Por Eduardo Perazza de MedeirosClarissa FreitasAntonia Quintella de Azambuja

Após amplo debate, no último dia 18 de junho foi publicada pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a Instrução CVM nº 607, de 17 de junho de 2019 (“Instrução CVM 607”), que regula o rito dos procedimentos relativos à atuação sancionadora da CVM. A Instrução CVM 607 entrará em vigor em 1º de setembro deste ano e, com a sua entrada em vigor, serão revogadas as diversas instruções e deliberações anteriores que tratavam do tema [1].

Por meio da edição da referida norma, a CVM buscou consolidar as disposições anteriores que disciplinavam o papel sancionador exercido pela autarquia e sistematizar o trâmite dos processos administrativos instaurados pela CVM. O Presidente da CVM, Marcelo Barbosa, afirmou que a Instrução CVM 607 trará maior previsibilidade tanto para os agentes do mercado quanto aos procedimentos adotados pela CVM[2].

Essa organização do arcabouço normativo aplicável à atuação sancionadora da CVM busca essencialmente a consolidação da regulamentação em vigor e a sua adequação às novas regras estabelecidas pela Lei nº 13.506/2017, que alterou, dentre outras, a Lei do Mercado de Capitais, dispondo sobre os processos administrativos sancionadores na esfera de atuação do Banco Central do Brasil e da CVM.

Entre outras medidas, a Lei nº 13.506/2017, cujos termos foram refletidos e detalhados na Instrução CVM 607, (i) aumentou consideravelmente o limite máximo da pena de multa aplicável pela CVM[3]; (ii) ampliou as hipóteses de tipificação do  crime de insider trading; (iii) instituiu a possibilidade de substituição do processo administrativo sancionador por outros meios de supervisão; (iv) introduziu o acordo administrativo em processo de supervisão[4]; e (v) excluiu o efeito suspensivo automático do recurso administrativo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (“CRSFN”) contra decisões do Colegiado da CVM que impuserem penalidades consideradas graves.

Além de regulamentar as alterações introduzidas pela Lei nº 13.506/2017, a Instrução CVM 607 disciplina as regras, procedimentos e prazos para prática dos atos processuais no âmbito dos processos administrativos sancionadores (tanto antes da sua instauração, quanto ao longo da sua tramitação), bem como como dispõe sobre os parâmetros que devem ser considerados pela CVM quando da aplicação das penalidades previstas nas normas aplicáveis ao mercado de valores mobiliários.

Nesse sentido, a Instrução CVM 607 esclarece, por exemplo, que todos os prazos serão contados em dias úteis[5] (art. 25, caput) e não poderão ser inferiores a 10 (dez) dias (art. 25, §4º). A Instrução CVM 607 também contempla a implementação do processo eletrônico pela CVM e prevê a possibilidade de citação e intimação do investigado por meio eletrônico, além de disciplinar de forma detalhada como se dará a citação do acusado.

A norma também fixa os parâmetros objetivos que devem ser observados pela superintendência responsável na instauração de processos sancionadores e determina que a CVM deverá priorizar as infrações de natureza grave – aquelas infrações definidas no Anexo 64 da Instrução CVM 607 e nas demais normas da CVM, para as quais podem ser aplicadas penas de suspensão, inabilitação e proibição do exercício de determinados cargos ou da prática de determinadas atividades ou operações no âmbito do mercado de valores mobiliários, com maior efeito educativo e preventivo para os infratores e os participantes do mercado.

Na mesma linha, obedecendo ao comando da Lei nº 13.506/2017, a Instrução CVM 607 prevê expressamente que a superintendência responsável poderá deixar de lavrar termo de acusação – requisito para a instauração de processo sancionador – quando restar demonstrada (i) a pouca relevância da conduta, a baixa expressividade da ameaça ou da lesão ao bem jurídico tutelado; e (ii) a possibilidade de utilização de outros instrumentos ou medidas de supervisão que julgarem mais efetivos (art. 4º, inciso I, alínea “b” da Instrução CVM 607).

Além das hipóteses em que a CVM poderá deixar de acusar investigados, a Instrução CVM 607 também elenca as circunstâncias que devem ser consideradas atenuantes pela CVM quando da mensuração da dosimetria das penas aplicadas aos infratores. Entre os atenuantes elencados no rol do art. 66, a adoção de mecanismos e procedimentos internos de compliance, bem como a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta internos devem ser considerados fatores atenuantes. Com isso, empresas que implementam programas de compliance de forma efetiva poderão receber penas mais leves se forem condenadas por violações às normas que regulam o mercado de valores mobiliários.

O trâmite dos processos administrativas perante órgãos como a CVM, o BACEN, etc. e até mesmo a dosimetria das penalidades aplicadas pela CVM sempre foram marcados por uma certa imprevisibilidade, em especial quando comparado aos processos judiciais, disciplinados minuciosamente pelo Código de Processo Civil, a legislação especial processual e os regimentos internos do Poder Judiciário, inter alia.

A edição da Instrução CVM 607 representa um enorme avanço na atuação sancionadora da CVM, pois a referida norma confere maior previsibilidade e segurança não só para os advogados que atuam junto ao órgão regulador, como aos agentes do mercado que estão sujeitos à fiscalização da CVM.

Jota
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(Notícia na Íntegra)


[1] Entre elas a Deliberação CVM nº 390/2001, que tratava da celebração de termos de compromisso junto à CVM por investigados ou acusados, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.385/1976 (Lei do Mercado de Capitais) e a Deliberação CVM nº 538/2008, que tratava dos processos administrativos sancionadores instaurados pela CVM.

[2] Apresentação feita no seminário sobre O novo marco normativo da atuação sancionadora da Comissão de Valores Mobiliários organizado pela Câmara de Comércio França-Brasil no Rio de Janeiro no último dia 11 de julho.

[3] Com as alterações trazidas pela Lei nº 13.506/2017 e refletidas no art. 61 da Instrução CVM 607, a CVM passou a poder aplicar multas de até R$50 milhões (antigamente o teto era de R$500 mil), ou, alternativamente, a impor pena pecuniária em valor equivalente ao dobro do valor da emissão, da operação irregular, ou do prejuízo causado aos investidores em decorrência do ilícito, ou até mesmo ao triplo do montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito.

[4] Trata-se de mecanismo similar ao acordo de leniência, por meio do qual o infrator confessa a prática de infração às normas legais ou regulamentares cujo cumprimento cabe à CVM fiscalizar e se compromete a auxiliar a CVM na identificação dos demais infratores e na comprovação das suas infrações, em troca da extinção da ação punitiva ou da redução da sua pena em um a dois terços. (somente para confirmar: a norma prevê a extinção da ação punitiva mesmo? Não era apenas a redução?)

[5] Exceto o prazo para interposição de recurso administrativo CRSFN contra decisões do Colegiado da CVM, cf. disposto no art. 70 da Instrução CVM 607.