Alguns meses depois da promulgação da Lei nº 13.506/2017 e de amplo debate com diversos participantes do mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública a minuta da nova instrução que regulamentará sua atividade sancionadora, adequando-se à nova legislação. Os comentários podem ser feitos até 17 de agosto de 2018.

A minuta de instrução tem como um dos principais objetivos prover maior segurança jurídica aos regulados em relação ao rito dos procedimentos de sanção da autarquia, além de estabelecer critérios claros e objetivos para a dosimetria das penas previstas na Lei nº 13.506, outro ponto importante aguardado pelo mercado.

A CVM aproveitará a minuta de instrução para consolidar em uma única norma regras dispersas do próprio órgão sobre o mesmo tópico. Com a consolidação, serão revogadas as deliberações CVM nº 390/2001, nº 538/2008 e nº 542/2008, bem como a Instrução nº 491/2011.

A Lei n 13.506 foi publicada em 14 de novembro do ano passado e dispõe sobre o processo administrativo sancionador nas esferas de atuação do Banco Central do Brasil (BCB) e da CVM. Na mesma data, o BCB publicou a Circular nº 3.857, regulamentando a nova lei e dispondo sobre o processo administrativo sancionador no âmbito do BCB (veja mais detalhes neste artigo).

Entre as principais inovações da Lei nº 13.506, destaca-se o aumento do limite máximo das multas que podem ser impostas pelo BCB e pela CVM, a previsão expressa de uma possível substituição do processo administrativo sancionador por outros meios de supervisão, a introdução do acordo administrativo em processo de supervisão (acordo de supervisão), além de regras sobre o procedimento de apuração das infrações e regras processuais, de julgamento e de produção de provas, recursos, rito simplificado e termo de compromisso. Esses aprimoramentos foram considerados um reforço aos instrumentos regulatórios que podem ser utilizados pelo BCB e pela CVM no exercício de suas funções de supervisão e sanção dos mercados financeiro e de valores mobiliários.

A seguir, destacamos alguns dos principais temas propostos na minuta de instrução da CVM.

Apuração de infrações administrativas. A proposta de instauração de inquérito administrativo deverá ser apresentada pelas superintendências à Superintendência Geral (SGE), que poderá formular termo de acusação ou propor a instauração de inquérito administrativo. A condução do inquérito administrativo caberá à Superintendência de Processos Sancionadores (SPS), em conjunto com a Procuradoria Federal Especializada (PFE), em até 180 dias contados da data de instauração, prazo que pode ser prorrogado. Em seguida, a SPS e a PFE formularão peça de acusação ou proporão o arquivamento do inquérito à Superintendência Geral quando não houver provas suficientes para formular a acusação, houver convencimento quanto à inexistência da infração ou em caso de extinção da punibilidade do acusado. Como alternativa à instauração de processo sancionador, é possível aplicar procedimento preventivo e orientador, observados os seguintes critérios propostos na minuta de Instrução, entre outros: (i) o grau de reprovabilidade ou da repercussão da conduta, (ii) a expressividade de valores associados ou relacionados à conduta, (iii) a expressividade de prejuízos, ainda que potenciais, a investidores e demais participantes do mercado, (iv) o impacto da conduta na credibilidade do mercado de capitais, (v) os antecedentes das pessoas envolvidas; ou (vi) a boa-fé das pessoas envolvidas.

Aplicação de penalidades e dosimetria da pena. Entre as alterações mencionadas acima, destaca-se a adoção de parâmetros e procedimentos para dosimetria das penas. A Lei nº 13.506 modificou os limites de multas, que não poderão exceder: (i) R$50 milhões; (ii) o dobro do valor da emissão ou da operação irregular; (iii) três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ato ilícito; ou (iv) o dobro do prejuízo causado aos investidores em decorrência do ato ilícito. Ainda, a Lei nº 13.506 estabelece que a multa aplicável pela CVM pode ser triplicada em casos de reincidência ou na hipótese de cumulação de penalidades. Nesse sentido, a CVM estabeleceu na minuta de instrução critérios objetivos e procedimentos que deverão ser observados na dosimetria das penas: (i) fixação da pena-base (que deverá levar em consideração a gravidade da conduta e a capacidade econômica do infrator); (ii) aplicação de circunstâncias agravantes1 e atenuantes2, que poderão resultar no acréscimo ou na redução de 10% a 20% da pena-base para cada circunstância verificada; e (iii) aplicação de causa de redução de pena, que poderá reduzi-la de um a dois terços, caso o dano financeiro a investidores ou minoritários seja integralmente reparado até o julgamento do processo em primeira instância. Em anexo à minuta de instrução, a CVM dividirá as penas em cinco grupos conforme a gravidade, variando de R$ 300 mil a R$ 20 milhões.

