Ao decidir por unanimidade pelo arquivamento de processo administrativo instaurado para apurar suposto cartel no mercado nacional e internacional de sistemas de direção assistida (EPS), o Tribunal do Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência) indicou no mês passado que exigirá um standard de provas mais robusto para comprovar participação em uma conduta anticompetitiva em processos originados de acordo de leniência.

Na Sessão de Julgamento nº 137, realizada em 13 de fevereiro deste ano, o tribunal absolveu por insuficiência de provas as quatro empresas representadas (e respectivos funcionários) que não haviam celebrado Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com o Cade ao longo do caso.

Criado em 2000, após alteração à Lei de Defesa da Concorrência vigente à época, o Programa de Leniência do Cade permite que empresas e/ou pessoas físicas envolvidas em cartel ou outra infração coletiva à ordem econômica celebrem acordo de leniência com a autoridade antitruste e o Ministério Público e recebam imunidade nas esferas administrativa e criminal em troca da colaboração com as investigações.

Com o primeiro acordo dessa natureza celebrado apenas em 2003, o programa ganhou relevância, converteu-se em um instrumento crucial para o combate a cartéis no Brasil e foi sendo refinado com base na experiência prática das autoridades. Até o fim de 2018, o Cade havia celebrado 88 acordos de leniência – volume impulsionado pela Operação Lava Jato a partir de 2015 – e julgado 28 processos administrativos derivados desse instrumento.

O processo administrativo arquivado pelo Tribunal do Cade em fevereiro baseou-se em informações e documentos trazidos pelos signatários de acordo de leniência e de dois acordos TCCs subsequentes firmados por empresas participantes do cartel. Os documentos apresentados envolvendo as empresas que não celebraram acordo limitaram-se a cartões de visita, atas e e-mails internos sobre reuniões, recibos de viagens para supostas reuniões e planilhas internas das próprias empresas que colaboraram com a investigação.

Na sessão, o conselheiro relator João Paulo Resende disse que o conjunto probatório – composto apenas pela confissão dos signatários dos acordos e de provas indiretas –não era robusto a ponto de comprovar o envolvimento daquelas quatro empresas no cartel.

A mera acusação por parte de quem se beneficia de um acordo com o órgão não é suficiente para comprovar envolvimento de terceiros. Na mesma linha, documentos produzidos unilateralmente pelos beneficiários (como atas e anotações manuscritas ou e-mails internos) ou que possam ter sido obtidos em contexto alheio à conduta investigada (como cartões de visita) têm pouco valor probatório.

A postura do Cade nesse caso é louvável, está alinhada à prática observada nos tribunais superiores, que tendem a não condenar indiciados em denúncias baseadas exclusivamente em relatos obtidos por meio de colaboração premiada, e colabora para preservar a qualidade do Programa Brasileiro de Leniência e da segurança jurídica nos processos administrativos por cartel.