O potencial da inteligência artificial é enorme e sua utilização pode trazer desenvolvimentos extraordinários. Entretanto, por não se tratar de tecnologia binária de fácil aplicação, há uma série de desafios a serem enfrentados para que se possa aproveitar ao máximo suas potencialidades.

De forma geral, a inteligência artificial opera com algoritmos que realizam inferências a partir de dados e acumulam conhecimento e aprendizagem das experiências anteriores.

Ao longo do tempo, o sistema vai se autoaprimorando e deveria sempre possibilitar o rastreamento dos padrões detectados para que conseguíssemos entender seus mecanismos e compreender como as conclusões apresentadas foram alcançadas.

No entanto, nem sempre é assim. Muitas vezes o aprendizado da máquina não é mapeável, constituindo uma verdadeira black box não acessível nem suficientemente inteligível pelo ser humano.

Além disso, a comunidade internacional já apontou diversos casos de conclusões equivocadas que ocorrem quando a inteligência artificial é utilizada para questões mais sofisticadas, diferentes de tarefas repetitivas operacionais orientadas por humanos.

Não à toa, estão em curso discussões globais sobre problemas relacionados à dificuldade de rastrear a conclusão dos algoritmos, ao enviesamento dos dados utilizados – que levam a conclusões viciadas – e à responsabilização decorrente do uso da inteligência artificial.

No Brasil, ainda não há regulamentação específica sobre o tema, já que o marco legal da inteligência artificial, aprovado na Câmara dos Deputados em setembro de 2021, ainda aguarda tramitação no Senado Federal.

No entanto, é imprescindível que, desde o início, o emprego da inteligência artificial observe princípios éticos e jurídicos e obedeça a critérios técnicos de confiabilidade, rastreamento e accountability. É fundamental estabelecer um rigor mínimo para dar segurança aos envolvidos.

Também no segundo semestre de 2021, o Conselho da Justiça Federal (CJF) realizou a II Jornada para Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios a fim de buscar saídas eficientes para a grande quantidade de demandas existentes no país. Entre os enunciados aprovados, destaca-se o 106,[1] que justamente incentiva o emprego de inteligência artificial em arbitragens.

Hoje já é possível imaginar, por exemplo, o uso da inteligência artificial em transcrições e traduções, análise e sistematização de documentos ou até mesmo no apoio à indicação de árbitros, com verificação de competências e checagem de conflitos.

São várias as possibilidades de empregar técnicas de inteligência artificial para contribuir para o aperfeiçoamento da eficiência dos atos processuais nos processos arbitrais. Esses atos incluem os praticados tanto pelos árbitros quanto por advogados e peritos. Abrangem também atividades realizadas dentro do próprio processo e atividades preparatórias.

Cuidados necessários

A intenção de estimular o uso de inteligência artificial em favor da resolução de conflitos é louvável e necessária. Para obter maior eficiência, o incentivo deve ser acompanhado de orientações sobre os limites para o uso dessa tecnologia, as fases em que ela pode ser aplicada e os meios de verificar como ela auxiliou no resultado obtido. Ou seja, o devido processo legal precisa ser atualizado para comportar a utilização da inteligência artificial.

Nesse contexto, acertou o CJF ao apontar, na justificativa do enunciado mencionado, a necessidade de “que esse fenômeno observe as garantias constitucionais do devido processo legal, notadamente o direito de participação e ao contraditório”.

A ponderação foi pertinente até mesmo porque a cautela é ainda mais recomendada em procedimentos arbitrais. Deve-se evitar dar à outra parte elementos para fundamentar eventual propositura de ação anulatória, que possam prejudicar tanto a celeridade quanto a segurança jurídica, duas das principais vantagens dos procedimentos arbitrais.

Não se pretende rechaçar o emprego da inteligência artificial na resolução de conflitos. Como bem apontado pelo CJF, seu uso pode contribuir para que as disputas sejam resolvidas com mais eficiência e menos morosidade. No entanto, seu emprego merece cuidados e providências.

Na falta de regulamentação específica, é imprescindível que os advogados estejam atentos e trabalhem para que o uso de ferramentas de inteligência artificial observe a ampla defesa, o contraditório e a garantia do livre convencimento do árbitro.

As consequências diretas dos avanços tecnológicos já chegaram e, mais do que nunca, as partes precisam estar bem assessoradas por profissionais multidisciplinares, que não apenas dominem o direito, mas também tenham o conhecimento necessário para entender, em tempo real, como a aplicação da inteligência artificial pode impactar a resolução do litígio. Dessa forma, poderão agir rapidamente em favor do seu cliente.

 


[1] Enunciado 106: É admissível na arbitragem valer-se das ferramentas tecnológicas de inteligência artificial para subsidiar as partes e o árbitro no curso do procedimento.