A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pôs fim, recentemente, a um debate que perdurava há mais de 20 anos nos tribunais. Ao julgar os embargos de divergência no Recurso Especial (EREsp) 1.213.143/RS, a 1ª Seção reconheceu o direito de o contribuinte manter o crédito do IPI, mesmo diante de saídas de produtos desonerados do imposto.

O IPI é um imposto sujeito ao regime não cumulativo e, nos termos do artigo 153 da Constituição Federal, “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.

No caso do IPI, a não cumulatividade é irrestrita, ao contrário do estabelecido para o ICMS, em que há necessidade de estornar o crédito nas saídas desoneradas.

Também o art. 150, parágrafo 6º, da CF/88 permite que, mediante lei específica, se reconheça o direito ao crédito dos impostos não cumulativos em outras hipóteses que venham a se tornar norma.[1]

A não cumulatividade como técnica, portanto, comporta sistemáticas distintas. Esse, aliás, é o motivo para haver normas constitucionais diferentes para tratar da não cumulatividade do IPI e da não cumulatividade do ICMS.

Nesse contexto, e com base na prerrogativa disposta no artigo 150, parágrafo 6º, da CF/88, o Congresso Nacional editou a Lei 9.779/99 para tornar explícito o direito de os contribuintes manterem o crédito do IPI, inclusive em caso de saída de produto final desonerada do imposto:

“Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.”

Com a publicação da Lei 9.779/99, a Receita Federal da 7ª Região chegou a reconhecer a possibilidade de o contribuinte manter o crédito do IPI oriundo da aquisição de insumos tributados pelo IPI aplicados em produto final desonerado do imposto:

“PRODUTO FINAL IMUNE. CREDITAMENTO. POSSIBILIDADE.

Segundo o entendimento administrativo dominante, o disposto no art. 11 da Lei 9.779/99 defere genericamente ao industrial de produtos imunes o direito de crédito quanto aos insumos e o respectivo aproveitamento para, sucessivamente, compensar com IPI porventura devido, compensar com outro tributo ou obter ressarcimento em espécie, obedecidas as formalidades pertinentes. Dispositivos Legais: CF, art. 150, VI, “d”, art. 153, §3, II e III, art. 155, §3ª; Lei 9.779/99, art. 11; IN 33/99, AND COSIT 17/00.”[2]

No entanto, o fisco reviu sua posição após a edição do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) 05/06 e passou a aplicá-lo. Pelo disposto nesse ADI, não seria permitida a manutenção do crédito de IPI quando os insumos fossem aplicados em produto final com notação NT (não tributado).

No âmbito do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), em algumas ocasiões reconheceu-se o direito à manutenção do crédito do IPI, inclusive em caso de saída desonerada:

“IPI. RESSARCIMENTO CRÉDITO MÁTERIA-PRIMA, PRODUTO INTERMEDIÁRIO E MATERIAL DE EMBALAGEM. PRODUTO IMUNE. Os produtos constantes na TIPI como não tributáveis por força da imunidade constitucional e que não estejam excluídos do conceito de industrialização do art. 3º do RIPI/98 devem gozar do direito ao ressarcimento dos créditos relativos aos insumos empregados no processo produtivo, consoante dispõe o art. 11 da Lei nº 9.779/99. Recurso provido em parte.”[3]

Mas após a fixação do tema na Súmula Carf 20, o direito à manutenção do crédito do IPI nas saídas desoneradas vinha sendo reconhecido apenas em caso de saídas destinadas ao exterior:

Não há direito aos créditos de IPI em relação às aquisições de insumos aplicados na fabricação de produtos classificados na TIPI como NT.”[4]

Como o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a discussão sobre a possibilidade de manutenção do crédito prevista na Lei 9.779/99 seria de ordem infraconstitucional,[5] coube ao STJ a palavra final sobre o tema.

O leading case foi o EREsp 1.213.143/RS, distribuído para a relatoria da ministra Assusete Magalhães, que votou por não reconhecer o direito à manutenção do crédito do IPI nas saídas desoneradas do imposto. A ministra Regina Helena Costa pediu vista e votou no sentido de reconhecer o direito à manutenção do crédito de IPI, inclusive na saída de produtos desonerados do imposto.

