A busca pelo equilíbrio dos aspectos ambiental, social e de governança (ESG) nos negócios tem importância cada vez maior na pauta das empresas, no Brasil e no exterior. É também crescente o volume de iniciativas ESG que demandam algum grau de alinhamento de estratégia comercial ou de cooperação com concorrentes para a obtenção de ganhos de sustentabilidade. São situações que classicamente suscitam preocupações relativas a comportamento colusivo, práticas concertadas ou troca de informações sensíveis.

Para as autoridades de defesa da concorrência, o tema também está na ordem do dia. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) debateu recentemente, ao tratar de um ato de concentração, aspectos a serem considerados na análise de acordos entre concorrentes para gerar ganhos de sustentabilidade ambiental, social ou de governança.

Esse debate já está mais avançado na União Europeia, onde há alguns anos autoridades de diversos países vêm discutindo implicações concorrenciais de questões relacionadas a iniciativas ESG.

A Comissão Europeia publicou recentemente guidelines que permitem a cooperação entre concorrentes em iniciativas dessa natureza, desde que certas condições sejam cumpridas – inclusive, que os benefícios coletivos decorrentes da iniciativa em questão superem os prejuízos associados à limitação da concorrência.

A Comissão Europeia alinha-se, em alguma medida, às autoridades concorrenciais da Áustria e da Holanda, onde já se havia estabelecido imunidade antitruste para acordos de sustentabilidade com base na avaliação dos efeitos positivos de sustentabilidade e dos efeitos negativos dos acordos sobre a concorrência.

Na Holanda, entendeu-se que os efeitos positivos superavam os negativos em uma situação que envolvia um acordo entre determinados fabricantes de bebidas e redes de supermercado, que decidiram parar de usar suportes de plástico em packs de bebidas e boicotar centros de jardinagem a fornecedores que fazem uso ilegal de pesticidas.

Nos Estados Unidos, entretanto, a postura sobre o tema tem sido mais conservadora. As autoridades antitruste federais vêm indicando que não haverá qualquer tratamento diferenciado para iniciativas ESG que impliquem violação à legislação antitruste. Isso tende a desestimular iniciativas de sustentabilidade e já levou à saída de diversas seguradoras de uma aliança apoiada pelas Nações Unidas para incentivar a redução de emissão de carbono (a chamada Net-Zero Insurance Alliance).

O tema foi debatido pela primeira vez pelo Tribunal do Cade em junho, ao analisar a constituição de uma joint-venture entre tradings de commodities agrícolas de atuação global. As empresas pretendem criar uma plataforma para facilitar a padronização e a gestão de dados de medição de sustentabilidade em diferentes segmentos da cadeia de suprimentos alimentícios e agrícolas.

Alguns dos conselheiros ressaltaram que o papel do Cade é a proteção à concorrência. Para eles, ao inserir temas como ganhos de sustentabilidade ambiental, social ou de governança na análise dos efeitos de atos de concentração, o conselho poderia estar expandindo indevidamente sua competência. Outros defenderam que a agenda ESG, apesar de relevante, não deveria influenciar a análise técnica e objetiva da autarquia. Em posição mais próxima àquela adotada por algumas autoridades concorrenciais europeias, alguns conselheiros apontaram ser importante que o Cade estabeleça diretrizes ou orientações para situações em que concorrentes utilizem algum mecanismo de cooperação empresarial envolvendo iniciativas ESG.

As diferentes abordagens dadas ao tema no exterior e o debate ainda incipiente no Cade geram insegurança jurídica. Considerar questões concorrenciais na estruturação de iniciativas ESG, portanto, é fundamental. As empresas precisam, cada vez mais, fazer uma avaliação cuidadosa para identificar riscos e adotar medidas que possam mitigá-los.