantes, na medida em que as empresas passaram a utilizar outros recursos de venda, essenciais à manutenção de seu faturamento. 

O Carf já teve a oportunidade de analisar a caracterização de despesas com comissão como insumos, conforme a conceituação dada pelo STJ. Os precedentes existentes indicam uma jurisprudência não consolidada.

No acórdão 3302-006.526, proferido em 30 de janeiro de 2019 pela 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção, entendeu-se que os custos com comissões pagas sobre as vendas de consórcios caracterizavam-se como insumos, na medida em que “para desempenho de suas funções de prestadora de serviços de gestão de consórcios, a Recorrente, por imposição legal, deve realizar as atividades de reunir um número de pessoas interessadas na aquisição de determinados bens para formação de grupo, atividade esta que, senão realizada por representantes conveniados à Recorrente dificilmente se concretizará”.

O mesmo entendimento teve a 1ª Turma Extraordinária da 3ª Seção, no âmbito do acórdão 3001-000.757, de 21 de fevereiro de 2019, ao julgar recurso voluntário de uma grande rede hoteleira que pleiteava o creditamento de PIS e Cofins com insumos sobre despesas com comissões pagas a agências de viagens. Segundo o acórdão, ficou caracterizada a essencialidade da despesa com as comissões pagas às agências, pois “esses valores pagos pela rede hoteleira estão umbilicalmente ligados às suas atividades”.

Apesar desses dois casos favoráveis ao contribuinte, o entendimento do Carf ainda não está consolidado. Existem outros acórdãos proferidos pelo tribunal administrativo que não caracterizam despesas de comissão como insumos, como é o caso do julgamento do acórdão nº 3302-006.569, proferido pela 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção em 27 de fevereiro de 2019.

O julgado tratava da possibilidade de creditamento, por uma indústria têxtil, dos valores pagos a título de comissões a representantes comerciais. No caso em questão, a turma entendeu que a despesa estaria relacionada à operação de venda e ao pós-venda, etapas ocorridas após a fase de produção, não apresentando os critérios de essencialidade e relevância para o processo produtivo.

No mesmo sentido, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, em acórdão[4] que analisou a possibilidade de creditamento de despesa com comissão de corretagem como insumo, assinalou que o crédito só seria válido se demonstrada a relevância do serviço de corretagem para o processo produtivo. No caso concreto, que envolvia empresa produtora de café, a turma entendeu que “não é possível a concessão do crédito da contratação do serviço, pois: a) é acessório ao contrato principal, b) o valor da contratação não está incluído no preço do negócio principal, c) via de regra é pago pelo vendedor”.

A nosso ver, o julgado é contraditório pois condiciona o creditamento à demonstração da essencialidade ao processo produtivo da empresa, mas logo em seguida mantém a glosa não pela falta da demonstração da essencialidade, mas sim por aspectos intrínsecos à despesa.

Recentemente, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais analisou um recurso especial[5] que tratava da possibilidade de aproveitamento de créditos de taxa de comissão de cartão de crédito por empresa comercial. O colegiado, sem adentrar na discussão sobre a caracterização de tal despesa como insumo, negou provimento ao recurso do contribuinte sob o argumento de que empresa comercial não tem receita de serviço. Considerou-se que a despesa com comissão tem natureza operacional financeira, sem previsão legal para o creditamento.

Apesar disso, entendemos que a melhor interpretação da legislação em análise aponta para a necessidade de consolidação de um cenário favorável ao contribuinte. Há fundamentos jurídicos relevantes para considerar que tais valores deveriam ser reconhecidos como insumos, para fins de creditamento de PIS e Cofins, desde que os dispêndios se enquadrem nos critérios de essencialidade e relevância definidos pelo STJ e que o contribuinte consiga comprovar, no âmbito do processo administrativo, a relevância e essencialidade da despesa para o caso concreto.

Ressalte-se que, para as empresas comerciais, o creditamento das despesas incorridas a título de comissão ainda depende da superação de outro obstáculo, a própria validação do creditamento a título de insumos para as empresas comerciais. O tema, que ainda é objeto de discussão em âmbito administrativo, recentemente ganhou novo capítulo e deve gerar novos debates na 1ª Seção do STJ.

O Superior Tribunal de Justiça apreciará os Embargos de Divergência 1.810.630/PR, que visam solucionar a divergência entre a 1ª e a 2ª turmas do STJ quanto à possibilidade de creditamento de PIS e Cofins em relação às despesas consideradas essenciais à empresa varejista. Até o fechamento deste artigo, não havia expectativa de inclusão do processo em pauta de julgamento.

Ao que tudo indica, estamos caminhando para consolidar o entendimento quanto à possibilidade de creditamento sobre despesas a título de comissão, permitindo maior a segurança jurídica aos contribuintes.

 


[1] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

  • 3º O imposto previsto no inciso IV:

(...)

II - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

[2] Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

(...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;

[3] Na sistemática dos recursos repetitivos do artigo 1.036 do Código de Processo Civil – CPC.

[4] Acórdão 3401-008.851, de março de 2021.

[5] Processo Administrativo 13855.720542/2017-40, de 18/11/2021.