A dinâmica de poder dentro das sociedades envolve vários mecanismos, incluindo diversas obrigações legais, instrumentos de prestação de contas e divulgação de informações, direito de ação, entre outros. Nessa dinâmica, a legislação conferiu tratamento especial para a atuação do acionista controlador. É ele quem prevalece nas deliberações sociais, elege a maioria dos administradores e usa seu poder para conduzir as atividades sociais da companhia.

Nesse sentido, o artigo 116 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.) estabelece:

"Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia."

Considerando a relevância do papel do acionista controlador dentro da companhia, o legislador teve o cuidado de incluir, no parágrafo único do artigo 116, práticas que se esperam dele, tanto na perspectiva objetiva quanto em relação a princípios gerais. Fica estabelecido em lei a necessidade de o acionista controlador atuar para realizar o objeto social da companhia e agir de forma responsável diante de acionistas e da sociedade:

"Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender."

Como consequência dos poderes atribuídos ao acionista controlador e para assegurar um regime de responsabilidade, o artigo 117 da Lei das S.A. estipulou que o controlador deve responder pelos prejuízos causados por atos praticados com abuso de poder.

No parágrafo 1º do artigo 117, foram elencados alguns exemplos de práticas que seriam consideradas exercício abusivo do poder de controle, como eleger administradores inaptos, contratar com a companhia em condições não equitativas e aprovar contas irregulares.

Dada a constante evolução da forma como as empresas são administradas, inclusive devido aos avanços tecnológicos e às sofisticações de estruturas societárias e contratuais, não há dúvidas de que o rol do parágrafo 1º do artigo 117 da Lei das S.A. é meramente exemplificativo. O exercício abusivo de poder, portanto, pode se apresentar de diversas formas que causem prejuízos à companhia ou a seus acionistas.

Nesse contexto, o artigo 246 da Lei das S.A. trata da ação de responsabilidade contra o acionista controlador por danos causados à companhia:

"Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117.

  • 1º A ação para haver reparação cabe:

a) a acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;

b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente.

  • 2º A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de 20% (vinte por cento) e prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização."

Sobre esse dispositivo legal, vejamos abaixo os principais aspectos a serem considerados:

  • LEGIMITIDADE ATIVA E LITISCONSÓRCIO

Nos termos do artigo 246, § 1º, da Lei das S.A., a ação cabe ao acionista (ou grupo de acionistas), que:

  • tiver 5% ou mais do capital social; ou
  • depositar de forma antecipada as custas e honorários advocatícios devidos no caso de a ação ser julgada improcedente.

Trata-se de hipótese de substituição processual, na qual o acionista atua em nome próprio para defender interesse da companhia.

Em relação ao percentual de participação, cabe ressaltar que, para companhias abertas, o valor de referência foi reduzido em função do capital social, podendo chegar a 1% se o capital for superior a R$ 10 milhões, nos termos da antiga Instrução CVM 627/20 revogada e substituída pela Resolução CVM 70/22. Considerando que esse percentual pode ser difícil de ser atingido a depender do grau de pulverização do capital, esse requisito pode vir a ser um empecilho ao início da demanda.

Caso o acionista minoritário não atinja o percentual mínimo de participação, ele deverá prestar caução, o que pode representar um empecilho – ou, no mínimo, uma dificuldade maior – para o ajuizamento da ação, especialmente em demandas de alto valor.

Além disso, a caução requerida pode gerar problemas de ordem prática relativos à distribuição dos ônus e bônus da demanda, caso outros acionistas venham a integrar o polo ativo da ação após o seu ajuizamento. Nesse caso, a caução já teria sido prestada e novos integrantes do polo ativo estariam sujeitos a uma exposição financeira menor, em comparação com os autores originais, de modo que caberia ao julgador avaliar a situação casuisticamente.

Vale dizer ainda que, na qualidade de substitutos processuais da companhia, os autores não podem impedir que a empresa transacione o objeto da demanda com o acionista controlador. Isso porque, como substitutos processuais, tratam de interesses e direitos próprios da companhia.

As regras previstas no artigo 246, § 1º, da Lei das S.A. foram pensadas para mitigar o risco de ações aventureiras ou de excesso de litigância por parte de acionistas minoritários, mas, em uma perspectiva prática, podem ter desestimulado esse tipo de litigância.

  • DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLEIA PRÉVIA

No caso da ação proposta contra os administradores, na forma do artigo 159 da Lei das S.A., o legislador previu, expressamente, a necessidade de deliberação em assembleia antes do ajuizamento da ação. Nesse cenário, a deliberação prévia é condição para o ajuizamento da demanda e para a obtenção de legitimidade extraordinária pelo acionista, caso o tema não seja aprovado em assembleia.

Para a ação do artigo 246 da Lei das S.A. contra o controlador, por outro lado, a legislação não trouxe disposição semelhante. Com isso, a mera inexistência de disposição legal deveria, em tese, ser suficiente para a deliberação não ser exigida. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma incidental, já manifestou entendimento de que o acionista minoritário só poderia ingressar com a ação de responsabilização do acionista controlador após deliberação em assembleia sobre o tema.[1]

  • LEGITIMIDADE PASSIVA

A legitimidade passiva da companhia decorre da legislação. A expressão “sociedade controladora” utilizada no caput do artigo 246 deve ser entendida para abarcar qualquer pessoa, física ou jurídica, que ocupa a posição de controlador.

