Em julgamento recente de operação envolvendo investimento de grandes tradings de commodities em joint venture que atua na intermediação de frete rodoviário, o Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abordou riscos concorrenciais relacionados à atuação colaborativa de concorrentes e mecanismos para mitigá-los.

O tema é de extrema relevância, considerando que operações entre empresa rivais, como joint ventures, acordos de compartilhamento de infraestrutura e contratos associativos, são celebradas com frequência nos mais diversos setores.

Operações dessa natureza costumam ter objetivos pró-competitivos, como alcançar economias de escala, diluir riscos e custos na implementação de um novo projeto ou obter melhores resultados em pesquisa e desenvolvimento, entre outros. No entanto, a colaboração entre empresas rivais pode prejudicar a concorrência e os consumidores, por gerar risco de troca de informações sensíveis e aumentar a capacidade ou incentivo para elevar os preços e/ou reduzir a produção, a qualidade do serviço e a inovação – preocupação que pode recair não somente sobre o mercado diretamente afetado pela operação, mas também sobre outros mercados nos quais as partes sejam concorrentes efetivos ou potenciais.

Por essa razão, acordos de colaboração entre concorrentes tendem a passar por um escrutínio cuidadoso do Cade, que leva em consideração fatores como as participações de mercado das empresas envolvidas, as características de competição no mercado relevante e a forma como a operação foi estruturada, para avaliar se há riscos de troca de informações sensíveis e/ou incentivos e condições para coordenação entre as partes que possam facilitar a colusão explícita ou tácita em outros mercados onde atuam de forma independente.

Em linha com a prática internacional, quando o Cade entende ser necessário intervir em acordos dessa natureza, o órgão geralmente requisita a adoção de chinese walls e programas de compliance robustos, além da condução dos negócios conjuntos dos concorrentes por uma administração independente. Pode-se exigir que:

  • dados sensíveis das atividades dos sócios fora do escopo da joint venture que sejam necessários à sua atuação conjunta sejam coletados, processados e analisados por um terceiro independente;
  • as informações operacionais sensíveis da joint venture fornecidas aos sócios sejam limitadas ao essencial para assegurar o monitoramento e a proteção do seu investimento no negócio; sejam restritas e protegidas das demais empresas dos grupos dos sócios por meio de barreiras físicas e eletrônicas, treinamentos de compliance e mecanismos de monitoramento contínuos; e/ou sejam transmitidas de forma agregada, defasada ou anonimizadas;
  • haja sempre convocação prévia para todas as reuniões de sócios ou de órgãos de gestão da joint venture, com pauta clara e precisa, com proibição expressa de que sejam tratadas matérias que impliquem a troca de informações sobre os negócios individuais dos sócios fora do perímetro da joint venture, registrando-se em ata todas as matérias discutidas nessas reuniões;
  • as reuniões entre sócios e membros dos órgãos de gestão sejam monitoradas por um advogado externo, para impedir a troca informações sensíveis relativas a seus negócios individuais; e/ou
  • funcionários e/ou membros dos órgãos de gestão da joint venture sejam proibidos de atuar também em outras empresas dos grupos econômicos dos sócios, ou até mesmo na gestão de empresas concorrentes de outros grupos (interlocking directorates).

É importante avaliar os riscos concorrenciais antes da celebração do acordo de atuação conjunta de concorrentes e conceber mecanismos de governança e protocolos antitruste antes de submeter a operação à análise do Cade, para evitar uma análise mais longa pelo órgão e até mesmo a necessidade de negociar remédios para obter sua aprovação.