O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a melhor interpretação do conceito de pagamento contido no art. 523 do Código de Processo Civil (CPC) e sobre a eficácia do depósito judicial do valor executado como forma de eliminar a multa, os honorários do art. 523, § 1º, do CPC e os demais encargos da mora pode aumentar a eficiência da fase executiva do processo. Ao criar incentivos econômicos para que o devedor cumpra espontaneamente sua obrigação, o entendimento jurisprudencial que vem se cristalizando no STJ busca induzir o devedor a avaliar o custo/benefício de apresentar impugnação ao cumprimento de sentença. O objetivo é tentar limitar as discussões nessa fase aos casos em que o devedor entenda ter um pleito bom o suficiente que justifique correr os riscos financeiros associados à sua resistência em cumprir a sentença.

O art. 523, caput e § 1º, do CPC fixa o prazo de 15 dias para o pagamento voluntário pelo devedor do valor estabelecido pelo credor na petição que inicia o cumprimento de sentença, sob pena de incidência de multa de 10% e de honorários advocatícios de sucumbência no mesmo percentual de 10% sobre o valor da obrigação principal. Após esse prazo, com ou sem penhora e independentemente de nova intimação, inicia-se nova contagem de 15 dias para a apresentação da impugnação do cumprimento de sentença, nos termos do art. 525 do CPC.

Assim, a linha do tempo estabelecida pelo texto legal determina que o devedor, antes de impugnar o cumprimento de sentença, deverá efetivamente realizar o pagamento do débito nos termos estipulados pelo credor ou arriscar-se a ver seu débito automaticamente majorado em 20%, em razão da incidência de multa e de honorários advocatícios. Isso porque, nos termos da atual jurisprudência do STJ, o depósito judicial para efeito de garantia do juízo não evita a incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, enquanto estiver em discussão a existência ou o valor da dívida para cumprimento definitivo da sentença.

Entendeu a ministra Nancy Andrighi, ao julgar o Recurso Especial nº 1.834.337/SP, que “são dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC: a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. Esses dois critérios estão ligados ao antecedente fático da norma jurídica processual, pois negam ou o prazo de 15 dias úteis fixados no caput ou a ação voluntária do pagamento”. Em outros trechos, atesta que “a multa a que se refere o art. 523 do CPC será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão” e que é preciso haver efetiva resistência do devedor por meio do protocolo da peça de impugnação para, então, estar autorizada a incidência da multa do § 1º do art. 523”.

Raciocínio análogo é aplicado pelo entendimento estabelecido pelo STJ, que, na Súmula 517, fixou que são devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada”.

Ou seja, a menos que o devedor pague voluntariamente o débito – sem opor resistência por meio de impugnação –, incidirá sobre o valor a multa legal de 10%, além dos honorários de sucumbência, também estipulados em 10% sobre o valor da dívida. A resistência do devedor que não cumpre espontaneamente a condenação pode gerar mais trabalho ao advogado do credor, seja para discutir os temas trazidos na impugnação ou para localizar bens passíveis de excussão para quitar o débito.

Soma-se a isso o fato de que, recentemente, o STJ também vem revendo a jurisprudência até então predominante com relação ao efeito do depósito judicial do valor executado, para suprimir os encargos legais da mora.

Em 2014, o STJ havia fixado, em julgamento do recurso especial representativo de controvérsia nº 1.348.640/RS,[1] o Tema 677, no sentido de que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”. Na época, o fundamento adotado pelo STJ e cristalizado no Tema 677 foi de que, após o depósito dos valores, a responsabilidade pela remuneração do montante seria transferida do devedor para a instituição financeira depositária. Assim, o credor que eventualmente quisesse se ressarcir da diferença entre o valor do depósito judicial – corrigido pelos índices da poupança – e o que lhe seria pago, nos termos do título executivo, deveria formular pedido contra o banco que mantivera o depósito judicial, nos próprios autos em que os valores foram depositados.[2]

Contudo, recentemente, foi acolhida questão de ordem no âmbito do Recurso Especial nº 1.820.963/SP,[3] na Terceira Turma do STJ, para instaurar procedimento de revisão do tema 677, visando a definir: “se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor”.

