O nome dado ao Código de Defesa do Empreendedor pode sugerir que se trata de um contrapeso ao Código de Defesa do Consumidor, pois consumidor e empreendedor, em geral, ocupam posições antagônicas nas relações consumeristas. Mas não é bem assim.

Instituído pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo com a aprovação do Projeto de Lei 838/21, proposto pelos deputados Sergio Victor e Ricardo Mellão, ambos do Partido Novo, o código foi sancionado (com vetos) pelo governador Rodrigo Garcia e publicado no Diário Oficial em 12/04/2022 – Lei Estadual 17.530/22.

A nova norma tem como objetivo principal desburocratizar e facilitar as relações de empreendedores com a Administração Pública ao prever direitos para nortear os empresários no exercício de sua função, assim como deveres do Estado em relação aos empreendedores.

O art. 3º, por exemplo, dispõe sobre os princípios norteadores do código: livre iniciativa nas atividades econômicas, presunção de boa-fé do empreendedor diante do poder público e intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício das atividades econômicas.

Entre os deveres da Administração Pública nas relações com empreendedores encontramos diretrizes como simplificação dos procedimentos de abertura e extinção de empresas e necessidade de disponibilização de informações claras e acessíveis aos empreendedores.

O Código de Defesa do Empreendedor também prevê direitos. Um deles é o direito de o empreendedor ter o Estado como um agente facilitador da sua atividade. Outro é a possibilidade de a documentação societária ser fornecida eletronicamente.

Com esse enfoque de proteção aos empreendedores, o código reafirma disposições legislativas de maior estatura hierárquica, como dispositivos da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica que garantem o exercício da atividade empresária. A nova norma, assim, reforça a necessidade de observância de conceitos já estabelecidos por lei e os traz para o cotidiano do empreendedor paulista.

O Código de Defesa do Empreendedor pretende facilitar o cotidiano do empresário, prevendo, por exemplo, que é vedado à Administração o excesso de discricionariedades e que deve haver zelo pela economia nas relações com particulares. Essas disposições, a nosso ver, tornam explícita a aplicabilidade do código nas interações de empresários com juntas comerciais e entidades registrais em geral.

Dessa forma, o Código de Defesa do Empreendedor (que se aplica a todos os empreendedores paulistas) ampara mais diretamente os pequenos empresários, que, apesar de serem importante força motriz da economia, podem ter dificuldades nas relações burocráticas[1] com a Administração, seja por contarem com estruturas enxutas, seja pela falta de assessoria adequada.

A nova norma demonstra o esforço do estado de São Paulo para ajudar os empreendedores (em especial os micro e pequenos empresários) no cotidiano com a Administração Pública, ao trazer para o arcabouço legislativo estatal importantes previsões que, se bem-sucedidas, podem beneficiar a classe.

Entretanto, é preciso tomar cuidado e aprofundar os estudos sobre o artigo 3º, §1º, o qual prevê, em resumo, que será presumida a boa-fé dos empreendedores, inclusive na aplicação de penalidades e no julgamento de infrações administrativas. Uma interpretação açodada poderia levar ao entendimento de que o consumidor sairia prejudicado.

Neste momento inicial, contudo, com base no contexto de promulgação do código, suas disposições, as justificativas do projeto de lei, seu texto introdutório, assim como os princípios da lei, entendemos que o disposto no artigo 3º, §1º, é aplicável preponderantemente para os casos de penalidades e julgamentos em embates com a Administração Pública, não com consumidores. Não nos parece que o disposto serve para instituições de proteção ao consumidor (como Senacon e Procon) presumirem, de imediato, a boa-fé do empreendedor em detrimento da boa-fé do consumidor.

Hierarquicamente superior, o Código de Defesa do Consumidor rege especificamente as relações de consumo, ao passo que o Código de Defesa do Empreendedor, como se demonstrou até aqui, tem como alvo as relações entre empresários e o Estado. Além do caráter de estatura normativa, parece-nos que a especificidade de ambas as leis dá conta de sua aplicação paralela, e não confrontante.

Ao contrário, portanto, da primeira impressão que se pode ter do Código de Defesa do Empreendedor, caso a iniciativa seja exitosa e respeite o Código de Defesa do Consumidor, haverá melhoria no desempenho cotidiano dos empresários, o que pode indiretamente ser proveitoso para os consumidores.

 


[1] E é justamente no sentido da desburocratização que se insere a maior inovação trazida pelo código: a possibilidade de um sandbox regulatório. O conceito se materializa na concessão de autorização temporária e excepcional para que empreendedores possam desenvolver atividades inovadoras por modelos de negócio e tecnologias experimentais, o que potencialmente trará ainda mais desburocratização e incentivo para determinadas iniciativas empresárias. A despeito de a iniciativa parecer ser válida e despertar vivo interesse em uma primeira análise, só o tempo dirá se sua aplicação na prática trará benefícios suficientes em função da flexibilização possibilitada.