Em um passo importante para o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais, o Conselho Monetário Nacional (CMN) reformulou as regras sobre derivativos de crédito, instrumentos financeiros que transferem o risco de crédito de uma parte para outra sem transferir o ativo subjacente. Os derivativos de crédito são utilizados primordialmente para gestão e mitigação de riscos.

A Resolução CMN 5.070/23, em vigor desde 1° de junho, encerra um debate iniciado com a introdução da modalidade no arcabouço regulatório brasileiro há mais de 20 anos. A discussão girava em torno das limitações da norma anterior e da necessidade de modernização da regulamentação de derivativos de crédito no Brasil.

Apesar de a regra anterior – a Resolução CMN 2.933/02 – vigorar durante todos esses anos, acredita-se que sua rigidez e o desalinhamento com a regulação prudencial atualmente em vigor dificultou o desenvolvimento desse produto no país.

Devido às limitações da norma anterior, o mercado acabou utilizando outras formas de transferência de riscos, como operações ativas vinculadas, cessões e securitizações de crédito, seguros de crédito, entre outras.

A nova regra foi resultado do diálogo entre participantes do mercado e o Banco Central do Brasil, que há anos analisava a reforma do marco regulatório anterior. Segundo o próprio regulador, a nova norma busca impulsionar o mercado de crédito e alinhar o produto às melhores práticas internacionais.

A Resolução CMN 5.070/23, portanto, foi editada para tentar superar os obstáculos que limitaram o desenvolvimento do mercado de derivativos de crédito ao longo do tempo. Com a nova norma, busca-se oferecer mais segurança e regras mais claras para as partes.

Principais inovações

A norma expande a possibilidade de usar derivativos de crédito na gestão do risco ao flexibilizar tanto as obrigações financeiras passíveis de transferência como os potenciais receptores do risco, com destaque para as seguintes alterações:

  • Modalidades

A Resolução CMN 5.070/23 reconhece duas modalidades de derivativos de crédito:

SWAP DE CRÉDITO (CREDIT DEFAULT SWAP, CDS), QUANDO:

  • a contraparte transferidora do risco paga à contraparte receptora do risco a taxa de proteção estabelecida no contrato; e
  • em caso de ocorrência de um ou mais dos eventos de crédito contratualmente previstos, a contraparte receptora do risco paga à contraparte transferidora a proteção contratada. Isso pode ocasionar, conforme acordado, a liquidação antecipada parcial ou total do contrato.

SWAP DE TAXA DE RETORNO TOTAL (TOTAL RETURN SWAP, TRS), QUANDO:

  • a contraparte transferidora do risco transfere à contraparte receptora do risco os valores associados ao fluxo de recebimento de encargos e/ou contraprestações relativos à obrigação de referência, além da variação positiva em seu valor de mercado, em datas contratualmente estabelecidas;
  • a contraparte receptora do risco paga à contraparte transferidora do risco uma parcela de juros baseada em taxa (fixa ou variável) contratualmente estabelecida, além de eventual variação negativa no valor de mercado da obrigação de referência; e
  • em caso de ocorrência de um ou mais dos eventos de créditos contratualmente previstos, poderá ocorrer a liquidação antecipada do contrato, com os pagamentos devidos pelas contrapartes dos valores e taxas de que tratam os dois itens acima.
  • EXPANSÃO DO ROL DE CONTRAPARTES APTAS A ATUAREM COMO RECEPTORAS DE RISCO DE CRÉDITO

A norma introduziu a possibilidade de entidades não financeiras atuarem como provedoras de proteção, incluindo fundos de investimento, seguradoras, entidades de previdência, entre outras, desde que cumpram os requisitos de investidor profissional determinados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Antes da flexibilização, apenas instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central tinham permissão para atuar como receptoras.

  • CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÕES COM PARTES RELACIONADAS

Outra inovação importante é a possibilidade da contratação das operações com parte relacionada, inclusive integrante do mesmo conglomerado prudencial, o que era proibido na regra anterior. Dessa forma, as instituições terão mais opções para alocação do risco.

A permissão foi fundamentada no fato de que a apuração de riscos e de capital é realizada de forma consolidada pelas instituições do mesmo conglomerado prudencial. Com isso, a transferência de riscos entre essas instituições não é computada para fins prudenciais, como requisito de capital, de troca de margens bilaterais, de mitigação do risco de crédito ou de cálculo de limites operacionais.

  • ESPECIFICAÇÃO DE ÍNDICES

Passa a ser permitido especificar índices de crédito, índices de ativos, cestas ou carteiras de referência como entidades e obrigações de referência dos derivativos de crédito.

  • REFERÊNCIA EM FLUXOS FINANCEIROS EM MOEDA ESTRANGEIRA

Permissão para emitir derivativos de crédito com fluxos financeiros denominados ou referenciados em moeda ou indexadores diferentes dos que denominam ou referenciam a obrigação de referência.

  • PERMISSÃO PARA USAR OBRIGAÇÕES DE MENOR LIQUIDEZ COMO REFERÊNCIA

A nova regra permite que os derivativos de crédito tenham como referência obrigações de menor liquidez, desde que a metodologia de precificação adotada esteja de acordo com as regras aplicáveis a derivativos no geral. Na norma anterior, apenas os ativos negociados em mercados organizados poderiam figurar como referência para a transferência de riscos de crédito a descoberto.

  • FLEXIBILIZAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE MANTER A TITULARIDADE DA OBRIGAÇÃO DE REFERÊNCIA PARA A CONTRAPARTE TRANSFERIDORA DO RISCO

A manutenção da titularidade da obrigação de referência pela contraparte transferidora do risco passa a ser obrigatória apenas nas hipóteses em que a referência seja uma ou mais operações de crédito ou de arrendamento mercantil.

Os aprimoramentos feitos na norma, em geral, foram positivos. Acreditamos, porém, que há alguns pontos de atenção que podem contribuir (ou não) para o avanço do uso dos derivativos de crédito no país.

Por exemplo, em relação aos tipos de eventos de crédito admitidos na contratação dessas operações previstos no artigo 11 da norma: devem ser considerados taxativos ou não? Mais flexibilidade e liberdade para as partes nesse quesito poderiam contribuir para o avanço do produto.

Outro ponto é a possibilidade prevista na norma de as partes elegerem um terceiro independente para determinar a ocorrência de um evento de crédito. Embora não seja uma obrigação, pela nossa experiência, dificilmente uma instituição financeira (com capacidade e muita experiência) optaria por delegar essa função tão importante a um terceiro.