A Lei Federal nº 14.066/20, publicada em 30 de setembro, estabelece importantes novidades na legislação referente a barragens em geral, sobretudo com alterações à Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), instituída pela Lei Federal nº 12.334/10. Embora a PNSB não trate apenas de barragens de contenção de rejeitos de mineração, as alterações legislativas foram propostas e receberam maior atenção após os eventos de rompimento de barragens, em Mariana (2015) e Brumadinho (2019).

No estado de Minas Gerais, algumas das alterações realizadas na PNSB já haviam sido implementadas por meio da Lei Estadual nº 23.291/19, como a proibição de construção ou alteamento de barragens de mineração pelo método a montante. As barragens já construídas ou alteadas por esse método deverão ser descaracterizadas até 25 de fevereiro de 2022, prazo que poderá ser estendido pela autoridade fiscalizadora e pela autoridade licenciadora, observada a viabilidade técnica.

Além disso, o método construtivo e a idade da barragem serão considerados agora para fins de classificação da estrutura por categoria de risco. A classificação de risco também poderá levar em conta critérios estabelecidos pelo órgão fiscalizador, o que talvez represente menor segurança para o empreendedor, que terá a classificação de suas barragens alterada por critérios não previstos em lei. A insegurança jurídica se acentua com a previsão de que o órgão fiscalizador deverá exigir do empreendedor a adoção de medidas que levem à redução da categoria de risco da barragem, sem deixar explícito e determinado de que maneira isso ocorrerá e o que pode significar na prática.

As alterações na PNSB tentaram definir melhor alguns termos e expressões recorrentemente utilizados nos últimos anos, de forma técnica ou não. Nesse sentido, definiu-se barragem descaracterizada, como “aquela que não opera como estrutura de contenção de sedimentos ou rejeitos, não possuindo características de barragem, e que se destina a outra finalidade”. A fim de apaziguar polêmicas e debates típicos em casos de gerenciamento de crises, foram acrescentadas as definições de “acidente”, “incidente” e “desastre”. Enquanto o acidente decorre do colapso total ou parcial da barragem, o incidente é um passo anterior, em que há comprometimento da integridade da estrutura. Já o desastre é o resultado do evento adverso, de origem natural ou induzido pela ação humana, que causa significativos danos humanos, materiais ou ambientais, além de prejuízos econômicos e sociais.

Foram acrescentadas diversas provisões na PNSB para garantir maior participação e informação da população em geral, sobretudo da população potencialmente impactada pelas estruturas, e maior transparência dos empreendedores. Um exemplo é a proibição de barragens de mineração cujos estudos de cenários de ruptura identifiquem a existência de comunidade na Zona de Autossalvamento (ZAS), medida adotada anteriormente no estado de Minas Gerais. Nos casos de barragens que já estejam nessa situação, instaladas ou em operação, o empreendedor deverá ser ouvido, para optar, em conjunto com o poder público, pela descaracterização da estrutura, reassentamento da população e resgate do patrimônio cultural ou pela realização de obras de reforço que garantam a estabilidade efetiva da barragem, considerando a anterioridade da barragem em relação à comunidade da ZAS e a viabilidade técnica e econômica.

Também na tentativa de garantir maior transparência aos empreendimentos, a Lei nº 14.066/20 prevê que, no caso de alteração das condições de segurança da barragem que possa implicar acidente ou desastre, o empreendedor deverá notificar imediatamente o órgão fiscalizador, a autoridade ambiental licenciadora e o órgão de proteção e defesa civil. O empreendedor também deverá prover os recursos necessários à garantia de segurança da barragem e, em caso de acidente ou desastre, à reparação dos danos à vida humana, ao meio ambiente e aos patrimônios público e privado até a completa descaracterização da estrutura. Deve-se entender o critério temporal imposto como um período mínimo, não sendo cabível a interpretação de que as reparações só serão devidas até o momento de descaracterização da estrutura, uma vez que os danos e atividades de reparação podem tomar muito mais tempo.

Ao dar maior ênfase à prevenção de danos, a Lei nº 14.066/20 também instituiu o Plano de Ação de Emergência (PAE) como parte obrigatória do Plano de Segurança de Barragem (PSB) para quaisquer barragens de mineração, ou barragens em geral de médio ou alto dano potencial, ou ainda barragens de alto risco. Além disso, a pessoa física empreendedora ou a pessoa de maior cargo na estrutura da pessoa jurídica deverá assinar e dar ciência ao PSB. O PAE deverá estar disponível no endereço eletrônico do empreendedor, conter o mapa da área de inundação, com os pontos de fuga, e ser atualizado até a completa descaracterização da estrutura.

Da mesma forma, para alguns tipos de barragem, sobretudo aquelas com médio e alto risco, ou médio e alto dano potencial, o órgão fiscalizador poderá exigir, nos termos de regulamento, a apresentação de caução, seguro, fiança ou outras garantias financeiras ou reais para a reparação dos danos à vida humana, ao meio ambiente e ao patrimônio público. Uma vez determinado pelo órgão fiscalizador, as barragens existentes terão prazo de dois anos para se adequarem.

Foram realizadas também algumas alterações no processo administrativo (e suas sanções) para caso de infrações. Após algumas discussões no Congresso Nacional, a Lei nº 14.066/20 determinou multas que variam de R$ 2 mil a R$ 1 bilhão, além de apreensão de minérios, bens ou equipamento e da suspensão das atividades minerárias, entre outras sanções.