Termos de compromisso. A CVM poderá celebrar termo de compromisso para encerrar processo sancionador, sem confissão quanto à matéria de fato nem reconhecimento de ilicitude da conduta. O interessado deverá manifestar sua intenção de celebrar termo de compromisso no prazo para a apresentação de defesa, comprometendo-se a cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos, se for o caso, e corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos individualizados ou interesses difusos ou coletivos no âmbito do mercado de valores mobiliários. O Comitê de Termo de Compromisso (cuja composição e funcionamento serão disciplinados posteriormente) deverá deliberar sobre a proposta de termo de compromisso até o prazo máximo de 30 dias, considerando, entre outros elementos, a oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo, os antecedentes dos acusados ou investigados ou a colaboração de boa-fé destes, e a efetiva possibilidade de punição, no caso concreto. Diferentemente da Circular BCB nº 3.857, que proibiu a celebração de termos de compromisso pelo BCB em caso de determinadas infrações graves, não existe na minuta de instrução proibição expressa de termos de compromisso conforme os tipos de infração.

Acordo de supervisão. O acordo de supervisão é um mecanismo introduzido pela Lei nº 13.506 no âmbito do processo administrativo sancionador da CVM, reforçando os mecanismos regulatórios que podem ser utilizados pela CVM na supervisão do mercado de valores mobiliários. O acordo de supervisão terá função similar aos acordos de leniência, e não afeta a atuação ou as prerrogativas legais do Ministério Público ou das demais entidades públicas, como é o caso do BCB e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no âmbito das atribuições ou competências desses órgãos (com os quais a CVM procurará estabelecer uma atuação coordenada).

O acordo de supervisão poderá ser proposto a qualquer momento até o julgamento em primeira instância, sendo mantido em sigilo até o julgamento de todos os acusados. Caberá ao Comitê de Acordo de Supervisão (cuja composição e funcionamento serão disciplinados posteriormente) avaliar a admissibilidade das propostas de acordo, manifestando-se em 30 dias contados da apresentação da proposta e prorrogáveis por igual período. Celebrado o acordo, com a confissão expressa da participação dos seus signatários em ato ilícito, serão concedidos os seguintes efeitos: (i) a extinção da ação punitiva da administração pública, na hipótese em que a proposta tiver sido apresentada sem que a CVM tivesse conhecimento prévio da infração noticiada ou (ii) a redução de um terço a dois terços das penas aplicáveis na esfera administrativa, na hipótese em que a CVM tiver conhecimento prévio da infração noticiada. Caso a proposta de acordo de supervisão seja rejeitada, não haverá confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta objeto da proposta, da qual não se fará qualquer divulgação.

Efeitos dos recursos ao CRSFN. A Minuta de Instrução estabelece que o recurso ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional contra decisão que impuser as penalidades de advertência ou multa, terá efeito suspensivo e, nos casos de inabilitação temporária, proibição temporária ou suspensão de autorização ou registro, terá efeito devolutivo, sendo facultado ao apenado requerer o efeito suspensivo do recurso ao colegiado no prazo de 10 dias contado da intimação da decisão.

Ponto polêmico da minuta de instrução é a possibilidade, prevista no art. 70, de a CVM “proibir os acusados de contratar, por até cinco anos, com instituições financeiras oficiais e de participar de licitação que tenha por objeto aquisições, alienações, realizações de obras e serviços e concessões de serviços públicos, no âmbito da administração pública federal, estadual, distrital e municipal e das entidades da administração pública indireta”. Repetindo dispositivo da Lei nº 13.506, o art. 70 vem sofrendo questionamentos por parte do mercado e da doutrina, no sentido de que, ainda que reflita de forma óbvia o movimento nacional de reação aos recentes casos de corrupção, com inclusões de previsão semelhante em diversas esferas regulatórias, ele extrapolaria o âmbito da competência da CVM, uma vez que a autarquia, nos termos da lei que a criou, teria poderes para regulamentar apenas questões relacionadas ao mercado de capitais, e não à administração pública.


1 São circunstâncias agravantes, conforme art. 67: (i) a reincidência, caso não tenha sido considerada na fixação da pena-base; (ii) a prática sistemática ou reiterada da conduta irregular; (iii) o elevado prejuízo causado a investidores ou acionistas minoritários; (iv) a expressiva vantagem auferida ou pretendida pelo infrator, desde que a pena-base não tenha sido fixada com fundamento na vantagem econômica obtida; (v) a existência de dano relevante à imagem do mercado de valores mobiliários ou do segmento em que atua; (vi) o cometimento de infração mediante fraude ou simulação; (vii) o comprometimento ou risco de comprometimento da solvência da companhia aberta; (viii) a violação de deveres fiduciários decorrentes do cargo, posição ou função que ocupa; e (ix) a ocultação de provas da infração mediante ardil, fraude ou simulação.

2 São circunstâncias atenuantes, conforme art. 68: (i) a confissão do ilícito ou a prestação de informações relativas à sua materialidade; (ii) os bons antecedentes do infrator; (iii) a regularização da infração; (iv) a boa-fé dos acusados; ou (v) a adoção efetiva de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.