Encerrado o debate sobre o assunto entre os Ministros da 1ª Seção, firmou-se o entendimento de que é legítima a manutenção do crédito do IPI, inclusive em saídas de produto final desoneradas do imposto:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. OUTORGA DE CRÉDITO POR MEIO DO ART. 11 DA LEI N. 9.779/1999. CREDITAMENTO AUTÔNOMO. DESVINCULAÇÃO DA REGRA DA NÃO CUMULATIVIDADE – DISTINGUISHING. UTILIZAÇÃO DO SALDO CREDOR DE IPI NA INVIABILIDADE DA COMPENSAÇÃO COM O MENCIONADO TRIBUTO INCIDENTE NA SAÍDA. HIPÓTESE DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO. POSSIBILIDADE.

(...)

III – A Lei n. 9.779/1999 instituiu o aproveitamento de créditos de IPI como benefício fiscal autônomo, uma vez que não traduz mera explicitação da regra da não cumulatividade.

IV – Por tratar-se do aproveitamento de créditos de IPI como benefício autônomo, diretamente outorgado por lei para a saída desonerada, a discussão devolvida pelos Embargos de Divergência distancia-se do núcleo da polêmica envolvendo a não cumulatividade desse tributo – necessidade de distinguishing -, cuidando-se, inclusive, de matéria eminentemente infraconstitucional.

V – O art. 11 da Lei n. 9.779/1999 confere o crédito de IPI quando se revelar inviável ao contribuinte a compensação desse montante com o mencionado tributo incidente na saída de outros produtos. Na impossibilidade da utilização da soma decorrente da entrada onerada, o apontado artigo oportuniza a consolidada via dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Autorizado, portanto, o emprego do valor lançado na escrita fiscal, justamente com a saída "de outros produtos". Reitere-se que os produtos outros, nesse contexto, podem ser isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributados.

VI – Inaceitável restringir, por ato infralegal, o benefício fiscal conferido ao setor produtivo, mormente quando as três situações – isento, sujeito à alíquota zero e não tributado –, são equivalentes quanto ao resultado prático delineado pela Lei do benefício.

VII – Encontra, portanto, abrigo legal o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem tributados, nas saídas de produtos não tributados no período posterior à vigência do art. 11 da Lei n. 9.779/1999.

(...)

IX – Embargos de Divergência improvidos.”[6]

Uniformizada em definitivo a jurisprudência sobre o direito à manutenção do crédito do IPI, inclusive nas saídas desoneradas, a Súmula Carf 20 tornou-se obsoleta. Por essa razão, e diante do artigo 19 da Lei 10.522/02,[7] os julgadores do Carf deverão readequar sua jurisprudência sobre o tema e passar a seguir o entendimento firmado pelo STJ.

 


[1]“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

  • 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”

[2] Solução de Consulta SRRF/7ª RF/DISIT 248/2000

[3] Acórdão 202-16.984, relatora-designada: Maria Cristina Roza da Costa, DOU de 21/08/2007

[4] Súmula Carf 20. Vinculante, conforme Portaria MF 277, de 07/06/2018, DOU de 08/06/2018

[5] “SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. PRODUTOS COM SAÍDAS NÃO TRIBUTADAS. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. 1. O regime jurídico do IPI se completou com o art. 11 da Lei 9.779/1999, de modo que o direito de creditamento das saídas isentas, não tributadas ou sujeitas à alíquota zero somente mostra-se possível com o advento do referido diploma legal. Precedentes. 2. Apesar de possuírem naturezas jurídicas díspares, não há diferenciação nas situações em que os produtos estão sujeitos a saídas isentas, não tributadas ou reduzidas à alíquota zero, pois a consequência jurídica é a mesma dentro da cadeia produtiva, em razão da desoneração tributária do produto final. (...) 4. A verificação da abrangência do benefício fiscal instituído pelo art. 11 da Lei 9.779/1999 cinge-se ao âmbito infraconstitucional. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 2ª Turma, AgR no AgR no RE 379.843, DJU de 27/03/2017)”

[6] DJU de 01/02/2022

[7] “Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:

(...)

VI – tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando:

a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou

b) não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional;”