  • CAUSA DE PEDIR E PEDIDO

Assim como em qualquer ação, a descrição de fatos e fundamentos jurídicos são requisitos que devem constar da petição inicial formulada pelo autor. No caso da ação do artigo 246 da Lei das S.A., aos acionistas minoritários caberá descrever os danos causados à sociedade, pois agem como seus substitutos processuais.

  • PRÊMIO E HONORÁRIOS DE ADVOGADO

O parágrafo 2º do artigo 246 da Lei das S.A. estabelece que o controlador, se condenado, deverá reparar o dano causado. Além disso, precisará arcar com as custas processuais e pagar 20% de honorários de advogado e prêmio de 5% ao autor da ação, calculados sobre o montante da condenação.

Caso múltiplos acionistas ocupem o polo ativo, a lei foi omissa quanto à divisão dos valores devidos a título de prêmio e honorários. A discussão ganha mais relevância caso parte dos acionistas tenha integrado o polo ativo no curso do processo, após o ajuizamento da ação. A doutrina se divide e estabelece que a divisão pode ser:

  • igualitária;
  • proporcional à participação no capital social; ou
  • proporcional ao tempo de participação no processo, assegurando algum bônus para os autores originários.

Não se pode afastar a possibilidade de os acionistas minoritários pactuarem, antes do ingresso da ação, a forma como será realizado o pagamento da caução ou da divisão do prêmio. Em todo caso, na prática, a divisão acaba sendo feita pelo julgador de acordo com as circunstâncias do caso.

  • O PROJETO DE LEI 2.925/23

O Projeto de Lei 2.925/23, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, pretende alterar as leis 6.404/76 e 6.385/76 para dispor, entre outros temas, sobre a tutela dos direitos dos investidores no mercado.

Entre as mudanças propostas, o projeto pretende inserir no rol de matérias sujeitas à assembleia geral a competência para autorizar a transação para encerrar ações de responsabilidade movidas contra o administrador e o controlador, na forma dos artigos 159 e 246 da Lei das S.A. O projeto, se aprovado, também vai alterar a redação do artigo 246 da Lei das S.A. da seguinte forma:

"Art. 246. Observado o disposto no art. 238, o acionista controlador reparará os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos art. 116 e art. 117.

  • 1º A ação para haver reparação cabe a acionistas que:

I - representem cinco por cento ou mais do capital social, nas companhias fechadas; ou

II - representem, no mínimo, dois inteiros e cinco décimos por cento do capital social ou cujo valor seja igual ou superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), atualizados anualmente pelo IPCA, nas companhias abertas.

  • 1º-A A participação societária de que trata o § 1º será aferida no momento da propositura da ação, e o acionista que alienar a sua participação posteriormente à propositura da ação não perderá a sua legitimidade para a causa.
  • 1º-B A propositura da ação deverá ser comunicada pelo acionista à companhia, para que:

I - quando se tratar de companhia aberta, a companhia divulgue o fato ao mercado, na forma estabelecida na regulamentação editada pela Comissão de Valores Mobiliários; ou

II - quando se tratar de companhia fechada, a companhia comunique o fato a seus acionistas.

  • 1º-C O acionista legitimado poderá propor a ação independentemente de deliberação da assembleia-geral sobre a matéria.
  • 1º-D Na hipótese de a ação ser proposta por acionista, a companhia não poderá promover ação independente.
  • 1º-E A companhia ou o acionista que detenha a participação societária mínima prevista no § 1º poderá intervir no processo como litisconsorte, desde que o faça no prazo trinta dias, contado da data de divulgação da ação ou da comunicação do fato, nos termos do disposto no § 1º-B.
  • 2º O acionista controlador, se condenado, além de reparar o dano e arcar com as custas e as despesas do processo, pagará prêmio de vinte por cento ao autor da ação, calculado sobre o valor total da indenização devida à companhia, do qual serão descontados os honorários de sucumbência.
  • 2º-A Na hipótese de a ação ter mais de um acionista como autor, o juiz repartirá o prêmio entre eles, conforme a sua contribuição para o resultado do processo.
  • 2º-B O prêmio também será devido caso a ação seja encerrada em decorrência de transação.
  • 2º-C Na hipótese de improcedência do pedido, os autores serão condenados ao pagamento de honorários de sucumbência, estabelecidos sobre o valor do prêmio pleiteado, na forma prevista no § 2º."

Como se depreende da redação acima, o projeto pretende esclarecer, de forma definitiva, algumas dúvidas que não teriam resposta certa na legislação em vigor, inclusive em relação:

  • à desnecessidade de deliberação em assembleia prévia para o ajuizamento da ação prevista no artigo 246 da Lei das S.A.;
  • à competência do juiz de repartir o prêmio entre os autores, conforme a contribuição de cada um;
  • ao cabimento do prêmio em caso de acordo; e
  • à necessidade de divulgação da ação aos demais acionistas.

O projeto de lei aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados e tem despertado muitos debates entre as companhias e estudiosos do direito, incluindo magistrados e advogados.

O fato é que a ação de responsabilidade contra o acionista controlador normalmente envolve casos extremamente complexos, com arcabouço probatório desafiador e pode incluir a responsabilização do controlador em outras instâncias, inclusive sob a perspectiva administrativa diante da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O estudo detalhado do caso concreto por cada parte envolvida, com o auxílio de profissionais devidamente capacitados, portanto, é primordial para o prosseguimento e o sucesso na ação.

 


[1] STJ, REsp 798.264-SP, 3ª Turma, rel. p/ac min. Nancy Andrighi, j. 6 de fevereiro de 2007. STJ, REsp 1.214.497-SP, rel. p/ ac min. Raul Araújo, j. 23 de setembro de 2014.