A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve retomar em breve o julgamento do Recurso Especial 1.964.067/ES, cuja matéria remete à intenção da Previdência Usiminas — sucessora da Fundação Cosipa de Seguridade Social (Femco) — de alterar o entendimento até então pacífico daquele órgão colegiado no sentido de que haveria responsabilidade do fundo quanto ao pagamento do plano de benefícios de complementação de aposentadoria aos ex-funcionários da falida Companhia Ferro e Aço de Vitória (Cofavi).

Há grande expectativa em relação ao caso diante da possibilidade de mudança do entendimento anteriormente firmado pela Segunda Seção no julgamento do REsp 1.248.975/ES, quando prevaleceu o voto do ministro Raul Araújo pela fixação da responsabilidade da entidade previdenciária “pelo pagamento, contratado no respectivo plano de benefícios, de complementação de aposentadoria devida aos participantes/assistidos, ex-empregados da patrocinadora Cofavi, aposentados em data anterior à denúncia do convênio de adesão, em março de 1996 mesmo após a falência da Cofavi, observada a impossibilidade de se utilizar o patrimônio pertencente ao fundo Femco/Cosipa quando, na instância ordinária, for reconhecida a ausência de solidariedade entre os fundos”.

Além disso, espera-se a fixação de tese sobre a existência, ou não, de solidariedade entre as submassas[1] de um mesmo plano de previdência complementar – já que, no julgamento anterior, o STJ remeteu às instancias ordinárias a competência para uma análise casuística do tema – a fim de garantir a segurança jurídica, o que não ocorreu.

A controvérsia teve início com o ajuizamento de ação de cobrança por parte de ex-funcionário da Cofavi – que celebrou convênio de adesão com a Femco, já existente à época e mantida pelos funcionários de empresa diversa, a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) – em face do referido fundo de pensão.

O autor entendia que a falência de sua empregadora/patrocinadora não afetaria o recebimento do benefício convencionado, uma vez vertidas as contribuições necessárias até a exclusão da Cofavi do plano por força de decisão do órgão regulador. Ou seja, o autor pretende receber aposentadoria vitalícia em decorrência de seu período de contribuição, independentemente da falência da Cofavi e, consequentemente, do fim de seus aportes.

Por sua vez, a Previdência Usiminas defende que o pagamento da suplementação depende do aporte das contribuições dos participantes e das patrocinadoras na forma do art. 19 da LC 109/2001,[2] uma vez que a entidade não possui patrimônio e é organizada na forma de fundação sem fins lucrativos.[3]

Uma consequência lógica é que, se a Cofavi cessou o repasse do aporte de seus funcionários, a saúde financeira do plano de benefícios ficou prejudicada pela ausência do custeio prévio, restando impossibilitado o pagamento da aposentaria em face do descumprimento das obrigações da patrocinadora. Desse modo, os ex-funcionários da Cofavi teriam direito apenas ao recebimento das quantias decorrentes da liquidação do fundo específico da empresa falida.

Isso porque, ainda segundo a entidade, não existe solidariedade entre os planos direcionados aos funcionários de cada empresa. Desse modo, cada submassa deve se ater aos ativos de seu respectivo plano de benefícios, sob pena de atingir ilegalmente o patrimônio formado por terceiros alheios à situação que deu ensejo à prejudicialidade indicada pelo autor (falência da patrocinadora).

A entidade fechada de previdência complementar (EFPC) enfrentou posicionamentos desfavoráveis em primeira e segunda instância sobretudo em razão do posicionamento já firmado pela Segunda Seção no julgamento do REsp 1.248.975/ES.[4]

Na ocasião, o STJ julgou a matéria de maneira casuística, fixando o direito dos ex-funcionários da Cofavi aposentados em momento anterior à denúncia do plano (março de 1996) ao recebimento do benefício, desde que reconhecida a solidariedade das submassas pelas instâncias ordinárias. Ou seja, não se dirimiu a controvérsia sobre a existência, ou não, da mencionada solidariedade de modo a garantir segurança jurídica.

