O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar Recurso Especial 2.056.285/RS (REsp 2.056.285/RS) em abril, reforçou o entendimento consolidado em sua Súmula 359 de que é dever do órgão mantenedor do cadastro de inadimplentes notificar o consumidor antes de inscrevê-lo em órgãos de proteção ao crédito. Não basta simplesmente notificar que a inscrição foi realizada. Entende-se que é preciso garantir ao consumidor prazo para pagar a dívida ou se opor à negativação, caso a considere ilegal.

Ao dar provimento, por unanimidade, ao recurso especial, a 3ª Turma do STJ não só reforçou o entendimento já estabelecido como deixou claro ser necessário o envio de notificações físicas aos devedores antes de incluí-los em cadastros restritivos de crédito.

Na decisão, a relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que, embora a jurisprudência do STJ dispense a necessidade de notificação com aviso de recebimento (AR), como já pacificado pelo Enunciado 404 da Súmula do STJ,[1] a inscrição prévia do consumidor em cadastros restritivos de crédito deve ser precedida do envio de correspondência física ao endereço do consumidor.

O caso analisado no REsp 2.056.285/RS se refere a uma ação de cancelamento de inscrição e de pedido de indenização ajuizada por uma mulher que alegou não ter sido devidamente notificada da sua inscrição em cadastro de inadimplentes. Não teria havido o envio prévio de correspondência física ao seu endereço.

O pedido da autora – que teria dívidas de, aproximadamente, R$ 3,5 mil com uma instituição financeira e de R$ 110 com uma plataforma de pagamentos – foi julgado parcialmente procedente pela 1ª instância, que determinou o cancelamento da inscrição referente a um débito de R$ 589,77 com a instituição financeira, já que não havia comprovação de notificação. Os outros pedidos foram rejeitados.

A autora recorreu, mas sua apelação não foi aceita pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). O tribunal entendeu que a exigência de notificação expressa no artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estaria satisfeita com o envio de e-mail ou SMS, o que teria sido efetivamente realizado. Diante dessa decisão, a autora apelou à Corte Superior, que divergiu do TJRS.

No STJ, a ministra relatora argumentou que admitir o envio exclusivamente via e-mail ou por simples mensagem de texto de celular (SMS) representaria uma diminuição da proteção do consumidor. Essa forma de proceder violaria o que dispõe o artigo 4º, caput, do CDC, ao causar lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido.

Segundo a decisão do STJ, apesar de o uso de e-mail e celular ter efeitos positivos nas relações consumo, sua utilização exclusiva como único mecanismo de notificação do consumidor sobre a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo não poderia ser considerada lícita.

Destacou-se o fato de que, devido às desigualdades econômicas e sociais “o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica”.

Em relação a essa questão, vale observar três aspectos:

  • É controversa a ideia de que o envio prévio de notificações por e-mail ou SMS para informar o consumidor sobre sua inclusão em cadastros de inadimplentes significaria uma redução de sua proteção ou lesão aos seus direitos. Isso porque o uso dos meios eletrônicos no dia a dia da população está amplamente disseminado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% dos domicílios brasileiros já tinham acesso à internet em 2021. Dessa forma, é possível avaliar que o devedor poderia ter acesso à comunicação de forma quase imediata, a tempo, inclusive, de tomar medidas para evitar sua inscrição no cadastro de devedores.
  • Já é ampla a utilização de meios eletrônicos para envio de comunicações oficiais no processo civil e penal. Não deveria, portanto, haver impedimento para que uma simples notificação de aviso da inclusão do consumidor em cadastros de inadimplentes pudesse ser feita por e-mail ou SMS.
  • Ao tomar uma decisão que favorece aqueles que vivem em extrema vulnerabilidade social e não têm acesso à internet, o STJ acabou beneficiando devedores não vulneráveis. Com isso, a máxima de tratar os consumidores na medida da sua desigualdade foi rompida. Talvez tivesse sido mais apropriado adotar critérios que protegessem os mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, manter o uso de meios eletrônicos para envio de notificações como recurso válido.

Com o tempo, diante das facilidades e benefícios proporcionados pelo uso dos meios digitais, é possível que o STJ reveja a decisão e acabe adotando uma postura mais flexível. Cabe acompanhar com atenção as discussões sobre o tema.

 


[1]“É dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros”.