Os fundos de investimento têm tido bastante destaque no mercado financeiro brasileiro por viabilizarem a junção e consolidação de patrimônios de investidores distintos em um único canal de investimento.

Diferentemente da regra geral aplicável às pessoas jurídicas no Brasil, os fundos de investimento não estão sujeitos à tributação sobre os ganhos ou rendimentos auferidos por sua carteira. Nesses casos, como regra, a tributação é feita apenas quando da distribuição dos recursos aos cotistas. Para alguns tipos de fundo há inclusive a possibilidade de isenção e alíquota zero do imposto sobre a renda, desde que cumpridos alguns requisitos.

Como regra geral, os rendimentos oriundos de investimentos nos mercados financeiros e de capitais estão sujeitos à tributação na fonte. No caso dos fundos de investimento, geralmente, os rendimentos pagos estão sujeitos à incidência de imposto sobre a renda retido na fonte (IRRF) a alíquotas regressivas que variam entre 22,5% e 15%, a depender do prazo de investimento. Com relação aos Fundos de Investimento em Participações – FIPs, que são os fundos de private equity brasileiros, há regime específico, que prevê a aplicação de alíquota de 15%, independentemente do prazo, observados alguns requisitos.

O artigo 78 da Lei nº 8.981/1995 equipara os investidores não residentes aos residentes em relação a diversos investimentos, estando ambos sujeitos às mesmas normas de tributação. Dessa forma, como regra geral, os investidores não residentes estão sujeitos ao regime tributário descrito acima no que se refere aos investimentos em fundos.

No entanto, com o intuito de fomentar investimentos em nosso país, a legislação brasileira instituiu um regime próprio para os não residentes que invistam nos mercados financeiro e de capitais de acordo com as normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), atualmente previstas na Resolução CMN nº 4.373/2014.

Para os investidores estrangeiros em FIPs, está prevista a alíquota de 0% de IRRF sobre rendimentos e ganhos de capital, inclusive aqueles auferidos na alienação ou amortização de suas cotas, desde que os seguintes requisitos sejam cumpridos: (i) o fundo não detenha em sua carteira, a qualquer tempo, títulos de dívida em percentual superior a 5% de seu patrimônio líquido, ressalvadas desse limite as debêntures conversíveis em ações; (ii) o estrangeiro não seja residente ou domiciliado em país com tributação favorecida, assim entendido o país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota inferior a 20%; e (iii) o cotista não seja titular de cotas que, isoladamente ou em conjunto com pessoas a ele ligadas, represente 40% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo fundo ou cujas cotas, isoladamente ou em conjunto com pessoas a ele ligadas, lhe derem direito ao recebimento de rendimento superior a 40% do total de rendimentos auferidos pelo fundo.

Tendo em vista seus potenciais benefícios econômicos, os investimentos via fundos, especialmente os FIPs, têm sido cada vez mais utilizados por investidores residentes e não residentes. Em movimento recente, no entanto, a Receita Federal do Brasil passou a concentrar sua atenção nos FIPs. No ano passado, o subsecretário de Fiscalização anunciou que uma das bases do combate à sonegação seriam os planejamentos tributários envolvendo tais fundos.

Os resultados já começaram a ser verificados pelo setor, com uma nova frente de fiscalizações e autuações focadas em instituições financeiras que atuam como administradoras de FIPs e custodiantes de contas de investidores estrangeiros.

Em linhas gerais, as administradoras dos fundos de private equity são responsáveis pela constituição e manutenção do fundo e, do ponto de vista tributário, estão encarregadas de reter e recolher o imposto devido sobre os rendimentos auferidos pelos investidores, nos termos do artigo 32 da Lei nº 9.532. Os custodiantes, por sua vez, são os responsáveis pela movimentação efetiva dos recursos do investidor estrangeiro no país.

Aparentemente, o objetivo da Receita Federal nas recentes fiscalizações seria identificar a existência de eventuais investidores brasileiros ou residentes em países com tributação favorecida que invistam nesses FIPs indiretamente (através de outros veículos de investimento) na qualidade de beneficiários finais. Na visão da Receita Federal, a existência de investidores indiretos residentes no Brasil ou em países com tributação favorecida poderia afastar a aplicação da alíquota zero mencionada acima.

Porém, inexiste na legislação tributária brasileira norma que determine a desqualificação ou inaplicabilidade de determinado tratamento fiscal, seja esse mais benéfico ou não, a negócios jurídicos que porventura possam beneficiar, indiretamente, pessoas físicas que não estejam juridicamente relacionadas a esse tratamento fiscal. O que existem são normas com finalidades meramente cadastrais, como a Instrução Normativa nº 1.634/2016, que exige informações sobre determinados beneficiários finais em circunstâncias estabelecidas, mas sem a atribuição de quaisquer consequências fiscais a eles.

A despeito da inexistência de legislação que relacione a falta de identificação do beneficiário final à presunção de descumprimento dos requisitos legais para gozo do regime tributário benéfico, a Receita Federal tem fiscalizado e autuado instituições administradoras de fundos e custodiantes que falharam em identificar as pessoas físicas que seriam os beneficiários finais dos rendimentos remetidos pelos fundos.

Nos casos de autuações já formalizadas, nas quais os contribuintes, no entendimento do Fisco, não obtiveram êxito em apresentar documentação apta a demonstrar os beneficiários dos rendimentos pagos pelos fundos, as autoridades fiscais impuseram IRRF à alíquota de 35%, com fundamento nas regras relativas a pagamento a beneficiário não identificado (artigo 61 da Lei nº 8.981).

Diante disso e tendo em vista a edição da Instrução Normativa nº 1.634/2016 – que, apesar de ter finalidade cadastral, exige a manutenção de registros sobre os beneficiários dos investimentos – é recomendável que as administradoras de FIPs levantem as informações e, principalmente, a documentação relativa aos beneficiários efetivos para se antecipar a possíveis fiscalizações e evitar os efeitos da aplicação de alíquotas efetivas que podem chegar a 53%, em razão da alegação de beneficiário não identificado.

De posse dessas informações e documentação, o Fisco poderá passar a verificar o perfil do beneficiário, especialmente sua residência, para analisar se ele efetivamente fazia jus ao tratamento fiscal mais benéfico. Nessa hipótese, caso sejam identificados brasileiros ou residentes em países com tributação favorecida, as autoridades fiscais poderão vir a cobrar IRRF à alíquota de 15% em relação a esses beneficiários, acrescido de multa e juros.

Ainda que a apresentação da documentação possa vir a dar margem a uma segunda etapa de ação do Fisco, a vantagem é que estaria afastada a alegação de beneficiário não identificado, o que poderia levar a uma tributação à alíquota de 35% sobre a totalidade de rendimentos pagos pelos fundos.

Caso sejam apresentados os documentos devidos, caberá ao Fisco analisar cada caso individualmente e cobrar o tributo tão somente em relação ao beneficiário que, no entendimento do órgão, não cumpra os requisitos para obter o tratamento fiscal diferenciado.

Como consequência prática da nova realidade fiscal que circunda os FIPs no Brasil, caberá às administradoras avaliar alternativas para mitigar riscos, considerando, por exemplo, a implementação de diferentes estruturas de investimento para segregar os investidores com diferentes perfis. A corrida da Receita Federal já começou e agora caberá às administradoras dos fundos buscar diferentes caminhos para amenizar os riscos de autuação relacionados ao pagamento de rendimentos a beneficiários não residentes.