A Justiça estadual de São Paulo reconheceu, em decisão recente[1], a má-fé de uma associação que buscava indenização milionária, por entender tratar-se de associação de gaveta cujo único propósito seria o enriquecimento sem causa. A entidade foi condenada a pagar multa, custas judiciais e honorários de sucumbência.

A discussão travada no processo teve como pano de fundo a suposta utilização indevida de dados pessoais por parte de um banco, que afirmou recorrer a bancos de dados para oferecer serviços e produtos a consumidores diversos. A afirmação foi feita em postagem no Twitter em resposta a um usuário.

Com base nessa postagem, a associação ajuizou ação civil pública contra o banco, sob a alegação de que a troca de dados com outras instituições, sem o consentimento expresso dos titulares, feriria princípios dispostos no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), como o da privacidade e da inviolabilidade de dados pessoais.

Entre outros pedidos, a associação requereu que o banco parasse de coletar dados pessoais, excluindo aqueles já armazenados em seu sistema, e que pagasse indenização por dano moral no valor de R$ 15 mil a cada consumidor que teve os seus dados pessoais violados, além de indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 10 milhões.

Em sua defesa, o banco apresentou como principal argumento a ilegitimidade ativa do autor, que, na verdade, seria uma extensão do escritório de advocacia que patrocina a causa. Além disso, a entidade não apresentou o rol de associados, que justificaria a sua legitimidade, nem autorização expressa dos membros para a propositura da ação.

O Ministério Público Estadual (MPE) – que, em um primeiro momento, se manifestou em favor da associação – também opinou pela extinção do processo em seu parecer final, entendendo pela ilegitimidade ativa da associação. Em sua manifestação, o MPE fez questão de mencionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[2] sobre as chamadas “associações de gaveta”.

Em primeira instância, a ação foi extinta sem julgamento de mérito, justamente pelo entendimento de que havia ilegitimidade ativa da associação. O fundamento usado foi o Tema 82 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “é necessária a juntada de autorização expressa para o ajuizamento, pela associação, de ação coletiva na defesa de interesses dos associados”.

O MPE ponderou também que “o Instituto autor não apresentou rol de associados que justificasse a sua legitimidade, quiçá uma única reclamação supostamente formulada por algum de seus associados contra a parte-ré” e que “o ajuizamento foi deduzido não para proteção dos interesses de associados, mas como fonte arrecadadora, que, sem perigo da sucumbência, busca indenização com somatório milionário, sem qualquer autorização dos interessados, mas com o objetivo de receber substanciais honorários advocatícios”.

A decisão, que ainda aguarda a confirmação do Tribunal de Justiça de São Paulo, fez valer o disposto no artigo 18 da Lei 7.347/85, pelo qual, nas ações civis públicas, as associações não devem ser condenadas ao pagamento das custas e dos honorários sucumbenciais, salvo comprovada má-fé.

Foi imposto à associação o pagamento do décuplo das custas iniciais e de multa por litigância de má-fé e honorários advocatícios, fixados, respectivamente, em 5% e 10% do valor atualizado da causa.

Em linhas gerais, ainda que a jurisprudência não seja uníssona quanto aos requisitos legitimadores das associações em juízo, o julgado em questão demonstra que o Tribunal de Justiça de São Paulo está atento à atuação maliciosa das partes e de seus advogados.

A decisão é representativa, na medida em que aponta que as associações não podem se valer da isenção de custas e do pagamento de honorários sucumbenciais prevista em lei para propor ações descabidas, ajuizadas não para defesa dos interesses dos associados, mas sim para enriquecer indevidamente por meio do Poder Judiciário.

 


[1] Processo nº: 1013884-75.2020.8.26.0100

[2] REsp 1.213.614/RJ.