Nesse contexto, o REsp 1.964.067/ES foi apontado como possível indicador de overruling, sobretudo porque, após o julgamento do citado recurso especial, “tramitaram 188 recursos sobre matéria idêntica perante o STJ, dos quais 142 tiveram análise dos respectivos ministros e/ou pelas 3ª e 45ª Turmas, todos (100%) favoráveis aos aposentados”.

Inexiste precedente formado em favor da EFPC ainda que a Quarta Turma já tenha presenciado um posicionamento divergente por parte da ministra Isabel Gallotti,[5] da mesma forma que a Terceira Turma divergiu da 2ª Seção em julgamento de recurso com a mesma matéria de fundo.[6]

Novamente submetido à Segunda Seção, o debate teve como objetivo encerrar a insegurança jurídica vivenciada por diversos ex-funcionários da Cofavi, muito deles idosos que até então não receberam a aposentadoria complementar em razão dos entraves judiciais – principalmente a espera para julgamento de recursos interpostos pela Femco/Previdência Usiminas –, e pela própria entidade, que vem sendo alvo de dezenas de demandas judiciais ajuizadas por participantes dessa submassa específica, o que coloca em risco a continuidade do plano para os atuais participantes vinculados a submassa diversa.

Contudo, prevaleceu o voto do ministro Luis Felipe Salomão no sentido de manter o posicionamento até então adotado pela Segunda Seção, destacando que, em regra, os ex-funcionários da Cofavi deveriam receber os valores decorrentes da liquidação do fundo previdenciário correlato, o que não ocorreu, até o momento, diante da pendência da finalização do processo falimentar da Cofavi. Nessa linha, os assistidos não poderiam ser prejudicados, sobretudo quando considerada a capacidade financeira da Previdência Usiminas.

Embora vencida, a ministra Isabel Gallotti destacou que o plano de previdência complementar depende de prévio aporte para a manutenção do custeio dos benefícios contratados. Sendo assim, interrompidos os aportes da Cofavi em virtude de sua falência, restou prejudicada a relação contratual que permitia o pagamento da aposentadoria complementar a seus ex-funcionários, tendo em mente que a garantia do benefício levaria ao desequilíbrio do plano.

Consequentemente, haveria necessidade de novos cálculos atuarias que prejudicariam submassa diversa (formada pelos funcionários da Cosipa), que seriam obrigados a realizar aportes em valores superiores para arcar com a aposentadoria de terceiros alheios à sua relação contratual com a entidade previdenciária.

A Segunda Seção, por maioria, negou provimento ao recurso especial nos termos do voto do ministro Luis Felipe Salomão, mantendo o entendimento anteriormente formado sobre a matéria e sem maiores comentários sobre a definição da existência, ou não, da solidariedade entre as submassas de um mesmo plano. A Previdência Usiminas opôs embargos de declaração ainda pendentes de julgamento.

 


[1] Nos termos do artigo 7º da Resolução CNPC nº 41, de 9 de junho de 2021: “Entende-se por submassa um grupo de participantes ou assistidos vinculados a um plano de benefícios e que tenha identidade de direitos e obrigações homogêneos entre si, porém heterogêneos em relação aos demais participantes e assistidos do mesmo plano”.

[2] Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.

[3] Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:

(...)

  • 1oAs entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.

[4] “1. Até a liquidação extrajudicial do plano de previdência privada dirigido aos empregados da Companhia Ferro e Aço de Vitória - COFAVI, a Fundação Cosipa de Seguridade Social – Femco, atual Previdência Usiminas, é responsável pelo pagamento, contratado no respectivo plano de benefícios, de complementação de aposentadoria devida aos participantes/assistidos, ex-empregados da patrocinadora Cofavi, aposentados em data anterior à denúncia do convênio de adesão, em março de 1996 mesmo após a falência da Cofavi, observada a impossibilidade de se utilizar o patrimônio pertencente ao fundo Femco/Cosipa quando, na instância ordinária, for reconhecida a ausência de solidariedade entre os fundos”.

[5] Voto vencido proferido no julgamento do REsp 1.248.975/ES.

[6] REsp 1.673.890/ES.