Após mais de uma década de espera, a nova regulamentação do mercado brasileiro de carbono foi promulgada no último mês de maio pelo Decreto Federal 11.075/22, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) e altera o Decreto 11.003/22 (que institui a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano).

O decreto se insere nas discussões sobre a consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, iniciada pela Lei Federal 12.187/09, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

De acordo com a PNMC, caberia ao Poder Executivo estabelecer os Planos Setoriais de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas, com vistas a atender a metas gradativas de redução de emissões de gases de efeito estufa, o que foi divulgado durante o Congresso Mercado Global de Carbono – Descarbonização & Investimentos Verdes, realizado em meados de maio pelo Banco do Brasil e pela Petrobras, com apoio do Ministério do Meio Ambiente e do Banco Central. No evento, estiveram presentes representantes dos mais diversos setores da economia e autoridades envolvidas com o tema.

Em linhas gerais, o decreto não apresenta detalhamentos sobre a regulamentação dos mercados de carbono e ainda não oferece a segurança jurídica necessária. O documento aborda o tema de forma bastante superficial, por meio de conceitos e dispositivos genéricos ou muito similares àqueles já existentes, sobretudo no que se refere ao Projeto de Lei 2.148/15, que está em tramitação avançada na Câmara dos Deputados.

Principais aspectos do decreto

A nova norma define o que seriam os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, que devem ser compreendidos como os instrumentos setoriais de planejamento governamental para o cumprimento de metas climáticas. Essa definição evidencia a relevância dos instrumentos setoriais para o estabelecimento das metas climáticas.

No texto aprovado, nota-se que o decreto não traz qualquer previsão sobre a definição das metas climáticas nem qualquer direcionamento com relação ao seu estabelecimento, mas apenas os procedimentos para a elaboração dos planos.

Propostas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa poderão ser apresentadas pelos agentes setoriais (integrantes dos setores de geração e distribuição de energia elétrica, transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, indústria de papel e celulose, indústria de mineração, indústria da construção civil, serviços de saúde e agropecuária).

A competência para propor os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, porém, caberá ao Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Economia e a ministérios setoriais relacionados, quando houver. Os planos serão aprovados pelo Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde, instituído na forma prevista no Decreto 10.845/21.

Trata-se de medida de implementação de uma sistemática “baseline-and-trade” para o mercado de carbono, na qual serão estabelecidas metas de desempenho para cada setor econômico.

A ausência de metas climáticas pode indicar certa flexibilidade com relação às metas de redução de carbono, uma vez que os instrumentos setoriais viabilizarão a discussão e seu estabelecimento com a participação dos agentes setoriais.

O decreto viabilizou também o tratamento diferenciado para os agentes setoriais, conforme a categoria da empresa e/ou propriedades rurais e suas características (como faturamento, níveis de emissão, características do setor econômico e região de localização), medida que reflete as diferentes realidades de um país continental como o Brasil.

Os agentes setoriais terão o prazo de 180 dias – prorrogáveis por igual período – para apresentar suas proposições para o estabelecimento de curvas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Deverá ser observado o objetivo de longo prazo de neutralidade climática acordado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) – compromisso assumido pelo Brasil, com o intuito de colaborar com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global. Para isso, foi traçada uma meta a ser atingida pelo setor público, nas diversas esferas, e pelo setor privado.

Não há no decreto qualquer previsão de se estabelecer um plano setorial de mitigação se não for firmado instrumento setorial. A hipótese ficou em aberto e não se sabe o que pode ocorrer caso tais instrumentos não sejam assinados.

Apesar da falta de previsibilidade, alguns setores já firmaram protocolo de intenções para colaborar na elaboração de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas.

Além de prever os procedimentos para a elaboração de tais planos, o decreto instituiu o Sinare, cuja finalidade é servir de central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, transferências, transações e aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões.

A instituição de uma central única de registros se mostra extremamente relevante, na medida em que concentrará todas as transações do mercado brasileiro de carbono, o que pode auxiliar na prevenção de práticas de greenwashing.

O decreto prevê que serão reconhecidas como crédito certificado de redução de emissões as reduções e remoções de emissões registradas no Sinare que se somarem às metas estabelecidas para os agentes setoriais, caso atendam ao padrão de certificação do sistema.

Por crédito de carbono compreende-se o ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado.

Poderão ainda ser registradas no Sinare, sem a necessidade de geração de crédito certificado de redução de emissões, pegadas de carbono de produtos, processos e atividades, carbono de vegetação nativa, carbono no solo, carbono azul (capturado pelos ecossistemas costeiros) e unidade de estoque de carbono.

Com a promulgação do decreto, foi dado um passo – ainda que pequeno – para a implementação de um mercado de carbono efetivo no Brasil. Apesar de a norma ser ampla e não definir metas específicas de redução de emissão de gases de efeito estufa nem a metodologia para o funcionamento do Sinare, houve avanço, considerando o estabelecimento de aspectos relevantes para o início da maturação de um mercado de carbono regulado.

A tão esperada segurança jurídica sobre o assunto, porém, apenas virá com a promulgação de lei específica sobre o tema. É o que se busca com o Projeto de Lei 2.148/15 e outros que surgiram ao longo do tempo e foram a ele apensados. A regulamentação dos aspectos que permanecem em aberto no decreto – como a operacionalização do sistema implementado – também será essencial.

É necessário acompanhar de perto os próximos passos da regulamentação da descarbonização no Brasil – que começa a caminhar – e torcer para que se possa alcançar um desenvolvimento sustentável, com o equilíbrio necessário para a proteção das futuras gerações.