A despeito da polêmica que cerca o entendimento anterior do STJ – que atribuía à instituição depositária ônus decorrentes de uma relação jurídica da qual ela nunca fez parte –, fato é que a proposta de revisão do tema jurisprudencial 677 – que pode vir a atribuir ao devedor que depositou o valor executado a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre os índices de correção do depósito judicial e aqueles que constam do título executivo[4] – pode incentivar o devedor a realizar o pagamento voluntário da dívida ou, no mínimo, a não protelar indefinidamente a discussão na fase de cumprimento de sentença, apenas porque garantiu o juízo executivo.

Ao realizar o pagamento espontâneo do débito antes do decurso do prazo do art. 523, § 1º, do CPC, sem apresentar impugnação, o devedor evita a majoração da dívida em 20%. Caso escolha apresentar a impugnação – correndo o risco de ter que pagar multa e honorários sobre o débito – deve fazê-lo sabendo que poderá ser responsabilizado pelos juros e correção monetária, nos termos do título executado, até a data do efetivo pagamento, mesmo tendo realizado o depósito em juízo do valor integral estipulado pelo credor.

Essa configuração não foge aos objetivos do legislador, uma vez que há no Código de Processo Civil outros incentivos financeiros aos devedores para que cumpram tempestivamente suas obrigações, para acelerar a recuperação do crédito executado. São exemplos os mecanismos de desconto nos honorários advocatícios – art. 827, § 1º, do CPC[5] – e parcelamento do débito – art. 916 do CPC – aplicáveis à execução de título extrajudicial por quantia certa.[6]

Tampouco é possível dizer que a imposição de penalidades que aumentam o valor da dívida prejudica de forma desmedida o devedor. A lógica de abreviar o cumprimento definitivo de sentença por essa via passa também pelo fato de que a ampla defesa do devedor, no mais das vezes, foi assegurada na fase de conhecimento – antes da formação do título que agora se pretende cumprir. Ao abordar o cumprimento provisório de sentença, o legislador tomou o cuidado de estabelecer que o depósito judicial do valor integral da dívida afasta a incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC (art. 520, § 3º, do CPC). Para acessar tal valor ou praticar qualquer outro ato de expropriação, o credor deverá prestar caução idônea e será responsabilizado por eventuais danos (art. 520, I e IV do CPC), caso o título sobre o qual se apoia o cumprimento provisório da sentença seja alterado em favor do devedor.


[1] REsp 1348640/RS, Rel. ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2014, DJe 21/05/2014

[2] “Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento pacífico de que a responsabilidade pela correção monetária e pelos juros, após feito o depósito judicial, é da instituição financeira onde o numerário foi depositado (Súmulas 179 e 271 do STJ). Esse posicionamento se aplica ainda que se trate de penhora de dinheiro para a garantia da execução. Assim, procedido o depósito judicial no valor da execução, cessa a responsabilidade do devedor por tais encargos” (STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1298725/SP, Rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 05.10.2010). Em igual sentido: STJ, AgRg no Ag 1228560/RJ, Rel. ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, j. 19.10.2010; STJ, REsp 1665819/DF, Rel. ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 08.08.2017.

[3] Questão de Ordem suscitada no REsp 1820963/SP, Rel. ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/10/2020, DJe 28/10/2020, passando a correr sob o rito dos arts. 256-S e 256-T do RISTJ (Recurso Especial Repetitivo).

[4] Importa notar que a proposta de revisão do Tema 677 decorre do fato de que a jurisprudência do STJ sobre o tema já vinha se alterando nos últimos anos, culminando com a Questão de Ordem que efetivamente propôs a revisão do tema. Nesse sentido, os seguintes julgados: STJ, REsp 1475859/RJ, Rel. ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 16.08.2016; STJ, AgInt no AgInt no REsp 1404012/PR, Rel. ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 07.02.2019; STJ, AgInt no AgInt no AREsp 1687672/SP, Rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 07.12.2020.

[5] Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de 10%, a serem pagos pelo executado.

  • 1º No caso de integral pagamento no prazo de três dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.

[6] Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de 30% do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de 1% ao mês.