O mundo vem enfrentando diversos desafios no combate ao novo coronavírus (causador da covid-19), o que resultou em diferentes medidas de prevenção na tentativa de mitigar a proliferação do vírus. Uma das principais é o afastamento de funcionários do local de trabalho e a implementação de políticas de home office (trabalho remoto). Nesse cenário, as empresas precisam se adaptar rapidamente à ausência física de pessoas e encontrar soluções remotas para a continuidade dos negócios. Considerando a importância, necessidade (e até mesmo o ritmo acelerado de certos projetos) e a impossibilidade de realizar reuniões presenciais, muitas empresas têm procurado confirmar a validade jurídica de documentos assinados eletronicamente.

No Brasil, a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (MP 2.200),[1] garante a validade e a eficácia dos documentos assinados eletronicamente por meio de processos de certificação disponibilizados pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). O artigo 10, §2º da MP 2.200 também admite o uso de outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos eletrônicos, inclusive os que utilizam certificados não emitidos de acordo com a ICP-Brasil, desde que assim acordado entre as partes e que esses certificados sejam expressamente admitidos por elas como válidos.[2]

A jurisprudência brasileira tem reconhecido a validade jurídica e a possibilidade de registro de documentos eletrônicos produzidos em conformidade com a MP 2.200.[3] Indo além, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a executoriedade de contrato assinado eletronicamente por meio de certificado digital sem assinatura de testemunhas. A Corte entendeu que a autenticidade das assinaturas das partes conferida pela entidade certificadora, na qualidade de terceiro desinteressado e confiável, supriria essa falta.[4] No entanto, ainda que exista precedente emitido em sede de instância superior, alguns julgadores insistem em negar executoriedade a documentos eletrônicos sem assinatura de testemunhas por ausência de elemento essencial[5] (conforme exigido nos termos do artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil).[6]

Sendo assim, uma abordagem mais conservadora recomenda que, mesmo em contratos assinados eletronicamente, seja providenciada a assinatura por duas testemunhas (também de forma eletrônica), para se evitar questionamentos quanto à executoriedade do contrato. As testemunhas devem ser civilmente capazes e não ter qualquer interesse financeiro no acordo entre as partes.

Dessa forma, conclui-se que os contratos assinados eletronicamente em conformidade com a MP 2.200 são dotados de validade jurídica e qualificam-se como títulos executivos extrajudiciais, do mesmo modo que contratos assinados fisicamente pelas partes, desde que não se trate de negócios jurídicos para os quais a lei exige explicitamente instrumento/escritura pública. É o caso, por exemplo, de contratos que pretendam transferir direitos reais sobre imóveis.

No caso de as partes optarem por utilizar mecanismos não certificados pela ICP-Brasil, porém, é recomendável que o documento disponha expressamente sobre a forma de assinatura adotada e que as partes a reconhecem como plenamente válida e eficaz.

Documentos assinados eletronicamente são amplamente aceitos no Judiciário como prova documental, seja porque têm validade jurídica nos termos da legislação (conforme descrito antes), seja porque o próprio processo judicial caminha para ser totalmente informatizado. É o que dizem o artigo 441 do Código de Processo Civil,[7] que admite a utilização de documentos eletrônicos como prova, e a Lei nº 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do processo judicial.

É importante ressaltar que as considerações deste artigo são válidas apenas do ponto de vista da lei brasileira. Portanto, uma vez que o documento envolva a jurisdição de outros países (como em operações de M&A internacionais), a validade jurídica da assinatura eletrônica deverá ser verificada e atestada por profissionais habilitados nas jurisdições aplicáveis.

[1] A MP 2.200 tem vigência diferida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, permanecendo vigente e plenamente aplicável até que (i) seja expressamente revogada ou (ii) haja deliberação definitiva do Congresso Nacional sobre o tema.

[2] Item 13 da seguinte página: https://www.iti.gov.br/perguntas-frequentes/41-perguntas-frequentes/112-sobre-certificacao-digital.

[3] STF, REsp nº 1.495.920/DF, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 07/06/2018.

STF, Medida Cautelar na ADI nº 5.108/DF, rel. min. Dias Toffoli, j. 20/04/2016.

TJSP, Apelação nº 0002493-07.2011.8.26.0699, rel. des. J. Martins, j. 13/02/14.

TJPR, Agravo de Instrumento nº 937059-8, des. rel. Jurandyr Souza Junior, j. 23/07/2012.

[4] STJ, REsp nº 1.495.920/DF, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 15/05/2018.

[5] TJSP, Apelação nº 1011898-10.2016.8.26.0009, rel. des. Tasso Duarte de Melo, j. 13/11/2019.

[6] Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: (...) III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas.

[7] Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.