Criada com o objetivo de contribuir para a redução de gases de efeito estufa (GEE) na produção, comercialização e no uso de biocombustíveis, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), estabelecida pela Lei Federal 13.576/17 e regulamentada pelo Decreto Federal 9.888/19, tem se mostrado uma das mais importantes políticas para promover a descarbonização da matriz energética brasileira.

Em síntese, a RenovaBio se fundamenta em três pilares:

  • O cumprimento de metas compulsórias anuais de redução de GEE pelos distribuidores de combustíveis fósseis, considerados como partes obrigadas pela RenovaBio. Essas metas são estipuladas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a partir da intensidade de carbono no mercado de combustíveis projetada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para o período de dez anos e, individualmente, com base na participação do distribuidor na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior;
  • A certificação da produção ou importação eficiente de biocombustíveis por firmas inspetoras credenciadas pela ANP. As firmas inspetoras avaliam o ciclo de vida do produto, a fim de verificar se os biocombustíveis emitem menos GEE do que os combustíveis fósseis substitutos. Após a verificação, emite-se, uma Nota de Eficiência Energético-Ambiental. Por fim, é emitido o Certificado de Produção Eficiente de Biocombustível, documento necessário para a participação dos produtores e importadores de biocombustíveis na RenovaBio; e
  • A emissão de Créditos de Descarbonização (CBIOs), considerada o elo da cadeia. Os CBIOs representam uma tonelada de gás carbônico equivalente que deixou de ser emitida para a atmosfera. O cálculo é feito a partir da diferença entre as emissões de GEE no ciclo de vida de um biocombustível e as emissões de seu combustível fóssil substituto.

Os créditos são emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis devidamente certificados pela ANP após a venda de combustíveis, com base nas notas fiscais de compra e venda do produto. Posteriormente, os créditos são negociados na bolsa de valores. Os distribuidores de combustíveis fósseis devem adquirir CBIOs, único meio possível para cumprir suas metas.

Durante o ano de 2022, houve modificações e discussões sobre o mercado de CBIOs, inclusive com a alteração do prazo para os distribuidores comprovarem o cumprimento das metas individuais. Em julho, o Decreto Federal 11.141/22 alterou o Decreto Federal 9.888/19 e determinou que os distribuidores de combustíveis fósseis comprovem o cumprimento de suas metas até 31 de março do ano subsequente.

Em caráter excepcional, a comprovação de atendimento à meta individual de 2022 foi prorrogada para 30 de setembro de 2023. A alteração foi justificada, principalmente, devido aos impactos da pandemia de covid-19 no mercado de combustíveis fósseis, biocombustíveis e CBIOs.

Mais recentemente, outras movimentações recolocaram o tema em evidência. Em 8 de dezembro de 2022, o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentou propostas de instrumentos normativos para o governo de transição, em decorrência da Iniciativa Mercado Minas e Energia (IMME). Foram incluídas medidas relacionadas a petróleo, gás natural e biocombustíveis.

Entre esses instrumentos, o MME apresentou uma proposta de lei ordinária para alterar a RenovaBio, visando estabelecer, entre outras:

  • a criação dos CBIOs+, considerados instrumentos fungíveis com outros créditos de carbono, o que, de modo amplo, permitiria que as metas individuais das partes obrigadas pela RenovaBio pudessem ser atendidas com investimento em diversos projetos de redução de GEE, não se restringindo somente às reduções de emissões oriundas do setor de biocombustíveis;
  • a alteração gradativa das partes obrigadas, substituindo os distribuidores pelos produtores e importadores de combustíveis fósseis. Em tese, isso tornaria a fiscalização do atendimento às metas mais fácil para as autoridades competentes; e
  • a possibilidade de a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) supervisionar o mercado de CBIOs, o que poderia representar um importante precedente para o mercado brasileiro.

Em sintonia com a proposta e como resultado de uma das audiências públicas com maior número de contribuições do mercado, a CVM publicou, em 23 de dezembro de 2022, a Resolução CVM 175/22, que dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços para os fundos.

Por meio dessa norma, que entrará em vigor em 3 de abril de 2023, a CVM reforçou o entendimento de que os CBIOs são ativos financeiros, desde que registrados em sistema de registro e liquidação financeira de ativos autorizado pela própria autarquia ou pelo Banco Central do Brasil, ou negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizado pela CVM.

O funcionamento da RenovaBio tem sido amplamente discutido no país para garantir que as políticas nacionais estejam coordenadas com as negociações internacionais.

Essa política é especialmente importante para que o Brasil cumpra suas metas de redução de GEE. Ela foi mencionada na Contribuição Nacionalmente Determinada brasileira (Nationally Determined Contribution – NDC, em inglês),[1] submetida à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC, em inglês) após a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima realizada em 2021 (COP 26).

Além disso, é crescente a preocupação internacional em relação às questões energéticas. A mais recente Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 27), realizada no Egito em 2022, por exemplo, teve um dia dedicado ao tema, denominado “Decarbonization Day”. Isso, sem dúvida, influencia a tomada de decisão interna dos países em relação ao combate das mudanças climáticas.

Diante desse contexto e da importância também conferida pelo Brasil ao tema, espera-se que a proposta de alteração da RenovaBio seja debatida ao longo deste ano. Se efetivada, os participantes e investidores do programa precisarão se adequar.

 


[1] As NDCs são compromissos voluntários assumidos pelos países signatários do Acordo de Paris para redução das emissões de GEE. O Brasil se comprometeu a reduzir as suas emissões em 37% até 2025 e em 50% até 2030 –tomando como referência os níveis de emissão de 2005 – e a atingir a neutralidade de carbono até 2050.