O Ofício Circular CVM/SSE 4/2023, publicado em 4 de abril deste ano, regula a equiparação de tokens de recebíveis ou tokens de renda fixa a valores mobiliários. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Supervisão de Securitização (SSE) definem como destinatários do ofício os prestadores de serviços de tokenização.

Para entender o conteúdo do ofício e suas implicações para o mercado de capitais brasileiro, é importante esclarecer antes o conceito de tokenização, prática crescente em todo o mundo.

Em linhas gerais, tokenização é a transformação de ativos ou produtos financeiros físicos e convencionais em ativos digitais com base na tecnologia de blockchain. Sua grande vantagem está no fato de que, uma vez registradas em padrão blockchain, as informações não podem mais ser modificadas nem fraudadas, o que resulta em um ambiente financeiro com elevado grau de proteção contra fraudes.

Além disso, por estar baseada no uso da tecnologia, a tokenização facilita a negociação de ativos financeiros, removendo diversas barreiras operacionais envolvidas em negociações tradicionais.

As vantagens da prática de “tokenização” justificam o relevante aumento dessas transações no mercado de capitais nacional e internacional e, consequentemente, sua regulamentação pelos órgãos reguladores, como a CVM.

O Ofício Circular CVM/SSE 4/2023 emerge, portanto, nesse contexto e se impõe principais três objetivos:

  1. Orientar seus destinatários em relação à natureza jurídica dos tokens de recebíveis ou tokens de renda fixa.
  2. Esclarecer quais ofertas de tokens de recebíveis podem ter seu registro regulado pela Resolução CVM 88/22.
  3. Disciplinar o fornecimento de informações sobre os tokens de recebíveis, bem como apresentar requisitos a serem por eles observados, em consonância com as determinações do Parecer de Orientação 40/22.

Equivalência regulatória de criptoativos a valores mobiliários

Para compreender com clareza a equivalência de tokens de recebíveis a valores mobiliários, bem como as disposições do Ofício Circular CVM 4/2023, é preciso analisar primeiro as disposições do Parecer de Orientação 40/22, emitido pela CVM. O documento apresenta a possibilidade de enquadramento dos criptoativos na regulação destinada originalmente a valores mobiliários, estabelecendo os critérios para a equivalência para fins regulatórios.

Nos termos do parecer, serão considerados valores mobiliários os criptoativos que consistam na representação digital dos valores mobiliários, conforme sua conceituação legal e normativa. O objetivo de tal determinação foi não descaracterizar determinado ativo como um valor mobiliário exclusivamente em razão da utilização de Distributed Ledger Technologies (DLTs) ou outras tecnologias utilizadas para sua emissão.

Dessa forma, o Parecer 40/22 abriu a possibilidade de aplicação de suas disposições (de equivalência regulatória a valores mobiliários) aos tokens de recebíveis, já que estes se configuram como espécie de criptoativos. O Ofício Circular CVM/SSE 4/2023 surge, portanto, para complementar e esclarecer tal equivalência regulatória, além de determinar a necessidade de observância das normas cabíveis para as ofertas públicas de tokens de recebíveis.

Tokens de recebíveis e sua natureza de valores mobiliários

Conforme já mencionado, o ofício circular concretiza a possibilidade aberta pelo Parecer de Orientação 40/22, ao enquadrar explicitamente os tokens de recebíveis na categoria de valores mobiliários, caso tais tokens preencham os requisitos indicados no parecer.

O ofício circular aponta, ainda, possível equiparação indireta de ofertas públicas de emissão de tokens de recebíveis com as já conhecidas e reguladas operações de securitização, além de também indicar equiparação direta entre os tokens de recebíveis e os contratos de investimentos coletivos (também valores mobiliários).

Os critérios a serem analisados para se considerar como valor imobiliário um token de recebíveis são aqueles elencados no Parecer de Orientação 40/22:

  • O investimento: caracterizado como o aporte de dinheiro ou bem suscetível de avaliação econômica realizado pelo investidor;
  • A formalização: aponta que a aquisição de token pelo investidor deve ter seu registro em rede DLT. Assim, cada token passa a corresponder a um título ou contrato;
  • O caráter coletivo do investimento;
  • A expectativa, pelos investidores, de benefício econômico;
  • O esforço de empreendedor ou de terceiro: refere-se à exigência de que as atividades desempenhadas em relação aos tokens sejam realizadas, de maneira preponderante, por terceiro que não o investidor; e
  • Oferta pública.

Como implicações práticas das determinações e inovações apresentadas pelo ofício analisado, tem-se que, a partir de agora, as ofertas públicas de tokens de recebíveis realizadas pelas “tokenizadoras”, caso preenchidos os requisitos para sua classificação como valores mobiliários, deverão ocorrer em consonância com a normatização da CVM.

A Resolução CVM 88/22 e a possibilidade de realizar ofertas de tokens de recebíveis

Diante dos desafios para o registro de ofertas públicas de tokens de recebíveis que sejam considerados valores mobiliários, o Ofício Circular 4/23 abriu a possibilidade de compatibilizar ofertas com valor total de até R$15 milhões a ofertas de certificados de recebíveis.

Do ponto de vista prático, abre-se a possibilidade de ofertas públicas de tokens de recebíveis de até R$15 milhões por companhias securitizadoras de capital fechado sem registro na CVM, cumprido o regime de registro indicado na Resolução CVM 88/22 (voltada às ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários realizadas por sociedades empresariais de pequeno porte, estabelecendo, para tais casos, a dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo).

Acompanhando as determinações da Resolução CVM 88/22, o ofício circular reitera que a companhia securitizadora tem obrigação de contratar um escriturador na emissão de tokens de recebíveis, nas hipóteses em que se verificar as situações indicadas nos artigos 12 e 3 da resolução.