O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) deve decidir em agosto se aceita a instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) para uniformizar a jurisprudência a respeito da reparação de áreas contaminadas em São Paulo.

O pedido de instauração foi feito pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) para estabilizar o entendimento do TJ-SP sobre os padrões e limites da reparação de áreas contaminadas no estado, dado o grande número de inquéritos civis e ações civis públicas que discutem o tema. O IRDR é uma inovação do Código de Processo Civil de 2015, cabível quando existem diversas demandas repetidas sobre uma mesma matéria que podem pôr em risco a isonomia ou a segurança jurídica.

Nesse caso específico, o MP-SP propõe a discussão de diversas questões jurídicas controvertidas:

  • Reparação integral da área: a tese defendida pelo MP-SP é de que a remediação deverá ser integral, compreendendo todas as espécies de dano ambiental (patrimonial, extrapatrimonial e intercorrente) e todas as formas de reparação (restauração, recuperação, compensação e indenização). Tal tese se oporia ao entendimento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) de que é suficiente a reabilitação para o uso declarado da área, pautada no reestabelecimento de riscos aceitáveis à saúde humana.

  • Primazia das medidas de descontaminação: argumenta o autor que as medidas de restauração e recuperação da área (descontaminação) apenas podem ser substituídas por medidas de contenção, controle e engenharia (controle) caso seja comprovada a inviabilidade econômico-financeira da descontaminação. Expõe, ainda, que as medidas de controle têm caráter precário, devendo ser revisadas periodicamente.

  • Danos intercorrentes: o MP-SP pretende o reconhecimento formal dos danos intercorrentes ao meio ambiente em casos de remediação de contaminação pelo período em que a coletividade ficou privada dos bens e recursos ambientais. Segundo esse entendimento, todo processo de gerenciamento de áreas contaminadas deveria prever a compensação e/ou a indenização pelos danos intercorrentes.

  • Separação da responsabilidade civil e administrativa ambiental: o MP-SP busca afastar a tese de que a conclusão do processo administrativo de gerenciamento conduzido pela Cetesb esgotaria (ou ao menos mitigaria) a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.

  • Restauração da qualidade da água: o autor entende que o gerenciamento da contaminação da água subterrânea só pode ser encerrado caso sejam atingidos os parâmetros de potabilidade ou de enquadramento de corpos hídricos. Esse raciocínio havia sido consolidado pela Cetesb na recente Decisão de Diretoria nº 038/2017/C.

  • Aplicação de novas diretrizes da Cetesb aos processos de remediação já concluídos: a proposta é aplicar a Decisão de Diretoria nº 038/2017/C a todos os processos de gerenciamento de contaminação, inclusive aos já concluídos, especialmente quanto à reparação e à restauração da qualidade da água subterrânea, segundo a compreensão do MP-SP da norma em questão.
A admissão do IRDR, que foi distribuído ao desembargador relator Marcelo Berthe, está pautada para julgamento pelo Grupo Especial de Câmaras de Direito Ambiental em 10 de agosto. Caso o TJ-SP entenda pela sua instauração, será suspensa a tramitação de todos os feitos repetidos no estado de São Paulo até que haja decisão final sobre o mérito do procedimento, no limite de um ano.

Para o julgamento do mérito, o desembargador relator poderá ouvir depoimentos de especialistas no assunto em sede de audiência pública, além das partes envolvidas. Uma vez julgado o IRDR, a tese jurídica fixada deverá ser aplicada por todos os juízes e tribunais do estado nos casos repetidos presentes e futuros.

Com a pacificação da jurisprudência do TJ-SP sobre os temas suscitados, espera-se maior previsibilidade do desfecho das ações presentes e futuras, bem como da atuação do MP-SP nos inquéritos civis que preside. Considerando a existência de decisões conflitantes sobre remediação de contaminação e as recentes normas sobre o seu gerenciamento, a consolidação de um entendimento único sobre o tema fixará os limites e padrões para o encerramento dos procedimentos nas esferas cível e administrativa.

Contudo, há risco de que a decisão do IRDR cause incerteza quanto aos processos de gerenciamento de contaminação encerrados perante o órgão ambiental, pois o MP-SP solicitou a aplicação das novas diretrizes da Cetesb aos processos de remediação já concluídos.